Procon recebe sete reclamações por dia de idosos que se sentem lesados pelo sistema financeiro As ofertas de crédito chegam por telefone e pelas calçadas, além das tradicionais abordagens dentro das instituições financeiras. Um assédio que, quando recebido por idosos - muitos deles doentes e passando por dificuldades financeiras -, gera negócio. Não necessariamente vantajoso para as duas partes. Para pelo menos 4.331 pessoas, sendo 2.598 delas com mais de 65 anos, o empréstimo foi motivo de queixa no Procon de Belo Horizonte neste ano até o dia 10 de dezembro. São sete reclamações de idosos por dia no órgão. Alguns casos foram parar na Justiça.
Segundo a diretora do Procon BH, Mônica Coelho, as queixas mais comuns são de taxas abusivas, falta de informações sobre o acordo, insistência para contratação do crédito e utilização de "manobras" para comprometer um percentual da renda superior aos 30% previstos em lei para o crédito consignado. "Os bancos e as financeiras têm ofertado para pessoas totalmente desesperadas e endividadas outros tipos de empréstimo, que não entram nessa margem do consignado. No fim, a pessoa fica com a renda quase toda comprometida", explica.
Essa última situação começou a ocorrer com tanta frequência que o Instituto de Defesa Coletiva entrou com uma ação judicial neste ano, em parceria com o Procon-BH e a Defensoria Pública de Minas Gerais, representando mil pessoas, a maior parte delas de idosos. Eles conseguiram comprovar que estavam sendo empregadas práticas abusivas.
O casal Marlene da Silva Solano, 65, e Vicente de Paula Solano, 71, foram beneficiados com a ação. Com vários empréstimos realizados e sem dinheiro para pagar o básico, eles foram induzidos por uma financeira a tomar um crédito sem conhecer as condições. "Foi tanta falação e tanto papel com letrinha pequena que, quando a gente viu, já estava assinando tudo e dando todos os nossos dados", conta Marlene. No final, cada um deles levou R$ 2.000 para casa e adquiriu uma dívida de R$ 13 mil. Com os descontos de todos os empréstimos, Marlene passou a não receber nenhum centavo da aposentadoria por um ano.
Já Vicente passou a receber R$ 360, dinheiro que usava para arcar com todas as despesas da casa. "Com essa ação judicial, ficou comprovado que eu já tinha pagado o empréstimo, então pararam de descontar no meu salário em agosto. É o que nos salvou", conta ele.
A presidente do Instituto de Defesa Coletiva, Lilian Salgado, explica que não é coincidência os idosos serem as principais vítimas. "Eles normalmente são mais carentes, não enxergam tão bem e não têm familiaridade com a era digital", afirma. A instituição começou uma campanha de uso consciente do crédito com foco na terceira idade. Uma das ações foi o lançamento do filme "Covardia Capital", veiculado gratuitamente no YouTube. Procurada, a Associação Brasileira dos Bancos não se pronunciou.
Inadimplência cresce 11,8% entre os idosos
As vantagens e as facilidades de tomada do crédito consignado deixam praticamente imperceptível uma grave consequência do uso desmedido da modalidade: o risco de superendividamento (quando a pessoa fica incapacitada de arcar com os compromissos financeiros). Entre os idosos, a dificuldade de trabalhar para aumentar a renda torna a dívida um verdadeiro buraco sem fundo. A inadimplência entre aqueles com idades entre 65 e 84 anos subiu 11,8% em novembro no país, segundo dados do Serasa.
"Os idosos estão mais inadimplentes porque, na aposentadoria, já passam por uma redução da renda. Mas o custo de vida aumenta, com maiores gastos com saúde, por exemplo. E, para piorar, tem a questão de muitos ajudarem filhos desempregados", afirma a economista da de Belo Horizonte (-BH), Ana Paula Bastos.
Minientrevista
Alexandre Miserani
Analista econômico e professor da faculdade Arnaldo
Desde quando a inadimplência dos idosos vem crescendo?
Com o acirramento da crise a partir de 2014, acentuou-se a participação do idoso no orçamento familiar como a única fonte de receita. Passamos por um aumento na responsabilidade do idoso nos gastos da família. Também o crescimento do número de participantes da "geração nem-nem", que nem trabalham, nem estudam, fez aumentar o número de idosos que se tornaram arrimo de família.
É essa também a justificativa para o aumento na busca por crédito consignado?
Sim, para complementar a renda, eles acabam pegando empréstimo. E por terem acesso a crédito mais barato e fácil, os idosos são pressionados por membros da família para que eles tomem o empréstimo. E, para piorar, com a internet, os dados deles caem nas mãos de financeiras sem escrúpulos, que ficam tentando todo tipo de abordagem para empurrar o empréstimo.
E as perspectivas são de piora desse endividamento?
Sim. A tendência é as pessoas viverem mais e demorarem mais para se aposentarem. Então, é natural que tenhamos mais idosos endividados no médio prazo.
Palavras Chave Encontradas: Câmara de Dirigentes Lojistas, CDL