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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 11-03-2018 - 09:24 -   Notícia original Link para notícia
Novo código de conduta

Companhias no Estado do Rio alteram rotina e adotam medidas para reduzir perdas



"Uma ação de emergência, num primeiro momento, traz confronto e retaliação" Fábio Ramos Sócio do Bichara Advogados



Executivos trocam terno por uniforme, e companhias instalam geradores para o caso de falta de luz em operações militares



ANTONIO SCORZAProteção. Caminhão faz entrega no Centro do Rio com escolta armada: seguros já exigem medidas para mitigar riscos



A violência no Rio tem levado empresas a implementar "códigos de conduta", com restrição à circulação em vias de alto risco, mudança nos turnos para evitar horário noturno, aumento nas escoltas e até uso de geradores em caso de queda de energia durante operações militares. Executivos são aconselhados a deixar o terno e adotar o uniforme da empresa. A receita das seguradoras de transporte subiu 125% no estado, enquanto no país a alta foi de 6%. Instalação de geradores de energia para evitar perdas por corte de luz durante operações militares, mudança nos horários de troca de turno nas fábricas, jornada de produção encerrada mais cedo, executivos usando uniforme de técnicos ou operários, restrição de circulação de frota e funcionários em vias de alto risco, planos para blindar caminhões. A escalada da violência provocou mudanças na rotina de empresas instaladas no estado, resultando em custos extras e exigindo planejamento. A adoção de medidas para evitar situações de insegurança é ainda mais forte entre as multinacionais e os executivos estrangeiros, afirmam especialistas.



As empresas com instalações no Rio - sede, fábrica ou centro de distribuição - vêm recorrendo ainda a serviços especializados em aumentar a segurança para evitar impactos no faturamento. Grupos de áreas como varejo, comércio eletrônico, alimentos e bebidas, principais alvos das quadrilhas de roubos de carga, são os que mais buscam o serviço, destacam consultorias especializadas em segurança.



- A discussão sobre segurança na indústria no país ganhou fôlego há dois anos. Mas vem crescendo em um ritmo que fez o tema voltar a ser uma prioridade para o setor. No Rio, antes da intervenção federal, já havia estratégias. E elas vão se intensificando. Temos relatos de que as empresas recomendam a seus executivos voando em jatos privados a pousarem em ponto seguro e mais distante, para chegar à cidade de forma mais discreta, sem usar carros caros e chamativos. Já se recomenda que executivos usem uniformes de técnicos da empresa, por exemplo - conta Renato da Fonseca, gerente-executivo de pesquisa e competitividade da Confederação Nacional da Indústria (CNI).



RESTRIÇÃO ÀS LINHAS VERMELHA E AMARELA



O setor produtivo, explica Fonseca, vem pagando um preço elevado pelo aumento da violência no Rio. Além dos custos diretos, resultantes de perdas por roubos e atos de vandalismo, existem ainda os gastos com seguro e o reforço da segurança privada.



- Atualizando cálculos de 2016, estimamos que a indústria investiu R$ 30 bilhões em segurança em 2017. Em pesquisa e desenvolvimento, esse montante não passou de R$ 12,5 bilhões em 2015, que é o dado mais recente disponível no IBGE. Isso significa que recursos estão sendo retirados de outras frentes, é menos produtividade, menos emprego e menos renda gerados para garantir segurança - diz Fonseca.



Para as multinacionais, há a preocupação com executivos que trabalham no Rio ou têm de viajar a trabalho, ressalta Thomaz Favaro, especialista da Control Risks, empresa global de consultoria em avaliação de risco e integridade. As companhias estão revisando o protocolo de e recorrendo ao uso de carros blindados para deslocamentos no estado.



- As empresas no Brasil têm que reportar a suas matrizes (no exterior) o aumento da criminalidade. Em muitos casos, se o funcionário for exposto a uma situação de risco, a companhia pode ser responsabilizada. Por isso, elas têm que mostrar que estão tomando medidas de mitigação do risco, como aumento da segurança. A intervenção aumentou a sensação de que há uma deterioração na segurança pública do Rio - destaca Favaro.



A restrição ao uso de vias importantes do Rio e também do Arco Metropolitano, inaugurado em 2014 com a meta de melhorar a logística no Estado, é verificada por uma companhia de rastreamento via satélite. É pedido de diversos clientes corporativos, muitos deles estrangeiros.



- As empresas estão deixando de pensar em eficiência ao traçar rotas mais longas por conta da maior segurança. Isso traz um impacto direto nos negócios, com maior gasto de combustível, por exemplo. Além disso, as seguradoras não fazem mais seguro para as cargas trafegadas no Rio. Com isso, as empresas tomam o risco e quem sente o impacto é o consumidor, já que esse custo é repassado - diz Sergio Duarte, vice-presidente da Firjan.



