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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 17-12-2017 - 09:59 -   Notícia original Link para notícia
O mercadão chinês de milhões de bugigangas

Complexo comercial de Yiwu tem cinco distritos temáticos e atrai lojistas de todo o mundo



Responsável sozinha por quase todas as miudezas e bugigangas vendidas mundo afora, Yiwu é um destino pouco conhecido de turistas, mas celebrado entre lojistas. São quase dois milhões de produtos diferentes - e estima-se que 66% dos enfeites de Natal à venda neste momento em todo o planeta. Percorrer os cinco gigantescos distritos temáticos (há outros dois em construção) com seus 75.000 estandes é explorar as entranhas do comércio de bens de consumo global. Tudo está ali: até os cartazes onde se lê "queima de estoques", ou "saldão", em português mesmo, que se veem em alguns estabelecimentos no Brasil são made in China, assim como as indicações de "aberto" ou "pizza" no estande dos letreiros luminosos para bares e restaurantes. O vendedor de baralhos mostra os exemplares com as instruções em português (e dezenas de outros idiomas) ilustrados com jogadores de futebol, grandes marcas ou atores de Hollywood.



FOTOS DE VIVIAN OSWALDOutro calendário. Embora haja produtos de Natal à venda, encomendas destes enfeites foram feitas em abril e houve embarques em setembro e outubro



Basta encomendar o que se quer, desde que em grandes quantidades. A bolsa "I love Rio", com o Cristo Redentor e o calçadão de Copacabana sai a R$ 2,93. Já o porta-moedas com a bandeira do Brasil, a R$ 0,96. Mais adiante, há produtos esportivos, segways, cadeiras de rodas e bengalas na mesma loja. Tem decoração de Páscoa (a hora para vender para o atacado é agora), zíper a metro e até cabelo de verdade.



CABELO EXPORTADO PARA O BRASIL



Os fregueses brasileiros disputam as longas madeixas de fios escuros lisos dos chineses. Um dos 13 mil comerciantes de Yiwu, o dono do negócio explica, achando que está negociando mais um carregamento, que não é fácil para importadores levar os cabelos para o Brasil por causa da fiscalização sanitária.



- Nada que uma caixa cheia de cabelos de verdade e de mentira (que são permitidos) não resolva. Os melhores são de Yunan, aqui do sul da China mesmo. Tem do Vietnã e de Myanmar, mas são de pior qualidade, por isso, mais baratos - conta o vendedor da província de Henan, onde são tratadas e reunidas as madeixas encontradas em Yiwu.



Os produtos natalinos já embarcaram de setembro a outubro para atender a encomendas feitas em abril. A loja dos produtos de Páscoa tinha enfeites de Natal até meses atrás. O vendedor afirma que um grande cliente brasileiro encomenda, todos os anos, galos coloridos com penas de verdade para abril, e orgulha-se ao explicar que, no Brasil, as pessoas preferem coelhos para a Páscoa, em vez de galinhas e pintinhos, como em outros países.



OFERTA RENOVADA TODOS OS ANOS



A vitrine de cinco mil itens é renovada todo ano. Ou seja, a produção, que sai de uma fábrica não muito distante dali, não se repete nunca. Os itens são desenhados por 12 designers chineses, muitos pintados a mão e inspirados nas modas vistas em grandes feiras europeias. Neste momento, os 400 funcionários trabalham a pleno vapor por causa das encomendas de Páscoa. Uma caixa com seis ovos de galinha pintados a mão (feitos com o mesmo material das bolas de pingue-pongue) sai a R$ 2,50.



- Tivemos de diminuir a elaboração de vários enfeites, porque os clientes brasileiros só querem comprar mais barato. Em alguns, tiramos detalhes artesanais e substituímos por plástico - conta.



Mais de 500 mil estrangeiros do mundo inteiro, entre intermediários e comerciantes, vão a Yiwu fazer as suas encomendas. Os hotéis e restaurantes têm placas em árabe, russo, inglês e espanhol. Por toda parte, há anúncios de tradutores, agentes, intermediários e bons negócios. Até financiamentos a juros baixos.



A loja que fabrica souvenires recebe encomenda para qualquer tipo de objeto. Entre as camisas de time, estavam as de Grêmio, Vasco e Internacional; enquanto a do Flamengo estava em falta. Tudo que se vê nos camelôs brasileiros, do Saara, no Rio, à 25 de Março, em São Paulo, está naqueles corredores. A logística ali é motivo de orgulho até do primeiro-ministro da China. Segundo um cartaz, ele disse que o local é o centro para as compras no mundo, com uma estrutura impecável de logística. Ele não está errado. Há um entregador-motoqueiro por corredor em cada andar dos complexos. Das 8h às 18h de segunda a domingo, ele passa recolhendo as encomendas que serão enviadas pelo correio aos clientes.



No distrito dos importados, estão os produtos levados para a China para que sejam redistribuídos dentro e fora do país, entre alimentos, joias, pedras, madeiras, vinhos, batatas Pringles e cachaça 51. Vários países têm seus estandes, organizados como supermercados, mas o Brasil fica de fora. O último andar é dedicado às pequenas start-ups de transportes ou de pequenos produtos que só podem ser vendidos pela internet.



