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G1 ( Minas Gerais ) - RJ - Brasil - 24-07-2019 - 04:00 -   Notícia original Link para notícia
Com impactos na agricultura, mineração e turismo, tragédia da Vale traz incertezas para futuro da economia de Brumadinho

Rompimento de barragem, que completa 6 meses nesta semana, vem afetando desde renda de agricultores familiares a números da indústria extrativa do país. Em Brumadinho, prefeitura se preocupa com situação do município após fim de doações da mineradora.
Com impactos imediatos na mineração, na agricultura e no turismo, o rompimento da barragem da Vale, que completa 6 meses nesta semana, também traz incertezas para o futuro da economia de Brumadinho.

Por ora, o pagamento de auxílio emergencial à população e a doação de valores para o município têm garantido o movimento do comércio local e a manutenção das receitas da cidade, mas a prefeitura se preocupa com a situação após fim do ano que vem.

Dependente da mineração, Brumadinho viu o valor arrecadado com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), também conhecida como royalties do minério, cair quase pela metade. "O nosso ponto principal para análise da Cfem é agora em maio. Nós arrecadamos R$ 1,8 milhão. Então, uma previsão de R$ 3,7 milhões caiu para R$ 1,8 milhão", diz a secretária Municipal de Planejamento, Vânia Estêvão.

Por outro lado, a Vale firmou um compromisso de repassar R$ 80 milhões para a prefeitura, de forma parcelada até 2020, para assegurar a manutenção do equilíbrio das contas públicas.

"A nossa preocupação maior é após dezembro do ano que vem, o que vai ser muito triste para a cidade. Eu não sei nem o que fazer. Se você me perguntar: "prefeito, o que é que você vai fazer?". Não sei", afirma o prefeito Avimar de Melo Barcelos (PV).

De acordo com a Vale, a mina do Córrego do Feijão produziu, em 2018, 8,5 milhões de toneladas em um total de 27,3 milhões de toneladas produzidas no Complexo de Paraopeba do Sistema Sul, do qual faz parte.

Já no primeiro trimestre deste ano, a produção do complexo foi de 4,4 milhões de toneladas, enquanto nos últimos três meses de 2018, o total foi de quase 6,9 milhões de toneladas.

Em seu contexto geral de produção de minério, a empresa também assistiu à paralisação da produção em outras minas e à queda dos números. Segundo a Vale, de janeiro a março deste ano, a quantidade produzida chegou a 72,9 milhões de toneladas, retraindo 28% em relação ao trimestre anterior e 11% em comparação o mesmo período de 2018.

"Ao acontecer essas tragédias, infelizmente, o impacto na economia mineira também foi muito grande", avalia o presidente do conselho diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Wilson Brumer. Segundo ele, em Minas, a mineração representa cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB), e, no Brasil, cerca de 4%.

De acordo com dados da Fundação João Pinheiro, na indústria mineira, nos primeiros três meses deste ano em comparação com o trimestre anterior, os dados apontaram queda de 1,9%.

"A retração significativa do setor esteve associada à paralisação das atividades de extração de minério de ferro em Brumadinho, e do acompanhamento mais rigoroso das demais barragens com interrupção da operação de várias minas", explica a fundação.

Em relação especificamente ao setor da indústria extrativa mineral, os patamares da queda chamam ainda mais atenção: recuo de 20,6% no primeiro trimestre de 2019 em relação ao trimestre imediatamente anterior e 13,3% em relação aos três meses iniciais de 2018.

No cenário nacional, a indústria extrativa também sofre com impactos do desastre em Brumadinho. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em julho, o setor em maio teve uma queda de 18,2% em comparação com o mesmo mês de 2018.

Conforme o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe, medidas tiveram que ser tomadas para minimizar os reflexos na siderurgia e na metalurgia.

" Várias ações tiveram que ser feitas para isso, inclusive paralisação de exportação de importantes minas para priorizar o atendimento ao mercado interno. Então, o setor fez muito para que o impacto fosse minimizado. Agora, o impacto ainda é grande", avalia.

Para o turismo, os reflexos do desastre da Vale começaram praticamente no mesmo instante em que a barragem se rompeu. O Instituto Inhotim, um dos maiores museus a céu aberto do mundo, por exemplo, permaneceu fechado por quase dez dias em respeito às vítimas.

O setor do turismo na cidade vinha se recuperando dos impactos gerados por um surto de febre amarela em 2018. De acordo com o diretor-presidente do instituto, Antonio Grassi, foram precisos cerca de sete meses para o espaço se recuperar da queda na visitação, que chegou a quase 50% no período.

Ao reabrir depois da tragédia, o Inhotim mais uma vez foi penalizado com queda no fluxo de público. Em fevereiro, o local teve cerca de 6,7 mil visitantes, menos da metade do número registrado no mesmo mês de 2017, quando quase 15,5 mil pessoas foram ao instituto.

"É óbvio que o impacto na nossa visitação foi enorme. Durante o período que a gente ficou fechado, a gente deixou de receber cerca de 20 mil visitantes", diz Grassi. Para ele, o fluxo normal de visitação deve ser recuperado somente daqui a aproximadamente dois anos.

O tempo é o mesmo estimado pela Associação de Turismo de Brumadinho e Região (ATBR) para que o setor volte a alcançar os resultados que tinha em janeiro deste ano. De acordo com presidente da entidade, Leonardo Esteves, no dia do rompimento da barragem, a taxa média de ocupação de hotéis e pousadas em Brumadinho era de 85%.

