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Portal O Tempo ( Opinião ) - MG - Brasil - 31-07-2016 - 04:30 -   Notícia original Link para notícia
O dia em que a cobra sumiu

Quando trabalhei na retirada dos aguapés da lagoa da Pampulha, em 1993, serviço oferecido à Prefeitura de BH por uma das empresas do Grupo Sada, nunca imaginei que passar dia e noite dentro de um local tomado por cerca de 1 milhão de metros quadrados de aguapés, ou seja, 75 mil toneladas de plantas, me trouxesse tanto prazer. Na empreitada, barqueiros, ajudantes, operadores de máquinas, mecânicos, bombeiros e eu.

Entre bichos, plantas e gente, mais que um trabalho, os meses passados na lagoa foram para mim uma ótima e insólita terapia, mesclada por grandes aventuras.

Impressionou-me a diversidade de plantas e animais ali existentes: garças, capivaras, cobras, paturis, biguás, mergulhões, tartarugas, peixes comuns como traíras, estranhíssimos feito o muçum, grilos, pernilongos (milhões) e, como não poderia deixar de citar, jacarés. Animais que vi de perto, que corri atrás ou que fugi assustada.

Quem está do lado de fora não imagina o que se encontra do lado de dentro. Confesso que nem eu imaginava! Por exemplo: correr de uma sucuri, da largura de um disco vinil e com quatro metros de comprimento, definitivamente não estava em meus planos. Assim como passar o dia inteiro numa enseada à espera de um jacaré que acabou não dando as caras.

Certa vez, do acampamento, avistamos dois barquinhos a remo literalmente encalhados. Pegamos nosso barco e saímos em socorro deles. Cinco homens do Corpo de Bombeiros, acompanhados por dois repórteres do "Aqui Agora", tentavam a todo custo chegar à ilha dos Amores. Estavam à procura do jacaré, cuja existência comunicamos à imprensa dois dias antes. Derretidos de calor e cansaço, aceitaram de bom grado a nossa ajuda. Relatei o fato a minha mãe, e ela, achando graça, comentou:

- Iiiih! Se sua tia te vir na ilha com esse tanto de homens pelados, vai horrorizar!

Detalhe: os bombeiros, sem camisa, vestiam minúsculas sungas. Não deu outra. O programa saiu no mesmo dia. E, no mesmo dia, a tia ligou. Horrorizada. Filmaram nosso barco, a tripulação, a ilha, os aguapés, o lixo... Menos o jacaré, é claro.

E foi num daqueles fins de tarde tranquilos, de conversa jogada fora empurrando aguapés a cinco quilômetros por hora, que veio a "brilhante" ideia: capturaríamos o jacaré e o devolveríamos ao Pantanal. Segundo Alan e Burié, meus companheiros de barco, seria uma atitude honrosa.

"Pensa bem", diziam entusiasmados, "quem tira aguapés tira também o jacaré, devolvendo-o ao seu habitat natural". Devo ter tomado muito sol nesse dia para ter levado o assunto a sério. Sabíamos que tanto a prefeitura quanto o Ibama estavam a sua procura. Não entendia por que tirá-lo da lagoa, mas, já que era para sair, ao menos que fôssemos nós os responsáveis por devolvê-lo ao Pantanal, provavelmente seu lugar de origem.

E numa manhã ensolarada, próximo à enseada do , escutamos de um pescador:

- Cuidado com o jacaré. Ele está aí, perto do barco! - Uau! Era tudo o que queríamos ouvir.

Conseguimos localizá-lo em meio aos aguapés. Pedimos ao pescador que "tomasse conta" do bicho enquanto íamos ao acampamento para buscar nosso "pega-jacaré" - uma geringonça inventada pelo Alan e pelo Burié que, no final das contas, serviu mesmo foi para pegar a sucuri.

Sem querer fazer alvoroço, não avisamos ninguém. A vontade de capturá-lo era tão grande que nem pensamos nos detalhes, tipo: como tirar um jacaré enfurecido da lagoa? Combinamos o seguinte: os dois o prenderiam, enquanto eu, na direção, tocaria o barco. Simples, não? Já imaginaram a minha calma em tocar um barco arrastado por um jacaré? Com a graça de Deus, o pescador havia ido embora, e, mais uma vez, perdemos de vista o animal. Pensando bem, seu lugar era ali mesmo, na lagoa.

Trabalhava na enseada das Garças quando um dos barqueiros me chamou. Corri para ver o que era e fiquei surpresa ao saber do mais recente e inusitado acontecimento - uma cobra enooorme estava presa à caçamba da escavadeira. Um dos funcionários, assustado, já havia ligado para o bombeiro, a imprensa, o diabo! Apareceu gente de todo lado: pescadores, curiosos, repórteres.

Tudo começou quando, no canal próximo ao acampamento, Wilson, o operador da retro, retirava os aguapés enquanto os barqueiros Otaviano e Zé Maria os deslocavam até a máquina. De repente, uma agitação na água, e, no lugar de aguapés, a caçamba levantou a sucuri. Presa no meio das plantas, mal conseguia se mover. Lentamente, a máquina seguiu em direção à clareira enquanto uma multidão de curiosos ia atrás. De um lado, água; do outro, matagal; e, no meio, uma estreitíssima e esburacada estradinha de terra. Até que veio o grito: "A COBRA CAIU!"

Nem é preciso dizer que correu gente pra todo lado. O negócio era correr, não importava para onde. Eu mesma subi num morro cheio de carrapichos. Os bombeiros, ao perceberem o tamanho do bicho, assustaram-se com a missão que tinham pela frente:

- Sei não, acho melhor chamar o Ibama... - E, ao verem a cobra sumindo mato adentro, vibraram: - Iiih! Podemos desistir, entrou no mato, já era.

Claro que a última coisa que faríamos seria desistir, até porque uma cobra dessas tinha garganta para engolir um homem inteiro. Seu Nilson, um de nossos ajudantes, começou a cortar o capim com a foice. De repente, pulando enlouquecido, começou a gritar:

- A cobra! A cobra!

E lá estava ela, imóvel, enrolada num canto. Aos poucos, fomos nos aproximando. Os bombeiros, apreensivos, sem saber o que fazer. Até que o Alan, aproximando-se, com o pega-jacaré na mão, prendeu sua cabeça. Depois, vários "heróis" apareceram para segurar o resto, inclusive os bombeiros, naturalmente. Impressionado, o sargento perguntou:

- Puxa! Quantas cobras dessas você já pegou? - E mais impressionado ficou com a resposta: - Que nada, sô. Nunca peguei cobra na vida, ainda mais desse tamanho!

No mesmo dia a sucuri foi encaminhada ao zoológico. Vê-la de perto não me causou medo, apenas repulsa pelo odor fortíssimo que exalava de sua pele. A título de curiosidade, não poderia deixar de citar as inúmeras cobras verdes, marrons ou de duas cabeças que, por diversas vezes, retiramos junto aos aguapés. Eram tantas que, no fim, nem ligávamos mais. Não tinham veneno.


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