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Estado de Minas Online ( Especial ) - MG - Brasil - 13-07-2018 - 04:00 -   Notícia original Link para notícia
Eles venceram

diante da série de crises e sucessivos planos econômicos nas últimas nove décadas, empresas tradicionais dão lições de sobrevivência
A crise persistente do consumo no Brasil, depois de dois anos de encolhimento da economia, não surpreende e muito menos amedronta uma guerreira dos balcões do comércio de Belo Horizonte, Lélia Gonçalves Bedran, de 89 anos, dos quais 68 à frente da Casa Pérola. A empresa nasceu no Bairro Floresta, adquiriu logo o formato das lojas de departamentos, tendo, nos anos 90, se firmando no comércio de itens de cama, mesa, banho, enxovais, presentes e roupas. Lélia divide o comando do negócio com o filho Zander.

"Passei por todos os planos econômicos e não tive medo de nenhum deles. Quando o negócio está em crise, você se levanta, não vacila e trabalha mais ainda", conta a comerciante, demonstrando vitalidade suficiente para assumir as compras do setor de vestuário e participar quase que diariamente da administração do negócio. Lélia é personagem do setor digna de contar os altos e baixos da economia nesta edição comemorativa dos 90 anos do Estado de Minas.

Ela encontrou o difícil caminho para manter as portas abertas num país que viveu do improviso no combate a várias crises a sucessos, sim, mas muitos deles momentâneos. Parte dessa trajetória foi também vivida por , de 62, dono de outra antiga empresa do varejo de BH, a Casa Falci, que ele assumiu no início dos anos 1980, a chamada década perdida da economia brasileira.

"A arte do empreendedor é saber navegar entre os bons e maus períodos da melhor forma possível. A maioria dos nossos erros é cometida por arrogância e prepotência", diz , que é também presidente da de Belo Horizonte (-BH). A carteira de trabalho dele foi assinada na Casa Falci ao completar 16 anos, para mais tarde atuar em várias áreas da administração. A loja especializada no comércio de material de construção foi aberta em 1908 pelo imigrante italiano Aleixo Falci.

Na extensa lista de fatos relevantes na história da loja centenária e da sua própria atuação, destaca o impacto no negócio de duas grandes guerras mundiais que afetaram a economia brasileira, e os planos de estabilização no Brasil durante os governos Sarney, Collor e FHC. Como não se lembrar, ainda, do corte de três zeros de sete moedas sucessivas, criadas no país desde 1942?

"Na época da Segunda Guerra, importávamos muito e houve desabastecimento. Quem tinha estoque tirou proveito da situação. Estávamos superestocados num momento em que ninguém tinha produto para vender", diz o sócio-proprietário da Casa Falci. Momentos de tensão não foram raros naquele tempo.

Ficou guardado na memória de um episódio marcante enfrentado pelos familiares que administravam a loja no fim da Segunda Guerra, quando brasileiros depredaram empreendimentos, no calor das posições conflitantes do Brasil e da Itália durante o armistício. "Um grupo ameaçava pôr fogo na Casa Falci. Alguns amigos e funcionários se postaram em frente aos manifestantes e sustentaram que aquela era uma casa brasileira", afirma.

Os desafios dentro de casa, na administração do negócio, da mesma forma, surgiram ainda no começo da década de 80. Era um tempo de inflação alta, que alcançou 242,23% em 1985, véspera da adoção do Plano Cruzado, no governo de José Sarney. A experiência seria traumática, como sucessão de um período de euforia na economia do Brasil conhecido como o milagre econômico, depois do golpe militar de 1964.

