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Portal O Tempo ( Economia ) - MG - Brasil - 12-08-2019 - 03:00 -   Notícia original Link para notícia
Rendimento do FGTS é engolido por inflação duas vezes maior

Em 20 anos, dinheiro depositado em fundo rendeu 156%, enquanto IPCA acumulado foi de 250%
Tatiana Lagôa

Em 20 anos, o dinheiro guardado no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) valorizou 156,14%. De 1999 até o momento, o rendimento do fundo superou a inflação apenas em quatro anos. No fim das contas, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulada no período foi de 250,9%, ou seja, o dinheiro reservado no fundo vale quase metade do que valia no passado. O rendimento é tão baixo (cerca de 3% ao ano) que perde até para a poupança, que é o tipo de investimento mais conservador disponível no mercado. Essa modalidade, por exemplo, rendeu 354,12% em 20 anos, segundo dados da Economática.

Em outras palavras, o dinheiro guardado no FGTS está depreciando a cada ano. "A inflação representa a atualização do poder de compra ao longo do tempo. Se com um determinado valor a gente comprava uma cesta básica e abastecia o carro, passado um período, acrescendo a inflação, o dinheiro tem que dar para fazer as mesmas coisas. E não é o que acontece com o FGTS", explica e economista Andrew Storfer.

Comparação

Uma conta do FGTS que tinha R$ 500 em 1999, por exemplo, tem atualmente R$ 1.280,70. Se o rendimento fosse compatível com a inflação do período, o saldo atual seria de R$ 1.754, ou seja, R$ 430 mais alto. "Descontando a perda inflacionária, os R$ 500 são equivalentes a R$ 365 hoje", explica Storfer. Já se os mesmos R$ 500 tivessem sido depositados no Certificado de Depósito Interbancário (CDI), o investidor teria em mãos agora R$ 5.995, quase cinco vezes a mais do que o valor disponível na conta do FGTS. Em 20 anos, essa aplicação rendeu 1.087,23%.

Apesar dessas vantagens numéricas, alguns especialistas pedem cautela na decisão quanto ao saque do recurso disponibilizado pelo governo federal. "A não ser que a pessoa esteja muito endividada, não vale a pena retirar um valor tão baixo e desvirtuar a real função do fundo, que é a de ser uma reserva para quem perdeu o emprego", afirma o diretor de estudos e pesquisas econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade, Miguel José Ribeiro de Oliveira.

Ele lembra que quem optar por retirar o recurso todos os anos, na modalidade de saque por aniversário, abre mão de recebê-lo na íntegra em caso de demissão sem justa causa.

Congresso tem 90 projetos de uso

Hoje, o saldo total depositado no FGTS é de R$ 518 bilhões em ativos. Em tempos de crise, essa cifra acumulada se transforma em um verdadeiro baú do tesouro e atrai a atenção de muitos parlamentares, que tentam emplacar formas de utilização do dinheiro. No Congresso Nacional, tramitam cerca de 90 projetos de lei nesse sentido, conforme apuração de o O TEMPO.

Atualmente, o recurso já subsidia saneamento e infraestrutura no país, além de bancar empréstimos para aquisição da casa própria, principalmente dentro do programa Minha Casa, Minha Vida. Em junho deste ano, o presidente Jair Bolsonaro sancionou lei que permitiu a utilização do dinheiro para financiar empréstimos para socorrer Santas Casas e hospitais filantrópicos.

As propostas que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado vão desde o uso do FGTS para bancar curso superior (PL 1540/2019) e compra de veículos para pessoas com deficiência (PL 625/ 2015) até o saque por mães solteiras responsáveis pelo sustento dos filhos (PL 443/ 2016). O Congresso tenta ainda ampliar o uso do FGTS para financiamentos imobiliários na aquisição do segundo imóvel (PL 2967/ 2019) e no pagamento de casas para parentes de primeiro grau do titular da conta (PL 337/2015).

"O que acontece é que, como o dinheiro do FGTS é barato, porque tem um rendimento baixo, o governo usa esse recurso para subsidiar políticas públicas. O que é errado, porque os trabalhadores não são obrigados a arcar com isso", afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP) Hélio Zylberstajn, que é um dos autores do projeto de utilização do FGTS para bancar previdência privada dos trabalhadores, apresentado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ao atual governo. "Esse projeto que apresentamos chegou a ser pré-emenda do texto da reforma da Previdência e ainda circula nas mãos de parlamentares", afirma. Procurado, o Ministério da Economia não se pronunciou sobre a rentabilidade do FGTS e a possibilidade de aumento no retorno aos trabalhadores.

Distribuição de lucro vai elevar correção

A rentabilidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), hoje a mais baixa entre as principais modalidades de investimento, deverá subir. É que o governo federal pretende aumentar a distribuição dos lucros, passando dos atuais 50% para 100%. Não há uma data definida para a mudança. "Em 2017, o governo começou a repassar 50% do ganho para os trabalhadores. Com o aumento do repasse, o FGTS vai ter a mesma rentabilidade da poupança. Por isso, o retorno não é uma boa justificativa para ir retirando o recurso antes de uma demissão", explica o diretor de estudos e pesquisas econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade, Miguel José Ribeiro de Oliveira.

A advogada especializada em direito do trabalho Cláudia Al-Alam Elias Fernandes discorda. "Só não é vantajoso pegar os R$ 500 em caso de preguiça de enfrentar as filas ou ausência total de dívida", afirma. Ela explica que a aceitação da primeira parcela do recurso não atrapalha no recebimento do valor integral no futuro. Só limita para quem escolher a opção de recebimento nos aniversários. "A ideia é você decidir se o governo vai guardar o dinheiro para você ou se você vai investir e fazê-lo render como quiser. Essa decisão é em linha com um governo liberal, que prega Estado mínimo", afirma.

Para a economista da de Belo Horizonte (-BH) Ana Paula Bastos o recurso pode ser usado para quitar dívidas e retornar ao mercado de consumo. "As pessoas devem fazer uma conta simples. Se os juros que estiverem pagando com as dívidas superarem o rendimento do dinheiro parado, é melhor pagar as contas", explica.

Segundo pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), as taxas de juros médias cobradas pelo comércio estão em 79,5% ao ano. As de cheque especial, em 280,92%.


Palavras Chave Encontradas: Câmara dos Dirigentes Lojistas, CDL
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