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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 30-05-2018 - 09:48 -   Notícia original Link para notícia
A conta bilionária da crise

Setores acumulam perdas com greve. Infiltrados impedem volta ao trabalho de caminhoneiros



No nono dia de paralisação dos caminhoneiros, indústria, comércio e serviços já contabilizam perdas bilionárias. Algumas cidades começaram a receber mais combustível e alimentos, mas a situação ainda está longe da normalização. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, os pontos de concentração de motoristas de caminhão aumentaram de 594 na segunda-feira para 616 na noite de ontem. O governo chegou a informar que não havia mais bloqueios, mas nas o cenário é muito diferente. Lideranças sindicais denunciaram que caminhoneiros que pretendem retornar ao trabalho estão sofrendo ameaças, agressões e temem mais retaliação. Desde o começo da semana, o governo tem afirmado que o movimento foi afetado por infiltrados com motivações políticas.



O presidente Michel Temer afirmou ontem que o governo já "espremeu" todos os recursos para atender às demandas dos caminhoneiros e que não há mais margem para negociação com a categoria.



Apesar dos esforços do setor produtivo, a economia vai demorar a voltar à normalidade, o que terá impacto negativo sobre o PIB do segundo trimestre. O abastecimento de combustíveis levaria até uma semana para voltar ao ritmo habitual. Já a produção de frangos levaria dois meses, e a de suínos, até seis meses.



No Rio, 15% dos postos tinham recebido garodovias solina ontem. Em São Paulo, o quadro era de maior dificuldade. Até a tarde de ontem, apenas 36 postos tinham combustível. As principais distribuidoras vão atuar em conjunto para agilizar o abastecimento. Nos supermercados, os alimentos começam a voltar às gôndolas, mas com preço muito acima do habitual. A Ceasa recebeu 178 caminhões, mas legumes e verduras ainda saíam pelo dobro ou até o triplo do preço.





Da agricultura à aviação, todos os segmentos contabilizam prejuízos





Normalização não será rápida. No caso da indústria de suínos, são 6 meses Descarte de produtos alimentícios e paralisação de fábricas terão impacto na economia



Produtores jogaram fora mais de 360 mil litros de leite



GABRIEL DE PAIVAVerdura. Na Ceasa, maior centro de abastecimento do Rio, entrega de produtos está sendo retomada: o comércio de hortifrutigranjeiros recuou R$ 1,73 bilhão em cinco estados e no Distrito Federal, segundo dados divulgados pela CNC



Indústria, comércio e serviços acumulam perdas bilionárias com os nove dias de paralisação dos caminhoneiros. Faltam estoques no varejo e matériaprima na indústria. O Porto de Santos, principal do país, opera com restrições. A Confederação Nacional da Agricultura calcula que o setor perdeu R$ 6,6 bilhões. Produtores jogaram fora mais de 360 mil litros de leite, prejuízo de R$ 1,2 bilhão. O abastecimento das cidades recomeçou ontem lentamente. No Rio, a Ceasa recebeu verduras, legumes e frutas que chegaram aos consumidores em quantidades limitadas e com preços elevados. Postos de gasolina continuavam com longas filas. O Senado aprovou o projeto que reonera a folha de pagamento de 28 setores e manteve o texto enviado pela Câmara, em que os deputados zeraram a alíquota de PIS/Cofins do diesel, o que provocaria renúncia fiscal de R$ 12 bilhões. O presidente Michel Temer anunciou que vai vetar esse item do projeto. -RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA- Desde o início da greve dos caminhoneiros, no último dia 21, o setor produtivo acumula prejuízos bilionários. Os bloqueios nas rodovias têm deixado o varejo sem estoque e as indústrias e o setor de serviços sem matéria-prima e empregados, paralisando a produção. As companhias aéreas amargam cancelamento de voos devido à falta de combustível, e o Porto de Santos, o maior terminal da América Latina, opera com sérias restrições. E a situação levará algum tempo para se normalizar, o que significa impacto na economia.