A cidade tem vocação para o comércio há pelo menos 300 anos. Seus habitantes saíam com baldes de madeira nos ombros com produtos ou biscoitos caramelizados típicos da região para fazer escambo ou vendê-los durante o inverno, quando as fazendas não produziam nada. Mercados foram se estabelecendo por ali. Cada vila tinha o seu. Hoje, já não existem. Na década de 1990, foram construídos os atuais imensos complexos. Nos fins de semana, os vendedores carregam para os distritos seus filhos, que circulam de bicicleta, patinetes ou brincam pelos corredores, enquanto os pais fecham negócios.



Pessoas se mudam para Yiwu para atender aos turistas. Li, motorista do Didi (gigante chinesa que tirou o Uber do país) disse que largou o comércio depois de duas tentativas frustradas e hoje dirige o táxi e aluga quartos na casa de quatro andares que recebeu do governo, quando aquela onde morava foi desapropriada para abrir caminho para um dos distritos.



Li é uma gota no mar de economias subterrâneas que permeia a China. Na noite de domingo, quando todos os pequenos comerciantes deixam a cidade de Yiwu, a estação de trem fica tomada de filas monumentais, que ninguém sabe onde começam nem terminam. É quando se nota a atuação dos cambistas, que abordam, aos gritos, quem está na fila. Tudo diante dos olhos dos caixas da companhia oficial de trem.



Há ainda cambistas eletrônicos: sites que cobram para, alegadamente, buscar milhares de vezes, durante algumas horas, bilhetes de trem de quem teria desistido de usá-los.





Na cidade, apartamentos ou casas podem ser sublocados ao gosto do freguês. Moradores alugam quartos para quem vai às compras, ou como depósitos. O aluguel de um quarto pelo período de um ano pode custar entre R$ 8.090 a R$ 10.100 - ou de R$ 674 a R$ 841 por mês.



No comércio, perfume, eletrônicos, remédios e até caldo de carne piratas


 falsificados já movimentam US$ 460 bi ou 2,5% do mercado global


Na cidade onde há de tudo, não poderia faltar um sem número de produtos piratas, uma marca ainda registrada desta China que entra em uma nova era, como anunciou o presidente Xi Jinping durante o 19º Congresso do Partido Comunista, e se prepara para o tão desejado salto tecnológico. Muitos itens podem ser identificados mesmo pelos olhos destreinados. Entre os vidros vazios de perfume à venda, é possível reconhecer os modelos de conhecidas marcas francesas. Não dá para saber se são usados ou uma cópia. Em outro piso, uma loja só de etiquetas plastificadas ou de couro para serem costuradas em roupas. Pode-se fazer uma encomenda para a sua grife, ou recorrer a opções mais genéricas, que já estão lá. Há também, menos em evidência no mostruário na parede, as etiquetas Chanel, Gucci e Diesel. Ressabiada, a vendedora garante que estas últimas eles hoje quase não fazem. Só se o chefe concordar.



VIVIAN OSWALD


Em Yiwu. Luminárias tipicamente turcas são, na verdade, "made in China"


Eletroeletrônicos idênticos aos de marcas famosas estão em lojas prontos para receber etiquetas próprias de revendedores ou copiadas das grandes marcas. Há até típicas luminárias turcas made in China.


- Tem muita fábrica que fica aqui na China. O pessoal copia a tecnologia e abre o seu negócio - diz um frequentador da feira.


Estima-se em US$ 460 bilhões o volume anual de produtos falsos identificados mundo afora, ou cerca de 2,5% do mercado global, de acordo com dados da Organização Mundial das Aduanas (OMA), baseada em Bruxelas. Viggo Elster, o coordenador do programa técnico da OMA disse que, a China ainda é a origem da vasta maioria de produtos de contrafação apreendidos. Mas é também o país que mais faz quando se trata de monitorar as exportações. Em geral, explica, as nações se preocupam mais e, portanto apertam os controles sobre a entrada e não a saída de produtos, como fazem os chineses. A estratégia é tentar se livrar da pecha da pirataria. Mas a quantidade é tal que fica difícil até para a China, um país repleto de controles de todos os tipos.


IMPACTO DAS REDES SOCIAIS


Há quem diga que ainda há um certo nível de tolerância. Até porque é uma produção tão grande que acaba influenciando o ritmo da economia do país. Muitas pessoas desembarcam na China atrás de produtos falsos. Ou vão atrás deles no mercado negro nos países de destino.


- É claro que só há venda, porque há demanda. As pessoas não têm ideia da quantidade de crimes por trás da pirataria - alertou Elster.


Produtos falsos convivem com os verdadeiros em Yiwu e até no centro de Pequim. O mercado de falsificações invadiu as mídias sociais, o que tornou ainda mais difícil combatê-lo. Segundo Elster, a pirataria deu um salto nos últimos anos impulsionada pelo comércio eletrônico e as múltiplas caixinhas que circulam pelo planeta:


- O esforço para fiscalizar uma caixinha dessas muitas vezes é o mesmo para fiscalizar um contêiner inteiro para uma aduana. É muito difícil verificar tudo, e essa tem sido uma opção para as contrafações.


Os itens falsos preocupam porque incluem até caldos de carnes e medicamentos - que estão na lista dos mais vendidos, sobretudo nos países em desenvolvimento, segundo Viggo. (V.O.)


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