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Portal O Tempo ( Diversão ) - MG - Brasil - 01-12-2018 - 03:00 -   Notícia original Link para notícia
Natal local

Em tempos de consumismo desenfreado, um número cada vez maior de pessoas prioriza o pequeno comércio, em que possa conhecer a história do produto e do seu produtor, e dá preferência a itens sustentáveis e engajados socialmente na hora de presentear
O consumidor ainda está na ressaca da Black Friday, mas as festas de fim de ano já os induzem a mais uma vez ir às lojas e shoppings. É fato: nesta época do ano, marcada por importantes datas do varejo e quando boa parcela dos brasileiros tem seus ganhos mensais dilatados, de forma direta ou indireta, pelo 13º salário, o convite para ir às compras se torna ainda mais insistente. É bem provável, pois, que o amigo leitor esteja com a caixa de e-mails abarrotada de ofertas ditas "imperdíveis". Materialização desse calendário comercial, é fácil encontrar vitrines que ostentam, simultaneamente, uma ornamentação natalina e cartazes de liquidação da Black Friday. Com a isca lançada, o consumidor corre o risco de ser fisgado para o excesso - e cair nas armadilhas do famigerado consumismo.

Bem, mas a história pode ser outra. O 25 de dezembro costuma ser ocasião para reunir amigos e famílias - até para os que não celebram o Natal cristão. E, é sabido, é uma tradicional oportunidade para trocar mimos. Em BH, a indica que 74,4% dos belo-horizontinos devem presentear por agora. Ocorre que, mesmo sem fugir à regra ou se negar a participar das brincadeiras de amigo oculto ou ajudando o "Bom Velhinho" a distribuir embrulhos vistosos para os pequenos, dá para evitar essa lógica de consumo desenfreado.

E este definitivamente é o caso da designer de moda Raíssa Leão, 26. É que, para ela, consumir por consumir já não serve mais. Há pelo menos cinco anos ela vem gradualmente se dotando de uma outra lógica, que classifica como "desacelerada" e "consciente". As coisas começaram a mudar ainda nos tempos da faculdade, quando conheceu melhor o mercado do vestuário e passou a ter dificuldade em encontrar peças. É que buscava uma produção "transparente", na qual fosse certo que em nenhum momento a cadeia produtiva utilizou trabalho análogo à escravidão. Importava, também, que os materiais usados não fossem excessivamente agressivos ao meio ambiente. "De começo, descobri os brechós e, em seguida, as marcas locais oferecidas em feiras e pequenos estabelecimentos", lembra a moça.

A partir do reuso e do consumo direto com os pequenos produtores, a reflexão de Raíssa foi se ampliando. "Comecei a ter uma visão mais holística da minha própria vida. Notei que a moda e o meu jeito de comprar não são ações ligadas apenas às tendências: também refletem muito sobre como me relaciono com o mundo", analisa.

Feita a inflexão, a moça considera que é difícil voltar a um jeito de consumir "mais vazio". E diante dessa nova perspectiva, acredita que ganhou até mais qualidade de vida. Exemplo foi justamente a Black Friday. Indiferente ao frenesi criado pelo evento, viu conhecidos reclamarem de preços enganosos, filas quilométricas e um trânsito especialmente complicado. Ela, por sua vez, saiu incólume a tanto alvoroço.

Percorrendo caminho semelhante, a psicóloga Patrícia Saar, 32, não se lembra bem de um "start" para a mudança de postura em relação ao consumo. Certo é que a história começou há cerca de três anos e foi acompanhada de muita reflexão. "Eu estava desconfortável com essa formatação: tudo muito descartável, sacolas cheias e a sensação constante de insatisfação", examina. Assim, começou a buscar novos estabelecimentos. Pelo Instagram, descobriu a Mooca - o primeiro marketplace com aceleração de produtores locais do Brasil. Visitar o estabelecimento, com certeza, foi para ela um divisor de águas. Além de virar frequentadora, lá conheceu produtores locais e passou a acompanhar o trabalho destas pessoas.

Hoje, Patrícia considera prioritário conhecer a história do produtor e do produto que vai levar para casa - muitas delas, por sinal, "inspiradoras de pessoas que abandonaram empregos formais para se dedicar a um talento". É importante também saber sobre a cadeia produtiva e a preocupação ambiental agregadas ao que vai comprar - "algo que só é possível nesse contato tête-à-tête com quem produz e vende". Melhor ainda se a marca tiver alguma proposta social clara. Diante disso, "não quero e não sinto nenhuma necessidade de voltar a consumir como fazia antes. É plenamente possível ser um comprador consciente".

