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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 06-06-2018 - 08:50 -   Notícia original Link para notícia
Consulta pública para gasolina


ANP decidirá política de preços e poderá regular até distribuição. Governo quis afastar tema do Planalto


Após a greve dos caminhoneiros elevar a pressão por uma nova política de preços da gasolina, o governo deixou para a Agência Nacional do Petróleo decidir sobre o tema. A agência abrirá consulta pública sobre a periodicidade dos reajustes e poderá regular até o mercado de distribuição. Nos últimos dias, o governo chegou a discutir mudanças na tributação e o uso do pré-sal para reduzir os reajustes. Agora, decidiu afastar a discussão do Planalto. -BRASÍLIA E RIO- Num esforço para acalmar o mercado e tirar da esfera política as discussões sobre o reajuste nos preços dos combustíveis no país, o governo transferiu o assunto para a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O órgão regulador anunciou ontem a abertura de uma consulta pública (de 11 de junho a 2 de julho) para receber sugestões da sociedade sobre a periodicidade mínima para o repasse de variações de cotação do petróleo e do dólar para os preços dos combustíveis.


PAULO NICOLELLAMenos reajustes. Posto de combustíveis no Rio: para ANP, medida pode melhorar ambiente de negócios no setor de petróleo e ajudar a atrair investimentos


Segundo interlocutores da área econômica, o Palácio do Planalto avaliou que não tinha condições de continuar conduzindo o assunto, que caiu no colo do presidente Michel Temer por causa da greve dos caminhoneiros, que provocou uma grave crise de desabastecimento em maio. O grupo protestava, entre outras razões, pela falta de previsibilidade nos preços do diesel, que estava sendo reajustado diariamente. A paralisação obrigou o governo a subsidiar os preços do combustível até o fim do ano (gerando uma conta de R$ 13,5 bilhões para a União), a mudar a periodicidade dos ajustes no diesel para mensal e ainda levou à demissão do presidente da Petrobras Pedro Parente.


- Ficou claro que o governo não tem força para continuar conduzindo esse processo. Assim, a melhor forma é transferir a condução de todo o processo para a ANP, que é quem regula esse setor. O mercado não vai aceitar que o Planalto conduza isso - disse um integrante da área econômica.


O governo entende ainda que é preciso dar um tempo para que o novo presidente da Petrobras, Ivan Monteiro, assuma o comando da companhia e se prepare para fazer os ajustes necessários. Além disso, integrantes do gabinete de crise criado por causa da paralisação dos caminhoneiros alegam que é preciso pôr em prática todas as medidas do acordo com a categoria para acabar com a greve, como o desconto de R$ 0,46 no preço do diesel nas bombas.


- São muitas ideias, muita gente falando ao mesmo tempo. É hora de pôr a bola no chão e pensar nas jogadas para buscar uma solução razoável. Na consulta pública, todos poderão opinar, inclusive a Petrobras - disse uma fonte a par das discussões.


Com base na consulta pública, a ANP editará uma resolução. O documento deve ser publicado entre 40 e 60 dias depois do fim do prazo para envio de sugestões, ou seja, em meados de agosto. A primeira reunião entre a ANP e representantes do setor para tratar do assunto está prevista para hoje. REGULAÇÃO INCLUI DISTRIBUIDORAS, MAS NÃO POSTOS O diretor-geral da ANP, Décio Oddone, garantiu que não se trata de controle de preços dos combustíveis. Mas deixou claro que a periodicidade que for fixada pela resolução da ANP, após a discussão na consulta pública, vai atingir todos os elos da cadeia, não só a Petrobras, mas também importadores e distribuidoras. Nos postos, no entanto, os preços continuarão livres. A medida se baseia na lei 9.478 (Lei do Petróleo), que prevê regulação do mercado e proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço e oferta dos produtos.


- Podemos, por exemplo, estabelecer um prazo mínimo para que as refinarias e importadores repassem os preços para as distribuidoras e um prazo mínimo para que o distribuidor repasse o preço para os postos, com estes (os postos) competindo livremente. Vamos buscar o modelo que permita a maior competitividade possível - destacou Oddone. - Não é uma intervenção em nenhuma empresa. A agência regula o mercado, todos os agentes.


Oddone destacou ainda que a fixação de um prazo mínimo para os reajustes é considerada fundamental para atrair investimentos para o setor de petróleo e gás. Segundo ele, o país precisa de R$ 2,5 trilhões nos próximos dez anos para desenvolver o potencial que tem no setor.


- Para que esses investimentos aconteçam, o país precisa ser democrático, aberto, competitivo, respeitar as regras do jogo e dos contratos, mas também ter estabilidade. O que estamos vendo hoje é que a questão do repasse dos reajustes dos combustíveis está sendo questionada pela sociedades e isso gera um grau de instabilidade que não ajuda no processo de atração de investimentos - afirmou. - Tendo em vista que estamos em um mercado imperfeito, no qual o setor de refino e abastecimento tem uma presença monopólica da Petrobras, e tendo em vista que o sistema tributário brasileiro não atua para amortecer as variações de preços dos combustíveis, existe espaço para que medidas regulatórias atuem nessa direção.