A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) estima as perdas em R$ 6,6 bilhões e alerta que haverá falta de alimentos e alta de preços nos supermercados. Segundo o superintendente técnico da CNA, Bruno Lucchi, esse prejuízo é apenas na produção primária e não considera o processamento e a indústria de insumos:



- Fora o que está por vir, porque a recuperação não é imediata.



Um dos setores mais afetados é o de frangos e suínos, que amarga um prejuízo de R$ 3 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABTA). Praticamente todas as unidades de produção e 235 mil trabalhadores estão parados, 70 milhões de frangos morreram, e 1 bilhão de aves e 20 milhões de suínos ainda correm risco de morrer. A recuperação vai demorar, porque são ciclos longos de produção: a cadeia do frango levaria dois meses, e a dos suínos, 180 dias.



A produção de soja tem deixado de escoar diariamente 400 mil toneladas do grão, e 360 mil litros de leite foram descartados, um prejuízo de R$ 1,2 bilhão.



No setor têxtil, o drama é parecido. De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel, as perdas já beiram R$ 1,9 bilhão, e 70% das empresas representadas pela entidade já pararam ou estão prestes a parar:



- Não há previsão de retomar a produção. Estamos sem liderança (política), e essa situação já transcende o bom senso.



O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, estima que 40% das atividades do setor tenham sido atingidas, comprometendo negócios de R$ 2,4 bilhões. E o Sindusfarma, que representa a indústria de medicamentos, estima perdas de R$ 1,6 bilhão, devido a interrupções na produção e problemas na entrega de medicamentos em farmácias e hospitais.



A produção automobilística está parada desde sexta-feira passada. A Federação da Indústrias do Estado do Rio (Firjan) calcula que isso causará uma perda de R$ 77 milhões no PIB da sua indústria de transformação.



De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), as perdas do setor devem bater R$ 3,1 bilhões, considerando cinco estados - Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Bahia - mais o Distrito Federal. Com isso, a CNC reduziu sua previsão para o crescimento do comércio este ano de 5,4% para 4,7%. O prejuízo se divide entre R$ 1,42 bilhão na venda de combustíveis e lubrificantes e de R$ 1,73 bilhão no comércio de hortifrutigranjeiros, até o dia 28. CADE APROVA COMPARTILHAMENTO Na cidade do Rio, o Clube de Diretores Lojistas (-Rio) estima queda de 80% no faturamento do comércio durante a greve. Já no segmento de bares e restaurantes, diz o SindRio, o prejuízo é de R$ 20 milhões, com recuo de 40% no movimento. No estado, a perda chega a R$ 34 milhões.



Mais de 270 voos foram cancelados até anteontem, um prejuízo superior a R$ 400 milhões, segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear).



No Porto de Santos, os embarques de contêineres para exportação estão praticamente paralisados, e a capacidade de armazenagem está perto do limite. Segundo o Sindicato das Agências de Navegação Marítima de São Paulo (Sindamar), cerca de 250 mil toneladas deixaram de embarcar até o dia 25, o equivalente a 17,86 mil contêineres, destinados principalmente a Europa, Estados Unidos e Ásia. Desde o início da greve, os prejuízos passam de US$ 100 milhões, estima o Sindamar.





A fim de normalizar o abastecimento de combustíveis, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou ontem que as distribuidoras compartilhem seus equipamentos logísticos. Pedida por Raízen Combustíveis, Petrobras Distribuidora e Ipiranga Produtos de Petróleo, a medida será estendida às demais empresas do setor que tiverem interesse em dividir suas bases de distribuição.





Senado aprova reoneração da folha de pagamento de 28 setores





Presidente já disse que vai vetar a renúncia fiscal de R$ 12 bilhões



Medida recebeu aval unânime após Temer prometer vetar trecho que zera PIS/Cofins sobre combustíveis -BRASÍLIA- Em sessão marcada por ataques pesados entre oposição e base governista, o Senado aprovou ontem, por unanimidade, o projeto que reonera a folha de pagamento de 28 setores da economia. O texto foi mantido como saiu da Câmara, onde os deputados zeraram a alíquota do PIS/Cofins sobre o diesel até dezembro. Essa desoneração resulta numa renúncia fiscal de R$ 12 bilhões. Por isso, o presidente Michel Temer já anunciou que vai vetar a emenda ao texto.