A relação de Patrícia se transformou, inclusive, em se falando de preços. Se para 26% dos belo-horizontinos o valor do produto é determinante, conforme pesquisa da , para ela, cumprir os mencionados pré-requisitos é essencial.

Tendência

Habituadas a frequentar as várias feiras de produtores locais e as emergentes lojas coletivas dedicadas a essa produção, Raíssa e Patrícia observam que o público desses lugares tem se ampliado. Algo que pode ser observado em pesquisas estatísticas, como a realizada pelo Instituto Akatu - uma organização que trabalha pela conscientização e mobilização da sociedade pelo consumo consciente. Uma publicação de julho deste ano demonstra que práticas sustentáveis estão sendo incorporadas por mais pessoas: em 2012, 32% buscavam um padrão de compra mais consciente. Agora, são 38%.

Entre as questões avaliadas pela pesquisa, aparecem, por exemplo, a busca de informações sobre a origem e o processo produtivo (importante para 23% dos entrevistados) e se a marca cuida do meio ambiente (algo valorizado por 20%). E tanto o crescimento da demanda quanto a aferição destes critérios são confirmados na prática pela empreendedora Janaina Ianomani, 37. À frente da Doce Banho, ela tem uma dessas "histórias inspiradoras" que a Patrícia valoriza. "Tudo começou em 2001, quando eu visitei uma amiga da minha mãe que fazia sabonetes. Ela me ensinou e eu peguei gosto, comecei a fazer. Cursava psicologia e, na faculdade, vendia os sabonetes que eu mesma produzia".

Aos poucos, a ficha de Janaina foi caindo: ela poderia ter um negócio próprio, mas será que teria clientela? Foi quando começou a participar de feiras. A primeira delas, ainda muito incipiente, foi em 2012. "Então, começaram a aparecer mais, com propostas ricas, de diversos perfis e fui indo, de feira em feira", recorda. Ali, descobriu que havia uma demanda de pessoas interessadas em adquirir algo que tivesse traço mais pessoal. "Não é comprar por comprar! É gente que quer saber da nossa história, dos nossos sonhos... Quando conto que saí de uma grande empresa, isso estimula que outros acreditem mais em si", diz. Atenta ao que preza seu público, Janaina busca trabalhar com produtos que causem menos danos à natureza - por isso, fez, em 2016, um curso de saboaria e cosmética natural, em Lisboa.

Junta-se ao time a psicóloga Isabella Christo, 39, e o publicitário Ivan Curi, 44. Eles também abandonaram suas carreiras tradicionais para se dedicar a um empreendimento que possibilitasse um contato maior com a natureza. Foi assim que surgiu a Jardinarium, que é dedicada ao paisagismo. "Investimos em um criatório de plantas e criamos peças de cerâmica e madeira", lembra Isabella. Desde o início, eles participam de feiras por ser um espaço "de estímulo". "Ali, todos estão sintonizados, em um processo desacelerado, atento ao sustentável e mais justo", completa.

Engajamento

À preocupação em consumir produtos que estejam em uma cadeia produtiva sustentável, soma-se a valorização de marcas engajadas em questões sociais. Pesquisa da consultoria Edelman Earned Brand, de novembro do ano passado, demonstra que este é um crivo para 56% dos brasileiros - algo que Cintia Caroline, 32, atesta na prática.

Fundadora da Costuras do Imaginário, ela trabalha com peças acessíveis a deficientes visuais, incluindo estampas em alto relevo, escritas em Braille e tamanhos sinalizados também em Braille, do PP ao GG. Agora, ela estreia uma parceria com o Lar das Cegas. Visando empregar e gerar renda para mulheres com deficiência visual, ela utiliza em seus produtos botões em cerâmica, que são produzidas por essas profissionais.

Cintia menciona que, no início, tinha dúvidas sobre qual seria seu público. Hoje, orgulha-se de a marca ser "abraçada por todos". E o melhor: a empreendedora nota que, ao levantar a bandeira da inclusão e acessibilidade, outras pessoas passam a refletir e praticar ações nesse sentido. "Me emocionam estes depoimentos! Sempre que acontece, o sentimento é de missão cumprida".

