Leitura de notícia
Isto é Dinheiro online ( Economia ) - SP - Brasil - 30-06-2018 - 10:14 -   Notícia original Link para notícia
O mercado só voltará a crescer quando passar a ressaca da greve

 



Desde fevereiro, a executiva Ana Theresa Borsari, até então presidente da Peugeot no Brasil, assumiu também o comando das marcas Citroën e DS, as principais do grupo PSA na América Latina. Com a bagagem de quem dirigiu a companhia na Eslovênia e exerceu cargos de liderança na França, durante oito anos, Borsari recebeu a tarefa do chefão mundial, o português Carlos Tavares, de integrar a gestão das três marcas da companhia e tirar o grupo da tímida participação de 2% no mercado brasileiro. O início de sua nova empreitada ia bem até que, no final de maio, a greve nacional dos caminhoneiros atingiu em cheio suas vendas - que não reagiram desde então. "A greve passou, mas o cliente não voltou", afirma. "Como o brasileiro não está acostumado a greves, a paralisação mexeu com o psicológico das pessoas." Acompanhe, a seguir, sua entrevista:



DINHEIRO - A greve, que já terminou há muitas semanas, pode ser culpada pelo fraco desempenho do setor automotivo?



ANA THERESA BORSARI - A greve deixou todo mundo com medo. A paralisação expôs a fragilidade da infraestrutura do País. Isso acabou afetando o psicológico dos brasileiros, prejudicando principalmente a decisão de efetivar grandes investimentos, como a compra de um automóvel novo. Essa é uma decisão que requer um nível alto de segurança psicológica. Ninguém previu essa ressaca da greve. Ninguém imaginava esse nível de impacto. Por isso, é muito difícil qualquer executivo do setor se posicionar de maneira objetiva e saber o que realmente está acontecendo.



DINHEIRO - A sra. já tinha vivenciado algo assim na Europa, onde as greves são recorrentes?



BORSARI - Na Europa, greve faz parte do dia a dia. Na França, há greve toda semana. Mas, justamente porque acontece toda semana, as pessoas não dão tanto valor. É normal. Agora, uma greve nas dimensões da que aconteceu no Brasil, nossa geração não tinha vivido. Não tínhamos vivenciado momentos de penúria básica, de ir ao supermercado e não ter o que comprar. Então, como o brasileiro não está acostumado a greves, a paralisação mexeu com o psicológico das pessoas. As greves que acontecem na Europa têm hora para começar e hora para terminar, tem algum impacto pontual, mas não colocam a sociedade em situação de fragilidade. Se não tem voo, tem trem. Se não tem trem, tem carro. Se não tem carro, sempre existem alternativas, outras vias de escape. Todos sabiam que o Brasil era dependente do transporte rodoviário. O que não se sabia é que os caminhoneiros seriam capazes de se articular, a ponto de paralisar uma nação.



DINHEIRO - Os brasileiros estão aprendendo a se manifestar?BORSARI - Talvez. Até na Argentina se faz muito mais greve do que a gente. Eles têm essa cultura de paralisação, de mobilização. Aqui no Brasil, uma vez na vida, outra na morte, junta-se um milhão de pessoas em uma passeata na Avenida Paulista. Achamos isso o máximo e pensamos que já fizemos tudo o que tínhamos de fazer.



DINHEIRO - Até quando o setor vai sentir os efeitos da greve?



BORSARI - Estamos passando por uma síndrome, por uma ressaca. O início do ano foi surpreendente. O varejo puxou bastante, em função de uma maior liberação de crédito, de uma taxa de juros em queda e de uma inflação controlada. Todas as previsões indicavam uma retomada de mercado, com crescimento acima de dois dígitos. Tudo ia bem até a greve dos caminhoneiros. Agora, parou de crescer.



DINHEIRO - Parou de crescer ou caiu?



BORSARI - Não estamos caindo. A paralisação deu uma chacoalhada geral na economia. Os bancos começaram a incrementar seus juros futuros. Então, como em um acidente de avião, houve a conjunção de uma série de fatores que fizeram a economia estagnar. E acho que o mercado só voltará a crescer quando passar a ressaca da greve. Nós já revimos para baixo as projeções de junho duas vezes nesse mês. O período de janeiro a meados de maio estava muito bem. A greve passou, mas o cliente não voltou.



DINHEIRO - Isso não tem relação com a Copa do Mundo e as eleições?



BORSARI - Tem um pouco, mas isso já estava dentro do previsto. Existe uma tendência natural de o consumidor voltar os olhos para outras coisas, mas não acredito que não deixariam de fazer a aquisição de um bem de alto valor só porque é Copa do Mundo. O fato é que a greve dos caminhoneiros foi uma grande ducha gelada para toda a cadeia automotiva, para toda a economia. Agora, está todo mundo imaginando como voltar a uma situação de normalidade.



DINHEIRO - Mas o que explica o fraco desempenho da Peugeot, que cresceu apenas 0,8% deå janeiro e maio, e da Citroën, que caiu 13,9%, enquanto o mercado que cresceu 16,2%?



BORSARI - É uma questão de ciclo de produto. No caso da Citroën, estamos à véspera de um lançamento e isso faz com que os consumidores aguardem pela chegada da novidade. No final de agosto, vamos lançar o C4 Cactus, que será um divisor de águas para a marca. Será um carro incrível. Não quero forçar vendas para fazer números. Quero me adequar ao que o mercado puder absorver.



DINHEIRO - E a Peugeot?



BORSARI - A Peugeot passou por um grande realinhamento internacional de posicionamento. Hoje a marca se posiciona como 'premium' entre as marcas generalistas. Ela optou por ocupar a versão mais alta de cada um dos segmentos nos quais atua. Tanto é que tivemos dois grandes lançamentos, recentemente, o 3008 e o 5008, que são SUVs icônicos e sucessos mundiais, que consolidam esse novo posicionamento da marca. Então, como disse, muito mais importante do que o aumento do 'market share' era a consolidação desses novos lançamentos, como parte do DNA dessa nova Peugeot.



"Faz 25 anos que estou nesse setor. Nunca sofri nenhum tipo de barreira por ser mulher. A credibilidade na gestão vem mais da compreensão do negócio do que do gênero" - Trabalhadora da linha de montagem de tratores da Valtra, em São Paulo (Crédito:Hélvio Romero/Estadão)



DINHEIRO - O que há de 'premium' em um Peugeot?



BORSARI- Uma marca que quer ser 'premium' entre as marcas generalistas precisa entregar uma superação de expectativas para o cliente. Nosso setor evoluiu muito pouco nos últimos 20 anos nesse sentido. Os padrões são tradicionais, que foram implantados há 20 ou 25 anos atrás, tanto em qualidade de serviço quanto do veículo. Mas acho que o pior foi o serviço prestado pelos distribuidores. Nosso foco na Peugeot foi mudar isso. Trocamos 60% dos grupos de concessionários. Foram mais de 80 concessionários substituídos, por conta de uma diferença de mentalidade. Os novos investidores tinham de ter o mesmo objetivo da excelência, de construir a fidelização. Esse vai ser o grande diferencial, a grande commodity da venda de automóveis no futuro.




Nenhuma palavra chave encontrada.
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.