JORGE WILLIAMNegociações. O presidente do Senado, Eunício Oliveira, durante a votação de projeto de reoneração da folha



A desoneração da folha foi concedida para 56 setores. Desse total, 28 passarão a ser reonerados imediatamente. A partir de janeiro de 2021, no entanto, todos serão reonerados. Isso foi um pedido do governo para poder reequilibrar as finanças públicas.



Em entrevista, Temer afirmou ontem que, para atender a reivindicações dos caminhoneiros, o governo "espremeu" os recursos do caixa, sem afetar a Petrobras. E disse que não há mais qualquer margem de negociação com a categoria. O governo se comprometeu a fazer uma redução de R$ 0,46 por litro do diesel. Desse total, R$ 0,16 virão da redução de impostos (zerar a Cide e diminuir R$ 0,11 o PIS/Cofins). Outros R$ 0,30 serão subsidiados dentro do Orçamento. No entanto, para poder cobrir uma parte dessa conta, era preciso aprovar a reoneração.



- Nesse momento fizemos o que foi possível, esprememos todos os recursos governamentais para atender aos caminhoneiros em reivindicações legítimas e para não prejudicar a Petrobras - afirmou e Temer.



O líder do governo, Romero Jucá (MDB-RR), disse que a emenda aprovada na Câmara é inconstitucional porque não indicava as fontes de receita para cobrir a redução do PIS/Cofins e que seria necessário cortar recursos da saúde, educação e previdência para fechar a conta.



- O presidente vai vetar a emenda do deputado Orlando Silva, do PCdoB, que tirava dinheiro dos PIS/Cofins para investimento em saúde, educação e Previdência. O governo vai redefinir outras fontes por meio de decreto para cumprir o entendimento do desconto de R$ 0,46 negociado com os caminhoneiros. Vai realocar recursos para cumprir o acordo e para que o prejuízo não seja tão grande - disse Jucá.



Durante a discussão e o encaminhamento no plenário, houve pesadas críticas ao governo, por não ter dimensionado a tempo a gravidade da paralisação dos caminhoneiros. Também houve críticas à política de preços da Petrobras.



- Não vamos votar a favor dessa proposta porque o eixo principal, que é a política de preços da Petrobras, não está em discussão. Não se podem controlar preços e lucros da Petrobras? Porque a Petrobras é uma vaca sagrada dos investidores internacionais e bilionários brasileiros que investem em ações da Petrobras - criticou o líder da minoria, Humberto Costa (PT-PE). CONFAZ MANTÉM ICMS O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) rejeitou a proposta do governo de antecipar uma redução da base cálculo do ICMS sobre o diesel para baratear o produto e reduzir ainda mais o custo do combustível para os caminhoneiros. Treze das 27 unidades da federação rejeitaram os termos sugeridos pelo governo: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Sergipe.





Apesar de o Confaz ter recusado a proposta do governo, três estados diminuíram a base de cálculo do ICMS na tabela de atualizações divulgada ontem no Diário Oficial da União. Mato Grosso do Sul e Paraná em R$ 0,25 e São Paulo, em R$ 0,46. Outros 18 mantiveram o valor congelado em relação à última tabela. Rio, Acre, Alagoas, Amazonas, Paraíba e Tocantins subiram a base sobre a qual é calculada o imposto. No caso do Rio, foi de R$ 3,60 para R$ 3,63. Por outro lado, o estado diminuiu de 16% para 12% sua alíquota do imposto.





Criticado na Câmara, ministro nega que vai aumentar imposto para cobrir isenção do diesel



Eduardo Guardia recua e afirma que governo reduzirá incentivos fiscais



-BRASÍLIA- Um dia após afirmar que o aumento de impostos seria uma alternativa para cobrir as reduções nos tributos sobre o diesel, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmou que essa compensação será feita apenas por redução de isenções fiscais. A declaração foi dada depois da forte reação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que disse ontem cedo que não colocaria em votação qualquer medida de aumento de impostos.



