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Estado de Minas Online ( Feminino e Masculino ) - MG - Brasil - 06-05-2018 - 12:46 -   Notícia original Link para notícia
Entrevista : Marta Guerra - Movida a desafios

Bailarina muda de área para comandar o primeiro espaço público do Brasil dedicado à moda




Marta Guerra é um exemplo de que mudanças inesperadas podem, sim, ser positivas. Pedagoga, bailarina e coreógrafa, ela se dedicava à dança até receber o convite para implementar o Museu da Moda de Belo Horizonte (Mumo). Hoje comanda o primeiro espaço público do Brasil voltado para a moda e se diz realizada com o rumo que a vida levou. "É um desafio diário, mas felicidade não cansa", pondera. Neste momento, Marta está envolvida com a organização do acervo. Enquanto reforma a sala, que deve ficar pronta no ano que vem, para guardar os quase dois mil itens, ela negocia novas aquisições. As roupas da excêntrica Elke Maravilha estão no radar. Desde que o espaço deixou de ser Centro de Referência para se tornar museu, há pouco mais de um ano, a gestora comemora conquistas, entre elas a parceria com a Minas Trend. Pela primeira vez, quatro mostras apresentadas durante a semana de moda em Belo Horizonte, incluindo os looks do desfile de abertura, podem ser visitadas no Mumo até 10 de junho. Dessa forma, Marta segue sua missão de aproximar a moda dos belo-horizontinos.



 


O que levou você a se interessar pela área cultural?
Cultura é algo que tem a ver com paixão. Na minha casa, isso sempre foi incentivado pelos meus pais e a dança acabou sendo parte da minha vida. Fiz pedagogia, inclusive, por causa disso. Pensando que a carreira de bailarina não seria muito longa, quis me apropriar da parte acadêmica. Na época, não existiam cursos técnicos para professores de dança. Comecei a trabalhar na área de projetos e produção cultural quando me desliguei do grupo de dança. Desenvolvi um trabalho na Fundação Clóvis Salgado e em 2012 vim para a Fundação Municipal de Cultura para implementar o museu da moda. A prefeitura percebeu o quanto a moda está no DNA de Belo Horizonte e fez a opção de enxergá-la como um segmento cultural, assim como teatro e dança, seguindo o modelo criado em 2006 pelo Ministério da Cultura, que incluiu moda e gastronomia no seu programa.

Como você reagiu ao receber o convite?
Fiquei na dúvida se moda tinha a ver comigo, mas percebi que ela passeia por todas as áreas, inclusive por um figurino do balé. Acabei me apaixonando pela moda tanto quanto pela dança. Encarei o desafio de tentar entender o segmento e trabalho com a mesma paixão de quando era bailarina.

O que a motivou a aceitar o desafio?
Se fosse literatura, cinema ou artes plásticas, teria a mesma abertura. Estava em um momento profissional de entender mais o segmento cultural e quis me abrir para essa nova leitura da moda enquanto cultura. São aqueles degraus que vamos subindo e, quando nos damos conta, eles nos levaram para um lugar que não esperamos, mas que também é muito bom. Surpresas positivas são importantes no campo profissional. Você tem que ter foco, mas precisa se abrir para possibilidades que o levam a desafios. Tem que topar e falar: eu quero. O Mumo era realmente o primeiro espaço público de moda do país, não existia outra referência. Era a primeira vez em que a moda se colocava como política pública.

O que mudou a partir disso?
Política pública dá legitimidade e as pessoas passam a enxergar a vocação da cidade. Na época, tinha saído a lei instituindo Belo Horizonte como capital da moda. Começamos como Centro de Referência da Moda e, quatro anos depois, o espaço se transformou em museu. Na semana passada, fizemos o lançamento do selo Belo Horizonte Capital da Moda no Mumo. Vemos tantos projetos que não têm continuidade na gestão pública, por causa de mudança de governo, mas esse não é o caso. Isso vem de 2012. A ideia é assumir Belo Horizonte como capital da moda e celeiro de tantos talentos. O selo vai estar em camisetas, sacolas, bótons. Muitas pessoas hoje querem saber de onde vêm os produtos que compram, o consumo inteligente passa por isso, então pensamos em usar o selo para dar essa credibilidade. Produto feito em Belo Horizonte é bom, e sustentável, tem design próprio.

Qual é a missão do Mumo?
Estamos conseguindo fazer com que o museu seja um ponto de interseção de toda a cadeia produtiva da moda. Não é só vitrine, valoriza todo o processo por trás disso. O nosso capital está na riqueza das bordadeiras, dos ourives, dos artesãos, dos designers. Procurei me interessar pela área, fui pesquisando, e descobri que nos anos 1940 e 1950, Belo Horizonte era conhecida como a cidade das costureiras. Todo mundo tem avó ou tia costureira, bordadeira, que fazia pano de prato, toalha de mesa. Isso faz parte do nosso DNA. Os imigrantes que chegaram aqui não eram agricultores, recebemos influência dos árabes com o comércio de armarinhos e dos italianos com a alfaiataria. Então, vamos puxando os fios e vemos que não é por acaso que Belo Horizonte e Minas Gerais são referência em moda. Além disso, museu só existe quando tem acervo, memória e pesquisa.

