Leitura de notícia
O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 27-04-2018 - 07:20 -   Notícia original Link para notícia
Na crise, juntos e misturados

Aumenta número de pessoas que voltam para a casa de parentes, e 6 milhões vivem 'de favor', mostra IBGE



A crise econômica e o desemprego elevado levaram ao crescimento, no ano passado, de lares com mais de um morador, interrompendo o avanço do número de domicílios com um único habitante que se verificava desde o fim da década passada. Filhos adultos estão tendo que voltar para a casa dos pais. Seis milhões de brasileiros passaram a morar de favor, e houve redução de domicílios onde o morador é proprietário. Na cidade do Rio, essa queda foi de 9%. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad) do IBGE, que revela ainda o crescimento de 19% no número de idosos no país nos últimos cinco anos. População com 60 anos ou mais chegou a 30,2 milhões em 2017. -RIO E TERESINA-



EFRÉM RIBEIROApoio. Serapião José de Sousa (à direita) com parte dos parentes que moram em sua casa: ao todo, são 38 pessoas



A crise econômica foi tão profunda que forçou uma mudança nas condições de moradia da população em 2017. Dados divulgados ontem pelo IBGE mostram que, com o desemprego e a renda reduzida, a solução foi recorrer à família e aos amigos. Cresceu a quantidade de lares com dois, três ou quatro moradores e aumentou o número de brasileiros que passaram a viver em imóveis cedidos por terceiros, ou seja, de favor. Outro reflexo da recessão foi a redução dos domicílios onde o morador é o proprietário. Na cidade do Rio, a queda foi de 9%. Já o número de famílias cariocas vivendo em imóvel alugado cresceu em 90 mil no ano passado, uma alta de 18% em relação a 2016.



Morar com mais gente e dividir as contas foi a saída encontrada por muitas pessoas. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), no ano passado foram mais 861 mil domicílios ocupados por dois a quatro moradores, totalizando 50,3 milhões de unidades. Enquanto isso, houve uma redução de 194 mil, para 10,5 milhões, no número de lares ocupados por só uma pessoa.



- O crescimento do número de pessoas nos domicílios tem a ver com diminuir despesa e juntar renda devido ao desemprego, que atingiu níveis recordes no ano passado. Muitas pessoas não puderam mais pagar aluguel, devolveram seus imóveis e se juntaram a outra família. Quando se está no mesmo domicílio, há economia de escala, porque diminui o número de contas e o pagamento das que sobram é dividido - analisa a economista Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea. SEIS MILHÕES MORAM DE FAVOR Ela lembra que, no começo dos anos 2000, houve um movimento semelhante no país, porque o desemprego estava alto entre os jovens e muitos dos que moravam sozinhos voltaram a viver na casa dos pais.



- Morar só é um status de riqueza que se perde em tempos de crise - complementa Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-presidente do Ipea, lembrando que o número de domicílios com apenas um morador vinha numa crescente desde o fim da década passada.



Voltar para a casa da família foi a alternativa encontrada por Ana Carolina de Sousa, de 21 anos e moradora de Teresina, para reforçar o orçamento. Ela e o marido, que trabalha em um supermercado, saíram da casa onde moravam com os dois filhos e foram viver no sítio dos avós dela, onde cultivam frutas e vendem as polpas processadas para produtores de sucos e sorveterias.



Os avós, Serapião José de Sousa, de 90 anos, e Vitória Cardoso de Melo, de 65 anos, vivem de seus proventos, que somam pouco mais de dois salários mínimos, mas abrigam em casa, em "puxadinhos" construídos recentemente, seis filhos, 20 netos e seis bisnetos, além de quatro noras e genros. Filha do casal, Maria do Socorro, de 40 anos, também voltou para casa dos pais recentemente, depois que o marido ficou desempregado, e eles tiveram que entregar o apartamento onde moraram por 14 anos com os quatro filhos.



- Voltei para a casa de meus pais porque poderia aumentar minha renda com a venda das frutas e ainda criar galinhas e patos no quintal. Além disso, na família, todos se protegem quando alguém está com dificuldades financeiras - comenta Maria, que também trabalha como costureira.



A pesquisa do IBGE divulgada ontem mostrou também que os lares estabelecidos em imóveis emprestados cresceram 7% no ano passado. Seis milhões de pessoas passaram a viver de favor, ficando responsáveis normalmente apenas pelas taxas. São imóveis de parentes ou amigos ou cedidos por empregadores.



O levantamento revelou ainda que os lares em que o imóvel é próprio tiveram um leve recuo, de 51,33 milhões para 51,29 milhões. Também caiu, de 4,11 milhões em 2016 para 3,9 milhões em 2017, o número de domicílios próprios, mas que ainda estão sendo pagos, o que reflete, segundo Neri, as dificuldades dos financiamentos imobiliários, seja pela queda na renda ou pelo acesso ao crédito.



- É um sinal de menos financiamentos, até porque as condições não estavam boas, nem de renda nem de crédito. Dados de anos anteriores mostravam que a moradia passava por um boom,



mas a crise teve efeitos sobre os financiamentos - diz Neri.