- Não vai ter (aumento), porque isso aqui é uma democracia, e ele (Guardia) não manda no Congresso Nacional. O que ele fez foi muito irresponsável. Ele vem falando de aumento de imposto. O movimento todo tem de fundo a questão de não ter aumento de imposto, e ele fala o contrário. Ele sabe muito bem que, no Congresso, não haverá aumento de impostos. Enquanto eu for presidente da Câmara, não vai ter nenhum aumento de imposto - afirmou Maia.



Colocado contra a parede, Guardia disse que, apesar de a lei prever o aumento de alíquotas como uma alternativa, essa não é a intenção do governo:



- Uma coisa é o que diz a lei. A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) determina que qualquer diminuição de impostos implica necessidade de compensação mediante aumento de alíquota, aumento de impostos ou redução de incentivos fiscais. O que o governo fará para compensar é a redução de incentivos fiscais. Em nenhum momento o governo trabalha com aumento de impostos.



O ministro lembrou que as receitas provenientes da reoneração da folha de pagamentos não são suficientes para cobrir a redução de impostos que o governo propôs para o diesel. Por isso, serão necessárias medidas extras. Ele não chegou a citar exemplos, mas alguns setores já reagiram. A Associação de Comércio Exterior (AEB) divulgou nota na qual criticou a possibilidade de o governo acabar com o Reintegra (um crédito que é dado aos exportadores).



No fim do dia, Maia tentou amenizar a situação:



- O Guardia é um grande quadro técnico. Quando ele estava para ser escolhido, defendi muito o nome dele. De manhã eu fiz uma crítica mais dura, porque acho que, no momento atual, você falar em aumento de impostos podia esquentar novamente um clima que já está um pouco mais calmo.





Déficit fiscal de de janeiro a abril foi a R$ 5,4 bi



Receitas positivas no período geraram folga de R$ 6,2 bi no Orçamento



-BRASÍLIA- Ferrenho crítico de programas de subsídios, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, defendeu ontem a ajuda que o governo decidiu dar aos caminhonheiros para encerrar a greve e que resultará numa conta de R$ 9,2 bilhões para os cofres públicos. Ao anunciar que o governo teve rombo de R$ 5,4 bilhões entre janeiro e abril, ele justificou a medida dizendo que a greve não era previsível.



No primeiro quadrimestre, as receitas surpreenderam positivamente, gerando uma folga fiscal de R$ 6,2 bilhões no Orçamento. No entanto, ela terá de ser gasta para cobrir o subsídio ao diesel. Ainda assim, afirmou Mansueto, é possível manter a meta fiscal do ano, de déficit de R$ 159 bilhões.





Caminhoneiros sofrem ameaças e agressões





Entidades que representam a categoria dizem que infiltrados impedem grevistas de voltarem ao trabalho



Caminhoneiros denunciam estar sofrendo coação para que mantenham a greve. Líderes sindicais dizem que há ameaças de pessoas infiltradas no movimento e cobram ação do governo. No nono dia de paralisação, caminhões seguiam enfileirados em rodovias, que tinham 616 pontos de aglomeração à noite. Donos de transportadoras recorreram à polícia para tentar liberar seus veículos. Com o pedido por intervenção militar ganhando eco, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, disse que é "assunto do século passado". -BRASÍLIA E SÃO PAULO- Líderes sindicais denunciaram ontem que caminhoneiros interessados em voltar ao trabalho estão sofrendo ameaças para continuar nos pontos de concentração de veículos em diferentes regiões do país. Eles prometem ajudar a identificar os envolvidos, mas cobraram ação do governo para proteger a categoria.



MARCOS ALVESPara convencer. Na Régis Bittencourt (SP), agentes da PRF oferecem segurança a caminhoneiros que querem sair



Imagens exibidas pelo G1 mostram um motorista de caminhão-cegonha sendo brutalmente agredido após tentar furar um dos bloqueios na rodovia BR-153, em Miranorte, na região central do Tocantins. Os manifestantes abrem a porta da cabine e o retiram do veículo a socos na cabeça e pontapés. Até a camiseta que ele vestia foi rasgada. Entidades que representam caminhoneiros relataram episódios semelhantes.