Logo após o desastre, os turistas foram substituídos por jornalistas, bombeiros, técnicos da Defesa Civil, funcionários e prestadores de serviço da própria Vale, além de moradores que tiveram que deixar suas casas por causa da lama despejada no rompimento da barragem.

"Mas isso não reflete a totalidade das hospedagens", pondera Esteves. Após a tragédia, segundo ele, a estimativa é que o impacto no turismo tenha chegado a 90%.

Dona de uma das pousadas mais novas de Brumadinho, a engenheira e empresária Alessandra Meira, de 57 anos, ainda tenta se recuperar das consequências do desastre, que praticamente zerou por mais de um mês a ocupação da hospedagem inaugurada há cerca de um ano e meio.

"Ainda estava bancando a pousada e eu tive que paralisar toda continuação das obras. Então, paralisei tudo para manter a mão de obra empregada", afirma.

Para tentar voltar a atrair turistas, a ATBR lançou a campanha "Abrace Brumadinho", que, segundo Esteves, foi custeada pela Vale.

"A gente quer que realmente que a cidade venha a se tornar um polo turístico da região mesmo, que ela tenha isso como mote de economia, já que representa a segunda matriz econômica do município", pontua o presidente da associação.

Em um dos locais devastados pela lama da barragem, famílias de agricultores produziam verduras que enchiam diariamente dois caminhões. Hoje, o verde da plantação de folhosos foi substituído por uma paisagem que mescla o rejeito da mineração e o mato que brota sobre a lama seca.

A agricultora Soraia Aparecida Campos, de 42 anos, é uma dessas pessoas e conta que dezenas de corpos de vítimas foram encontrados no local que garantia o sustento na casa dela e de outras dez família. "Aonde a gente vivia, cuidava da nossa família, para nós hoje, virou um cemitério aberto", diz.

Segundo Soraia, descontados os gastos, por exemplo, com mão de obra e insumos, ela retirava entre R$ 5 mil e R$ 6 mil, mensalmente, com o trabalho na horta.

"Hoje, está todo mundo parado, dependendo de um salário mínimo que a Vale está dando. Graças a Deus, eu não estou morrendo de fome, mas não era isso que a gente vivia", lamenta.

A Vale informou que, na chama zona de autossalvamento, 91 produtores rurais e comerciantes com atividades produtivas receberam R$ 15 mil.

Mas o impacto na agricultura vai além de áreas diretamente atingidas pela lama da barragem. Na cidade Mário Campos, que integra o cinturão verde da Região Metropolitana e se destaca pelo cultivo de alface, agricultores dizem que a produção foi prejudicada pela contaminação da água do Rio Paraopeba.

O produtor rural Nery Alves Ribeiro, de 48 anos, conta que suspendeu a produção de hortaliças depois da tragédia. Segundo ele, apesar de a irrigação de sua plantação não ser feita com água do Paraopeba, os itens cultivados na cidade têm enfrentado um certo "preconceito".

"Quando chega ao consumidor final, todo mundo tem receio. Será que essa verdura está de acordo com o que é permitido? Será que ela não está contaminada?", afirma.

Ao contrário do turismo e da agricultura, o setor de comércio, neste momento, respira com um pouco mais de alívio em Brumadinho.

De acordo com o presidente da () do município, Aldnei Pereira Sobrinho, nos primeiros três meses após a tragédia, o impacto foi uma queda de 50% a 70% no comércio da cidade.

Segundo ele, porém, depois que a Vale passou a pagar um auxílio emergencial à população, o dinheiro voltou a circular na cidade, e a situação do comércio começou a melhorar.

Com isso, de acordo com a secretária Municipal de Planejamento, Vânia Estêvão, houve crescimento na arrecadação do ICMS, aquecendo o mercado e deixando a cidade em "uma zona de conforto.

Segundo ela, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) também teve aumento na arrecadação por causa da chegada de inúmeras empresas ao município que desenvolvem atividades relacionadas à reparação dos danos da tragédia.

Mas, para Sobrinho, a preocupação é que o comércio seja impactado novamente quando o auxílio deixar de ser pago pela Vale.

Durante um ano, a contar da data do rompimento da barragem, os moradores atingidos pelo desastre recebem o auxílio, que é de um salário mínimo para adultos. Segundo a empresa, o pagamento é feito a mais de 101 mil pessoas.

A inquietação da é partilhada pelo prefeito. Mas, para ele, a maior preocupação, de fato, é com a situação do município após 2020, quando deve terminar de ser repassada a doação da Vale no valor de R$ 80 milhões para a prefeitura.

Segundo a secretária Municipal de Planejamento, há intenção de se implantar um pólo industrial na cidade, buscando diversificar a economia. O próprio prefeito, porém, reconhece que essa seria uma opção que demoraria mais de uma década para trazer resultados.

Enquanto isso, ele diz não ter respostas. "Eu não sei nem como fazer, sabe? Uma cidade igual a nossa é uma cidade que está frágil para isso. Ela não sabe o que vai fazer daqui para frente", afirma.

Segundo Barcelos, a prefeitura estuda entrar com uma ação contra a Vale para que ela compense o município pela perda da produção mineral por mais tempo. Por outro lado, ele não se coloca contra a mineração.

"Claro. Nós somos a favor de mineração, nós sobrevivemos de mineração em Brumadinho. (...) A Vale tem que voltar a minerar a seco, com responsabilidade. Não mexer com barragem mais", defende.


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