Sob os efeitos trágicos da repressão iniciada no governo Costa e Silva, de 1967 a 69, o Brasil cresceu a taxas inacreditáveis para os tempos de hoje, de 11,3% em 1970; 11,9% em 1972; e 14% em 1973. Foram anos de sucesso na economia e desespero com a repressão social e política sob os governos militares, até que o general Ernesto Geisel (1974-1979) iniciou a abertura política.

turma difícil

de receber

Sem vacilar, Lélia Bedran, fundadora e sócia da Casa Pérola, elege o período de atuação dos "fiscais do Sarney" como o mais difícil entre as tentativas de estabilização da economia. Lançado em 28 de fevereiro de 1986, o Plano Cruzado buscava controlar e reduzir a inflação usando instrumentos como o congelamento dos preços de produtos e dos salários, e uma nova moeda, o cruzado (Cz$), em substituição ao cruzeiro. Como não podiam reajustar seus preços, produtores e comerciantes deixaram de entregar produtos, o que levou ao desabastecimento no país.

Dedicação e amor ao trabalho, além do bom relacionamento com clientes e empregados, são regras universais para salvar o negócio, tanto para a dona da Casa Pérola quanto para .

A longevidade, na avaliação do presidente da -BH, tem uma característica dentro das empresas familiares, por estar associada ao espírito de união, se de fato existir, entre os parentes. O nó da questão, em boa parte dos casos, surge no processo sucessório da gestão. "Talvez seja um dos processos mais dolorosos na empresa familiar", afirma.

O economista Paulo Vieira, professor da Faculdade Novos Horizontes, costuma brincar com os movimentos bruscos de sucesso e inssucesso na economia brasileira, ao recordar que durante o longo tempo de sua atuação no mercado financeiro os cumpridos números da inflação da década de 80 não cabiam na antiga calculadora HP. "Quem mora no Brasil e prestou atenção ao que ocorreu desde 1980 fez um curso completo de economia, com os mais diversos índices de inflação, crise, retração e recessão", diz. Os brasileiros enfrentaram seis planos de controle da inflação até o bem-sucedido Plano Real. Desde a redemocratização do país no fim dos anos 80, houve os planos Cruzado, Cruzado 2, Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2.

2.477,15%

Inflação estratosférica no Brasil em 1993 ocorreu em período de transição na Presidência da República. Ano marcou a criação das bases para a implementação do Plano Real

1984

O regime militar brasileiro fechava seu ciclo com uma desvalorização da moeda de 223,9%. Entre os legados deixados para a economia estavam elevadas dívidas interna e externa

1990

Aprovação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078, o que permitiu às famílias ter uma efetiva e oficial ferramenta de cobrança por serviços melhores e preços mais baixos

Beabá diário

"É marcante para mim a cobertura dos planos econômicos editados entre os Governos Sarney e Itamar Franco e seus reflexos sobre a vida da população. Como repórter de Economia do EM tinha que levar aos leitores, numa linguagem acessível, o significado de cada plano e suas implicações no dia a dia das pessoas. Foi desafiador explicar o corte de 'três zeros' na moeda, o controle de preços, o confisco da poupança e a conversão da URV em Real. Em julho de 1994, com a implantação do Plano Real, presenciei numa feira uma cena entre uma vendedora e um cliente. Não se entendiam. A desconfiança era mútua. No final, a operação foi efetivada e me rendeu mais uma interessante matéria."

Álvaro César Cunha é jornalista e trabalhou como repórter de economia do Estado de Minas por 12 anos, de 1985 a 1997

perto das mudanças

"como repórter e editora, acompanhei as mudanças na economia brasileira e mundial dos últimos 30 anos. No Brasil, desde o Plano Cruzado, em 1986, até o Plano Real, em 1994, e a criação de cinco moedas na tentativa de estancar a escalada da inflação no país e promover a estabilidade fiscal e econômica, tivemos que traduzir o difícil 'economês' para uma linguagem clara, de forma que o leitor pudesse entender o que estava ocorrendo. Esse era nosso desafio diário, num período de turbulências, trocas de moedas, queda de ministros, ânsia de remarcação de preços nos supermercados, e também uma estabilidade monetária posterior, mas ainda frágil para conseguir colocar o país de volta aos trilhos. Problemas dos quais, infelizmente, o Brasil ainda não se livrou."

teresa caram,editora de suplementos, trabalha no EM há 28 anos, 12 deles na editoria de economia, tendo exercido também a função de repórter


Palavras Chave Encontradas: Bruno Falci, Câmara de Dirigentes Lojistas, CDL
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