Na Rodovia Régis Bittencourt - maior ponto de resistência em São Paulo, com três mil caminhões concentrados - dois veículos da empresa Unidão Transporte e Logística tiveram de ser escoltados ontem pela Polícia Rodoviária Federal para deixar um dos pontos de concentração, próximo a Embu das Artes.



Outros motoristas, em sua maioria de caminhões pequenos, disseram que gostariam de deixar o movimento, mas são pressionados a continuar. Mais cedo, um pequeno comboio de caminhões teria tentado deixar o local, sem sucesso. Um homem que se aproximou de líderes para perguntar quando acabaria a greve porque a filha estava passando fome e foi hostilizado. MEDO DE SER APEDREJADO Na fila que se estende pela estrada, as opiniões variam. Alguns caminhoneiros contam que a comida começa a faltar, mesmo a que veio de doações nos primeiros dias de greve. Outros dizem que só sairiam se o preço dos outros combustíveis também cair.



- Como vamos liberar a Régis? Não tem como. O cara que disser "eu libero" vai arranjar um problemão - diz um motorista.



A PRF, que faz rondas frequentes na rodovia, diz que não tem orientação para retirar nenhum caminhão da estrada, desde que não haja bloqueio dos acessos à via. Agentes passam na estrada pedindo a colaboração de lideranças do movimento para que "deixem sair quem estiver cansado e quiser ir embora". Os policiais oferecem segurança para quem quer partir. A polícia diz investigar denúncias de que os caminhões de quem tentou sair tiveram os pneus furados.



Em depoimento à TV Globo, o caminhoneiro Osmar da Cruz contou que só conseguiu deixar o protesto no Rodoanel, em São Paulo, após 156 horas de retenção porque teve escolta da PRF até a sua casa:



- Para eu sair de lá tinha até a escolta, mas a questão era no caminho, para poder chegar em casa. O medo é sair e ser apedrejado. Até levar um tiro na cara.



Durante a tarde, um helicóptero do Exército foi saudado ao passar sobre a Régis Bittencourt. À tarde, motoristas cantaram o Hino Nacional e a canção de torcida "Sou brasileiro".



O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, o primeiro a denunciar a existência de grupos intervencionistas ameaçando quem queria retornar ao trabalho, contou ao GLOBO ter identificado três pessoas no Paraná e duas na Vila Carioca, em São Paulo, que estariam infiltradas. Ele disse que vai dar informações ao governo.



Uma das principais entidades da categoria, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), também denunciou ameaças em nota: "A CNTA foi informada, através de diversos pontos de manifestações, que caminhoneiros estavam sendo forçados e ameaçados a permanecerem parados e que grupos estranhos ao movimento da categoria se infiltraram na paralisação com outros objetivos além do apresentado na pauta inicial dos caminhoneiros."



O presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sinditac) de Ijuí (RS), Carlos Alberto Litti Dahmer, disse que uma das dificuldades para desmobilizar concentrações é o temor das ameaças de grupos que se infiltraram na paralisação com "diversas bandeiras". Ele disse esperar uma ação mais energética do governo.



- Começou com os caminhoneiros, mas foi chegando gente oportunista. Há bandeira para tudo: "Lula Livre", "Fora Temer" e até pessoas contra o aumento na conta de luz - disse Litti, que participou do acordo com o governo. - Não vamos conseguir resolver o problema do país.



Em Brasília, o governo informou que foram presas sete pessoas no Maranhão impedindo caminhoneiros de retornarem ao trabalho. Ministros diziam ontem acreditar na normalização dos serviços nos próximos dias e atacaram a politização dos bloqueios remanescentes.



- Se isso é fruto de uma grande articulação ou de uma carona no ambiente de protestos, é difícil avaliar. Hoje o problema é muito menos os caminhoneiros e muito mais a ação de oportunistas - disse o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen.





Intervenção é 'do século passado', diz generalZoom





Ministro do Gabinete de Segurança Institucional afirma que ninguém nas Forças Armadas pensa em golpe



-SÃO PAULO E BRASÍLIA- O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen, considerou ontem que intervenção militar é "um assunto do século passado", e que nenhum militar das Forças Armadas está "pensando nisso". Etchegoyen é general da reserva e um dos principais auxiliares do presidente Michel Temer. Cartazes e faixas pedindo intervenção militar para derrubar o governo foram vistos com alguns grevistas no movimento dos caminhoneiros.