Um outro Natal possível

Não faltam testemunhas: a Black Friday é, sem dúvida, pautada na pressa, com promoções relâmpagos e produtos que se esgotam rapidamente. Passada a data, vem a calhar uma semana inteira dedicada a quebrar tal ritmo - e mesmo se preparar para um outro Natal possível, menos consumista e mais consciente. É esta, pois, a aposta da Semana Verde (encerrada neste sábado, 1º), realizada pela Casa Juta - um espaço aberto há dois meses, em BH, que se dedica a uma lógica comercial sustentável.

Se propondo a ser um contraponto ao consumo desenfreado, a idealizadora e gestora do lugar, Luísa Junqueira, se esforça em criar um ambiente convidativo ao despertar de uma consciência sobre as implicações do ato de "comprar por comprar". Assim, além de shows e rodas de conversa, a Casa Juta, que abriga uma loja colaborativa com 17 produtores locais e um café que trabalha com insumos vindos de redes de agricultura familiar, também tem promoções - diga-se, um tanto quanto "diferentonas".

Buscando uma forma de trabalhar com o uso mais do que com a posse, o espaço conta com um "armário compartilhado". "É uma forma de dar destinação para peças que estão guardadas, sem uso, mas que os donos não querem vender. Então, eles colocam os itens para alugar e toda parte de lavagem e manutenção é nossa, sendo que a cada locação, a dona recebe por isso", expõe Luísa. E durante a Semana Verde, todo vestuário tem iniciais 5% de desconto. Mas o valor é ampliado se, ao alugar, a pessoa desapegar de uma peça sua e deixar no armário coletivo.

Com a iniciativa, Luísa espera atrair mais pessoas para essa "perspectiva mais consciente e holística". Para ela, esta é também uma oportunidade para repensar o Natal. "Claro que tem o amigo oculto da família, em que queremos presentear... Mas e as relações? Onde ficam nessa história? Independente da crença, acredito que este é um dia de celebração que vem se esvaziando. Precisamos reativar os afetos, muito mais que o consumo em si", defende.

Consumo sustentável

A Mooca é outro exemplo de espaço que é vitrine para a produção local em BH. Fabiana Soares e Marina Montenegro, sócias e cofundadoras do lugar, lembram que, em 2015, notaram o surgimento de um movimento criativo, capitaneado principalmente por feirinhas. "Logo, começamos a nos questionar sobre consumo: como as coisas que eu adquiro foram feitas? Quem fez?", explica Fabiana. À medida que foram se integrando a esse mercado, veio a ideia de abrir a Mooca. Inicialmente, o projeto era que fosse uma loja aberta sazonalmente, apenas na época do Natal. Mas o sucesso foi tamanho que, já em maio de 2016 elas voltavam a abrir as portas - agora de forma permanente.

Fabiana explica que a loja se correlaciona aos objetivos de desenvolvimento social propostos pela ONU, mirando produção e consumo sustentável em uma cadeia produtiva transparente. Os expositores que se apresentam na Mooca, portanto, precisam cumprir estes pré-requisitos. Aliás, o espaço também investe em profissionalização. Por lá, mais de 450 produtores locais já passaram por um programa de aceleração.

E o que mobiliza essa demanda contingenciada? "As pessoas gostam de conversar com os artesãos, conhecer suas trajetórias, saber como fazem seu trabalho... Quando se compra um artesanato, vem junto um pedaço da história do artesão", afirma Tânia Machado, uma das organizadoras da Feira Nacional de Artesanatos, que acontece há 30 anos na capital mineira. Segundo ela, esse é um dos grandes atrativos para se comprar dos produtores em pequena escala. Reunindo não só produtores locais, como também artistas de todo país, neste ano o evento presta homenagem aos mestres da arte e do artesanato e congrega 5.000 artesãos, em 1.100 stands.

E além de projetos portentosos como este, BH é povoada de feiras menores, que acontecem durante todo o ano e que continuam sendo referência para a indústria criativa da cidade.

Fundada por mais de 40 iniciativas, a Nossa Grama Verde busca "dar impacto para quem está criando em BH - e vai além de produtos, incluindo também movimentos e coletivos que dão vida à cidade", explica Bruna Pardini, uma das idealizadoras. Para ela, o simples fato destes projetos acontecerem incute reflexões. Algo que a Mariza Matos, uma das organizadoras da feira Mercado.ria, faz questão de ratificar: "O ambiente em si é diferente e nestes lugares, que em geral são abertos, têm ar, têm natureza, você se conecta com outras pessoas que também acreditam em uma lógica de consumo mais humana e sustentável".