Na última sexta-feira, mesmo dia da demissão de Pedro Parente da presidência da Petrobras, o Ministério de Minas e Energia divulgou uma nota informando a criação de um grupo de trabalho para discutir o problema do aumento dos combustíveis. Os trabalhos seriam coordenados pela pasta, com representantes da Fazenda e da ANP, além de especialistas do setor do petróleo. Mas o grupo não chegou a se reunir.


Após o anúncio da ANP ontem, o Ministério de Minas e Energia informou em nota que a consulta pública respeita a função do órgão de agente regulador do setor, "observando critérios de governança e transparência". A solução que será apresentada pela agência atenderá à "possibilidade de reajustes e ao conforto de preços justos", diz nota da pasta.


Segundo integrantes do governo, a decisão da ANP sinaliza que não haverá "soluções mágicas", que o foco será na periodicidade do repasse dos reajustes e que a Petrobras não sairá prejudicada. Nos últimos dias, várias soluções foram cogitadas dentro do governo. Entre elas estavam a criação de tributos flexíveis e até mesmo a instituição de um fundo com parte dos recursos arrecadados com o leilão do petróleo do pré-sal. Para isso, é preciso acelerar a revisão da cessão onerosa (acordo pelo qual a União cedeu à Petrobras o direito de explorar cinco bilhões de barris da camada pré-sal). No entanto, todas essas alternativas esbarram em algum tipo de problema, como falta de margem no Orçamento da União e risco de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).


- Isso tem que ser discutido à luz da LRF, porque exige um imposto regulatório que hoje nós não temos para aplicação nos combustíveis. A Cide não está excepcionalizada entre os impostos regulatórios. Temos um problema formal com a LRF que precisa ser colocado - disse o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia. - O recurso da cessão onerosa não elimina a restrição orçamentária dada pelo teto de gastos. Então, nós não podemos fazer nada com esse recurso que vá além do que já está definido hoje dentro do teto de despesas. Não é um recurso que permite criar coisas novas, expandir programas, porque temos que respeitar a restrição fiscal e o teto de gastos.


Segundo técnicos da área econômica, o discurso feito pelo presidente da ANP foi importante para mostrar não apenas quem tem autoridade para tratar do assunto, mas que a agência reguladora vai avançar sobre a questão dos preços da Petrobras e também das distribuidoras.


- Isso é uma novidade. A ANP está, pela primeira vez, entrando nas distribuidoras. Quer botar uma periodicidade não apenas nos produtores, mas nos distribuidores - disse um interlocutor.


Analistas do setor receberam a notícia com otimismo e cautela. Helder Queiroz, economista do Grupo de Economia da Energia da UFRJ e ex-diretor da ANP, afirma que a regulação faz sentido, principalmente por causa do monopólio no refino exercido pela Petrobras.


- A ANP não vai fazer com que tenha uma regra de preço lá na ponta (para o consumidor). Mas disciplinará um monopólio estatal. Em tese, a liberalização do mercado visava a ter preços livres ao longo de toda a cadeia. O problema é que essa liberalização foi incompleta, porque a estrutura de refino se manteve monopolista. No upstream (exploração e produção), temos várias empresas, assim como na distribuição. Mas no refino só tem uma, que é a Petrobras - afirmou Queiroz. AÇÃO FOGE DO ESCOPO DA AGÊNCIA, DIZ GEÓLOGO Para o especialista David Zylberstajn, ex-diretor-geral da ANP, a expectativa é que o resultado da consulta pública funcione como uma espécie de mediação. Isso porque não está claro como será a operacionalização de uma resolução elaborada a partir da consulta e se a ANP determinará quando os reajustes devem ser feitos.


- Acho que isso é bom para todo mundo. É como se fosse uma mediação da ANP. Não é efetivamente o papel da ANP, mas ela também não precisa ficar omissa - destacou Zylberstajn.


Na visão do geólogo John Forman, também exdiretor da ANP, a ação foge do escopo da agência:


- (A decisão sobre periodicidade dos reajustes) deveria ser feita pela Petrobras. Se a empresa tiver feito algo de errado, o Cade que se manifeste. Acho que a gente tem que deixar de lado essa história de querer controlar preço.


Em nota, a Petrobras afirmou que "vai colaborar com as discussões lideradas pela ANP". "Um diálogo que permita a formação de preços alinhada às condições de mercado e maior previsibilidade, como proposto pela ANP, pode resultar em maior competição ao mesmo tempo em que mantém a liberdade para formação de preços da Petrobras e demais atores do setor de óleo e gás", disse a estatal. Distribuidoras criticam controle do diesel: 'Venezuela começou assim,' na página 20


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