- Vivo no século XXI e o século XXI está divertidíssimo. Meu farol é muito mais potente que o retrovisor. Não vejo nenhum militar, Forças Armadas pensando nisso (intervenção militar), não conheço, absolutamente - disse o ministro, quando perguntado sobre o que pensa de faixas e cartazes pedindo a "intervenção militar" na paralisação dos caminhoneiros.



Etchegoyen faz parte do gabinete de crise montado pelo governo para acompanhar o movimento dos caminhoneiros e participou da entrevista sobre a paralisação, no Palácio do Planalto.



- Absolutamente, é um assunto do século passado, uma pergunta em que não vejo mais nenhum sentido - disse o ministro.



Para ele, é preciso saber por que algumas pessoas pedem a volta de governos militares.



- O que eu sugiro é saber por que chegamos a isso. Quando nós estudamos álgebra, íamos atrás do X e do Y. Tem uma incógnita nessa questão que é: por que chegamos a isso? Por que chegamos a uma situação em que parte da sociedade acha que isso é uma solução razoável, sobre a mesa? (...) Não busquem encontrar problema onde ele está eliminado. ALERTA PARA INFORMAÇÃO FALSA Já o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Nivaldo Rossato, assinou um comunicado para alertar a todos os integrantes da Força, militares e civis, sobre o crescimento de notícias "falsas e tendenciosas" que estão sendo divulgadas nas mídias sociais, durante a crise de desabastecimento pela qual passa o país por causa da greve dos caminhoneiros. No texto, Rossato aconselha seus subordinados a serem críticos antes de aceitar qualquer informação como verdadeira. Ele também aconselha a tropa a procurar os canais oficiais de comunicação.



"Há muita informação falsa ou tendenciosa sendo divulgada, e devemos ser críticos antes de aceitá-las como verdadeiras. Devemos nos manter atentos e atualizados, e para isso reforço que deem prioridade aos nossos canais institucionais de informação, pois será por meio deles que divulgaremos qualquer orientação complementar", afirma Rossato no comunicado.



No texto, o comandante destaca o compromisso das Forças Armadas "em servir ao país e ao povo brasileiro". Segundo relatos de pessoas ligadas à Força, o comandante tem feito reunião com oficiais para alertar sobre o discurso de grupos radicais que pregam uma intervenção militar para debelar a crise. O movimento dos caminhoneiros foi engrossado por manifestantes que defendem diversas bandeiras. A ordem do comandante é para que seus militares fiquem longe disso. "Uma intervenção não interessa à Força", disse um interlocutor. TEMER DIZ NÃO VER RISCO Já o presidente Michel Temer, em entrevista à imprensa estrangeira durante um fórum de investimentos em São Paulo, afirmou que "não há risco" de "intervenção militar" em decorrência da paralisação de caminhoneiros, que chegou ao nono dia. Após sua participação na abertura do Fórum de Investimentos Brasil de 2018, Temer disse que a redução do preço do óleo diesel, anunciada pelo governo como parte das medidas para tentar acabar com a greve, não irá reverter as reformas realizadas pela Petrobras para garantir a independência da estatal. Durante sua palestra no evento, organizado pelo governo federal e pelo Banco Interamericano de Investimento, Temer chegou a afirmar que age com "autoridade" para preservar a ordem:



- Àqueles que rejeitam o diálogo e tentam parar o Brasil, nós exercemos autoridade para preservar a ordem e os direitos da população. Mas, antes disso, o diálogo é fundamental para o exercício do que a Constituição determina: ou seja, a democracia plena no nosso país.



Temer esteve acompanhado no evento de seis ministros, entre eles Aloysio Nunes, das Relações Exteriores. Na entrada do auditório do evento, os participantes foram proibidos de entrar com tampas de garrafas d'água e de suco que eram distribuídas no local. Seguranças alegavam que poderiam ser atiradas no presidente.