O número total de famílias expandiu 0,8%, ou mais 550 mil domicílios, para 69,8 milhões em 2017. Deste total, 86,6% viviam em casas e 13,2%, em apartamentos. RIO NA CONTRAMÃO DE OUTRAS CAPITAIS Na contramão das principais capitais do país, o número de lares caiu na cidade do Rio no ano passado, em relação a 2016, de 2,51 milhões para 2,49 milhões - recuo de 0,75% ou menos 19 mil moradias. O grupo que mais encolheu foi o de famílias com imóvel próprio. Eram 76,6% do total de domicílios na capital em 2016 e caíram para 71%, redução de 9%.



Já o número de famílias cariocas vivendo em imóvel alugado cresceu em 90 mil no ano passado, alta de 18% em relação a 2016. Representavam 19,3% dos lares cariocas em 2016 e 23,1% em 2017.



Neri avalia, no entanto, que, quando os dados de 2017 são observados por trimestre, o último do ano e o primeiro de 2018 já trazem sinais da retomada.



- As crises brasileiras, em geral, são intensas e de curta duração. Mas essa foi intensa e de longa duração. Já observamos uma estabilidade no número médio de moradores por domicílio e a renda voltou a subir, assim como a massa de rendimentos. São sinais de reversão dessa crise melhores do que os indicados pelo Produto Interno Bruto.



Quanto ao saneamento, a Pnad mostra que o serviço de coleta de esgoto no Brasil mal conseguiu acompanhar o crescimento do número de famílias no ano passado. Apesar de o serviço ter alcançado mais 400 mil lares, no mesmo período o país ganhou um total de 550 mil domicílios. Com isso, a parcela de famílias com o serviço ficou estagnada em 66% do total de lares brasileiros.



- A cobertura de coleta de esgoto está estabilizada numa situação pouco confortável. Há ainda um terço da população sem esse serviço. E o pior é que estar conectado à rede de coleta não significa que há tratamento. Sabemos que uma menor parte do esgoto coletado é tratada - avalia Neri.



A parcela de lares com coleta diária de lixo teve leve expansão, de 82,6% em 2016 para 82,9% do total de domicílios no ano passado. E o número de famílias abastecidas com água canalizada caiu de 87,3% para 86,7%. Segundo o IBGE, essa queda é resultado do racionamento de água que vem ocorrendo no Distrito Federal desde o início do ano passado, devido a fatores como escassez de chuvas e falta de investimentos.





Acesso à internet aumenta e chega a 70% dos domicílios do país





Celular e aparelho de televisão são principal meio usado para conexão



-RIO E TERESINA- Em 2017, o acesso à internet já chegou a 70% ou 49,2 milhões dos lares brasileiros, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. Um ano antes, 63% dos domicílios estavam conectados, o equivalente a 44 milhões de famílias.



EFRÉM RIBEIROPrivação. Cid Carvalho ganha R$ 600 como marceneiro e não tem televisor



O celular e o televisor, com aparelhos smart, se tornaram o principal meio de acesso à rede. Ano passado, cresceu em 800 mil o número de lares com celular, para 92,7% do total, e em 2,5 milhões os com TV de tela fina, para 57,1%. O total de lares com TV de tubo caiu em 2,9 milhões.



- Com a mudança do sinal analógico para digital, as pessoas trocaram a TV de tubo pelas smart TV, e passaram a usar mais para acessar a internet, principalmente para ver filmes - diz Maria Lucia Vieira, gerente da Pnad. ACESSO MAIS BARATO Em 10,6% dos lares, o acesso à internet foi feito via TV, superando o via tablet, que ocorreu em 10,5% dos domicílios.



- A gente está vivendo, nos últimos dez anos, uma inclusão digital promovida pelo barateamento do acesso à internet e dos smartphones - avalia Rodrigo Baggio, fundador e presidente da Recode, o antigo Comitê de Democratização da Informática.



Ele questiona, porém, a finalidade do uso dessa tecnologia, que basicamente é recreativa.



- A população precisa evoluir para o uso de serviços do governo, aplicativos educacionais, para fomentar empreendedorismo e o engajamento do cidadão.



O número de lares com algum tipo de televisor subiu para 67,4 milhões, 160 mil a mais que em 2016. Mas como a expansão do número de famílias foi de mais 550 mil, a fatia de domicílios com TV recuou de 97,4% para 96,8%.



Novos hábitos de consumo, podem explicar o recuo nas grandes capitais. Mas a crise afetou regiões mais pobres. O marceneiro Cid Marcos Carvalho vive com a mulher Ladyana e as filhas Maria Victoria, de 3 anos, e Maria Esther, de 11 meses, na Ocupação Anselmo Dias, em Teresina, sem TV. Ele ganha R$ 600 ao mês, sem carteira assinada:



- Minha família dorme após o jantar. Sinto falta porque gosto de assistir aos telejornais. Mas fico triste, com dor na alma, quando minha filha de 3 anos pede para assistir "As aventuras de Ladybug". Na escola, os colegas comentam os episódios. Só que ela não pode ver. (*Especial para O GLOBO)










Nenhuma palavra chave encontrada.
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.