Onde comprar

FEIRAS

29ª Feira Nacional de Artesanato Expominas (Av. Amazonas, 6030, Gameleira). Considerado maior evento do gênero na América Latina, reúne 5.000 artesãos em 1.100 stands. Nesta edição, homenageia mestres da arte e do artesanato. Dos dias 4 (terça) ao 9/12. R$15 (inclui cupom de compras de R$5). Na internet: www.feiranacionaldeartesana-to.com.br

Nossa Grama Verde A Central (Praça Rui Barbosa, 104, Centro). Dos dias 18 (terça) a 21/12. Com 15 expositores de moda, arte, decoração, design, alimentos e bebidas, de terça a sexta, das 11h às 15h, e 40 expositores no sábado, das 11h às 19h. Gratuito. Na internet: facebook.com/nossagramaverde

9ª Mercado.ria Casa Bernardi (r. Conde de Linhares, 308, Cidade Jardim). Dia 16 (domingo), das 11h às 19h. Reúne cerca de 80 expositores de arte, moda, decoração, acessórios, cosméticos naturais, papelaria, plantas, brinquedos e gastronomia. Gratuito. Na internet: instagram.com/feiramercadoria

Feira Chica Fósforo (av. Belém, 220, Pompeia). Dia 15 (sábado), das 11h às 18h. Com foco em mulheres empreendedoras que se engajem na produção local. Gratuito. Na internet: facebook.com/feirachica

FESTIVAL

2º Festival Estadual de Arte e Cultura da Reforma Agrária Parque Municipal Américo Renné Giannetti (av. Afonso Pena, 1377, Centro). Dia 14 (sexta) a 16/12, das 8h às 22h. Além de pratos do Comida da Terra e de alimentos orgânicos, o Festival tem tenda de saúde, apresentações musicais e poéticas. Gratuito. Na internet: facebook.com/movimentosemterra

BAZARES

Junta Bazar Galpão Paraíso (r. Cachoeira Dourada, 44, Santa Efigênia). Dias 6 até 9 e 13 até 16/12, das 10h às 20h. Reúne 28 artistas visuais de destaque da cena independente de Belo Horizonte. São desenhos, pinturas, gravuras, esculturas, trabalhos de linguagens e técnicas híbridas. Gratuito. Na internet: facebook.com/juntabazar

Bazar de Natal Alphaville Estacionamento do Center III do Alphaville Centro Comercial (av. Picadilly, 155 - 203, Nova Lima). Reúne 50 microempreendedores, grande parte moradores da região. São artesãos que vão expor um mix diversificado de produtos como roupas, acessórios, artigos para casa e decoração, artesanato, alimentos e quitutes. Dia 7 (sexta), das 12h às 22h, até 9/12, das 10h às 19h. Gratuito. (31) 3547-3100. Na internet: www. alphavillemg.com.br

LOJAS

Mooca Primeiro marketplace com programa de aceleração para produtores locais do Brasil (r. Antônio de Albuquerque, 458, Savassi). Segunda, das 12h às 20h, terça a sexta, das 11h às 20h, sábado, das 10h às 15h. (31) 3566-2067. Na internet: www.mooca.co

Casa Juta Moda sustentável, alimentos da agricultura familiar, terapias corporais, arte e produtos conscientes (r. Almandina, 56, Santa Tereza). Ter. a sex., das 10h às 20h, sáb., das 9h às 14h, e dom., das 10h às 16h. (31) 3646-7716. Na internet: instagram.com/casajuta

Sair do Casulo Produtos desenvolvidos a partir de materiais ambientalmente corretos por mulheres em vulnerabilidade social (r. Mármore, 259, Santa Tereza). Segunda a sexta, das 10h às 18h, e sábado, das 10h às 14h. (31) 3646-0864. Na internet: www.sairdocasulo.com.br/loja

Casa Atmo Estabelecimento tem programação especial no período natalino, o "Instantes de Natal", entre 1º (sábado) e 23/12, em que apresenta marcas, produtos e criações de moda, decoração, lifestyle, gastronomia e artes (av. Bandeirantes, 1436, Mangabeiras). Na internet: www.atmobh.com.br


Palavras Chave Encontradas: Câmara dos Dirigentes Lojistas, CDL
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