Mesmo com o anúncio de um acordo feito pelo governo no último domingo, pelo menos 17 estados e o Distrito Federal mantinham manifestações no nono dia de paralisação dos caminhoneiros contra o preço do combustível. A Associação Brasileira de Comércio Exterior estimou que, como resultado da paralisação, deixou de exportar US$ 1 bilhão em produtos.



Na segunda-feira à tarde, Temer chegou a afirmar que tinha "absoluta certeza" de que em um ou dois dias a greve cessaria. O presidente se comprometeu a baratear o diesel em R$ 0,46 por 60 dias, mas motoristas ainda mantêm protestos em vias do país. A polícia e as Forças Armadas escoltam veículos com alimentos e insumos, que já começam a chegar em maior quantidade aos centros de distribuição e centros comerciais.





Hino e apelo aos militares





Caminhoneiros parados ao longo da Via Dutra defendem pautas políticas junto com a redução do preço do diesel. E admitem haver apoio das empresas de transporte



Enquanto militares do Exército e homens da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ordenavam o trânsito, dezenas de homens aglomeravam-se ontem em torno de uma tenda improvisada no quilômetro 204 da Rodovia Presidente Dutra, na altura de Seropédica (RJ). Uma caixa de som tocava os versos iniciais do Hino da Independência em altos decibéis: "Já podeis da pátria filhos, ver contente a mãe gentil". Ali proliferavam placas, cartazes, faixas e mesmo pichações pedindo que militares derrubem o presidente Michel Temer e assumam o poder, dando caráter visível a uma pauta que vem ganhando eco entre os caminhoneiros em greve ao longo dos últimos dias.



ANTONIO SCORZAColetivo. Um grupo de dez mulheres fica encarregado de preparar as refeições no acampamento dos caminhoneiros na Via Dutra, na altura de Seropédica



A tensão dos últimos dias pode ser vista nas marcas de pneus queimados. Entre os caminhoneiros, a justificativa para o pedido de golpe militar é a desconfiança de que o governo não vai atender às suas reivindicações.



- A intervenção militar não vai nos prejudicar, vai ajudar - opina o caminhoneiro Laudício Alves de Oliveira, de 50 anos, 20 deles na boleia. - Os militares vão abaixar o preço do óleo diesel, reduzir os impostos e tirar os corruptos lá de Brasília.



Logo nos primeiros dias após o golpe militar, em 1964, milhares de pessoas foram presas ou demitidas do serviço público, entre elas lideranças sindicais. Em junho daquele ano, o presidente Castelo Branco sancionou uma lei que restringia o direito à greve e previa penas de prisão e multa para trabalhadores que participassem de movimentos. O caminhoneiro Antônio Carlos Campos Junior, de 40 anos, admite que uma greve como a atual poderia ser reprimida pelos militares, mas diz não se importar:



- A gente quer intervenção militar porque, se o Temer não resolve, alguém tem que resolver. Se o movimento fosse reprimido (pelos militares), mas resolvessem nosso problema, estaria bom. Se reprimissem sem resolver, a gente pararia de novo.



Antônio Carlos é motorista autônomo, mas admite que grande parte dos colegas empregados em transportadoras tem aval dos patrões para participar da greve:



- O que é bom para a gente é bom para o patrão também - afirma, referindo-se à queda dos preços de combustíveis e pedágios reivindicados pela categoria.



Paulo Martins, de 56 anos, conta que a empresa para a qual trabalha tem apoiado os manifestantes. Oriundo de São Paulo, ele está em contato com uma filial na Pavuna, Zona Norte do Rio:



- Se precisar de dinheiro ou comida, é só ligar que eles mandam. Mas aqui não é o caso, porque não está faltando nada no acampamento.



Vários motoristas repetiam o discurso de confiança. Diziam acreditar que, com mais alguns dias de paralisação, o governo cederia e atenderia a todas as reivindicações. Um, mais exaltado, gritava: "a gente só sai daqui quando o Temer cair". ALIMENTOS VÊM DE DOAÇÕES Do outro lado da rodovia, a empolgação não era a mesma. Um grupo reclamava da falta de resultados da mobilização e dizia ter vontade de partir. Eles disseram, porém, que seus caminhões estavam no fundo do terreno utilizado para guardar os veículos, impossibilitando a saída.