Como tem sido construído o acervo do museu?
Já temos quase duas mil peças. O acervo é bastante aberto, mas temos que referendar a peça como de época, que tem a ver com a história da cidade. Por exemplo, um sutiã pode não ter a menor importância, mas se simboliza a luta feminina pela igualdade é outra história. Agora estamos construindo uma nova política de aquisição e descarte de acervo, então estamos em um período de pesquisar para saber o que adquirir. Temos interesse em trazer, por exemplo, as belíssimas roupas da Elke Maravilha. Hoje elas só fazem sentido se estiverem em um espaço público para que possam ser vistas e pesquisadas por estudantes de moda. Conhecemos o acervo e já estivemos com a família dela, aí os olhos começam a brilhar. Elke construiu a imagem dela através da roupa. Mas tudo depende de parceria na área privada. As nossas aquisições mais recentes vieram do acervo do estilista Alceu Penna.

Qual é hoje o seu maior desafio?
Aquisição e conservação do acervo. Tecido é mais frágil que papel. Temos um profissional da área que cuida das peças, mas isso envolve um espaço adequado, então elas continuam sob a guarda do Museu Histórico Abílio Barreto. Estamos reformando uma sala e acredito que em 2019 a gente consiga trazer o acervo para cá. Precisa ser um ambiente climatizado e com mobiliário para guardar adequadamente as peças. Elas não podem ser colocadas de qualquer jeito. Temos a missão de preservar o passado, mas para mim existe um desafio ainda maior, que é fazer esse espaço conversar com o turismo, a cultura, o desenvolvimento econômico, a cadeia produtiva. Precisamos também participar de discussões que a moda traz sobre trabalho escravo e ativismo social, por exemplo.

A sua visão sobre a moda mudou depois do Mumo?
Antes enxergava a moda como consumidora. Hoje olho para a roupa e quero saber quem faz. Outro aprendizado é descobrir que, para estar bem vestida, não preciso gastar muito dinheiro. Posso usar a criatividade para criar algo bacana. É um peso a menos. Também entendi que a moda está no dia a dia das pessoas muito mais que elas imaginam. Todos os dias, quando nos levantamos, temos que pensar em como vamos nos vestir. Escolher a roupa é decidir como queremos que as pessoas nos enxerguem. Então, a moda faz parte do nosso olhar, do ato de se vestir.

Em pouco mais de um ano, qual conquista você considera mais importante?
Ver que o museu entrou na agenda cultural da cidade. Quando vemos crianças descendo de um ônibus para conhecer o prédio e saindo daqui encantadas, temos a certeza de que a cidade está se apropriando do espaço público. Destaco também as parcerias, como a que fizemos agora com a Minas Trend. Há muito tempo conversava com a Fiemg para trazer as exposições que ficam no salão de negócios e desta vez eles resolveram apostar. Trouxemos os looks do desfile de abertura e outras atrações, como o Espelho Virtual. Agora, todas as pessoas podem ver como a pesquisa de tendências é feita no estado e entender como funciona a cadeia produtiva. A ideia é democratizar o acesso de algo que ficava restrito a um espaço fechado por um período de quatro dias. Ampliamos o alcance para toda a cidade. O tema desta última Minas Trend, "Nosso lugar somos nós", é muito inspirador, então tinha que estar no Mumo. As exposições ficam aqui até 10 de junho. Destaco também a ampliação do acervo da biblioteca municipal, que funcionava aqui nesse prédio. Já fizemos a aquisição de vários livros de moda e queremos que as pesquisas acadêmicas das cinco faculdades de moda de Belo Horizonte sejam publicadas aqui para que todos tenham acesso. Não podem ficar restritas a um grupo seleto. A nossa intenção é receber o público para pesquisar e estudar literatura de moda e mais o acervo variado que a biblioteca tem. Por que excluir se podemos incluir?

Como funciona a escolha das exposições?
Fazemos editais de ocupação para receber projetos que passam por uma comissão de avaliação. Depois do Minas Trend, já estamos com a agenda praticamente fechada. Além disso, todo ano temos uma exposição própria. A próxima está prevista para novembro ou dezembro. O tema é surpresa.

Você se enxerga por muito tempo no museu?
Existe uma rotatividade natural em trabalhos ligados a órgãos públicos, então não dá para saber, mas a minha meta de vida é sempre deixar uma semente plantada por onde passo. Só de conseguir deixar um legado, que é trazer a moda para a política pública da cidade no campo cultural, e ainda fomentar todos os elos da cadeia produtiva já me sinto realizada.


Palavras Chave Encontradas: Criança
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