- Ninguém mais aguenta. Todo mundo está estressado. Queremos ir embora. Estamos vendo que isso aqui não vai dar em nada - diz Sebastião Alves, de 49 anos, caminhoneiro há 14.



Políticos e sindicalistas são personas non grata na mobilização, explica Antônio Carlos. Segundo ele, ninguém representa os acampados: sem líderes, eles decidiriam tudo coletivamente.



- Ninguém aqui quer sindicato, porque são todos vendidos. Aqui chega um monte de político, mas nós botamos para correr.



O vereador carioca João Batista Oliveira de Araújo, o Babá (PSOL), circulava discretamente pelo local. Ele tem visitado o bloqueio desde a última quinta-feira, tentando auxiliar os grevistas no diálogo com a polícia e as Forças Armadas. Sobre os pedidos de intervenção militar, ele disse serem "manifestações de um grupo minoritário".



O almoço foi preparado por um grupo de cerca de dez mulheres, que se encarregam das refeições - feitas com alimentos doados pela população e por comerciantes da região. Uma das líderes do grupo é Cristiane Teixeira Damasceno Campos, mulher de Antônio Carlos. Segundo ela, não tem faltado nada:



- Ninguém colocou a mão nas cargas, é tudo doação.



Já o caminhoneiro José Antônio Rodrigues, de 43 anos, está ali com a mulher, Rosemeire Camargo, e a filha Ana Lívia, de apenas seis meses:



- Aqui a gente consegue tudo para ela: tem onde dar banho, recebemos doações de fraldas e de leite.







Em três estados, fazendeiros e associações deram suporte a grevistas





Produtores admitiram que forneceram tratores para bloqueios



-BRASÍLIA- Fazendeiros e associações rurais de pelos menos três estados do país colocaram seus funcionários para "trabalhar e servir" à greve dos caminhoneiros. O GLOBO conversou, sob a condição de manter o anonimato, com produtores e lideranças dissidentes da Confederação da Agricultura e Pecuária que têm atuado no apoio à greve nos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.



Todos admitem que fazendeiros desses três estados "liberaram" os funcionários para servir churrasco e levar comida para os caminhoneiros, além de terem retirado os trabalhadores do campo e os colocado para conduzir tratores e maquinários em direção a pontos de bloqueio de rodovias, com o objetivo de engrossar o tamanho dos engarrafamentos e fortalecer o "movimento".



Um fazendeiro e representante de uma associação ruralista do interior de Goiás afirma que, se não fosse o apoio do setor, a greve já teria terminado. O fato é que, segundo ele, os fazendeiros, neste nono dia de greve, estão divididos "ao meio" quanto à continuidade do apoio à paralisação.



- Sinceramente, acho que os produtores estão perdendo a oportunidade de aproveitar a paralisação para colocar algumas de suas pautas. Mas a verdade é que a gente não tem uma federação forte, e o pessoal não reconhece a CNA como sua representante. Então, a maioria dos produtores apoia a greve porque quer intervenção militar. MOVIMENTO DIVIDIDO No Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, os fazendeiros também estão divididos quanto ao apoio para continuidade da greve. A paralisação também tem gerado prejuízo ao meio rural.



- Quem mexe com coisas muito perecíveis, e até quem mexe com grãos, também está tomando prejuízo. Os insumos não chegam. Então, metade dos produtores já parou de dar comida e churrasco para alimentar os caminhoneiros. Também pararam de colocar trator nas rodovias, porque acreditam que os caminhoneiros já conseguiram suas reivindicações. Quem permanece apoiando é quem quer a intervenção (militar) - afirma o representante de uma associação de fazendeiros de Rondonópolis, no Mato Grosso.



"Satisfeito" com o resultado da greve, ele completa:



- Existe um movimento de fazendeiros para manter e outro para terminar com a greve. O que quer manter faz isso pelo ponto de vista ideológico, pedindo intervenção militar. Produtores foram para as rodovias, levaram seus funcionários para protestar junto com os caminhoneiros. Mas, agora, parte quer o retorno dos caminhoneiros, estão preocupados com a produção.




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