Com centro de distribuição em Madureira, na Zona Norte, e fábrica em Queimados, na Baixada Fluminense, a Piraquê já gasta em torno de R$ 1,5 milhão por ano com segurança, sem considerar vendas perdidas devido a roubo de carga, conta Alexandre Colombo, diretor de marketing da empresa:



- Dobramos o efetivo na escolta dos caminhões. Mas os roubos, mesmo com a intervenção, persistem. Já tivemos seis ou sete este ano. Em 2017, houve ao menos um por semana. Foram 53 no ano. Gastamos 70% mais para renovar o seguro da carga.



Os cuidados não se restringem aos gastos com segurança. Uma empresa internacional do setor de petróleo, por exemplo, já recomendou aos funcionários evitar o uso das pistas laterais da Rodovia Presidente Dutra devido aos assaltos. No braço de uma multinacional americana, os funcionários não podem passar pelas linhas Amarela ou Vermelha ou voara partir do Galeão. Em casos de extrema necessidade, aprovados pela administração, é preciso usar transporte blindado.



- Tudo isso gera uma perda financeira e de produtividade. O jeito foi criar uma série de recomendações aos funcionários, para evitar problemas sérios de segurança. Na hora do almoço, também orientamos os colaboradores a almoçarem no restaurante que fica dentro da companhia e não no shopping, que fica perto da unidade fabril - conta a diretora de uma dessas empresas, que não quis ser identificada.



A violência também afugenta negócios. O Magazine Luiza tem perto de 800 filiais no país e nenhuma no Rio. Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do grupo, reconhece que a empresa "tem um débito com o estado", pela falta de lojas físicas no mercado fluminense.



- Minha tia, que fundou a empresa, tinha muito medo do Rio de Janeiro. Ela sempre falava: "No Rio, não é para montar loja por causa da violência". Mas acho que o que pesa é que não tivemos uma rede para comprar aqui na época em que estávamos fazendo isso (em outras regiões). Achamos o Rio um mercado espetacular - afirmou Luiza durante visita ao Rio na semana passada, admitindo, porém, que não há previsão de inaugurações no estado.



N abus capela redução de riscos, cresce a procura por empresas especializadas em desenvol segurança ver protocolos de segurança. A ICTS Security, consultoria de origem israelense, com duas centenas de clientes no país, afirma que a procura subiu 200% ao longo do último mês, sobretudo após o anúncio da intervenção federal. Carlos Guimar, especialista em segurança da ICTS, conta como a operação e o aumento da violência estão alterando a rotina das empresas. A maior preocupação dos clientes, explica, é criar um plano de continuidade nos negócios, como forma de mitigar os riscos com possíveis operações militares e o número de roubos.



- Propomos mudanças como a troca dos turnos dos funcionários. Isso é algo que já aconteceu. Em muitos casos, dependendo do local da empresa, os colaboradores deixam a companhia antes do anoitecer, por exemplo. Outra mudança envolve a hora em que as empresas recebem a matériaprima e o momento em que as mercadorias saem da fábrica. Isso tudo é para evitar perdas no processo. Sem isso, o faturamento é afetado. Outro ponto importante é o nível de estoque, em caso de não se conseguir receber material - diz Guimar.



ADIAMENTO DE PROJETOS



Segundo Guimar, muitas empresas já encerraram suas operações em algumas áreas do Rio, como Pavuna, São João de Meriti e Belford Roxo. Na Baixada, o clima é de preocupação, relatou o executivo de uma grande companhia:



- Os últimos quatro meses foram muito preocupantes, traumáticos. A situação da segurança saiu do controle. Já há relatos de empresas em áreas de risco em que milícias cobram valores semanais "em troca" de segurança. Isso é extorsão. Contratar serviço de segurança aumenta muito os gastos das empresas. Isso pode afugentar investimentos.



Christino Áureo, secretário estadual da Casa Civil e Desenvolvimento Econômico, reconhece o peso da segurança na captação de investimento:



- Os problemas relacionados à segurança pública influenciam as decisões de investimento não apenas no estado, mas em todas as regiões. Mas as empresas tomam suas decisões de acordo com avaliações que visam ao médio e longo prazos, e há um esforço concentrado e integrado hoje, entre as forças federais e estaduais, para sanear esse problema.



Apesar da recessão, diz Áureo, o Rio atraiu R$ 5,5 bilhões em investimento nos últimos dois anos, de 32 empresas que se instalaram ou ampliaram suas instalações no estado, gerando 7 mil empregos.



Mas Octavio Vaz, sócio da AQ3 Assett, especializada em fundos imobiliários na área de logística, vê um cenário negativo para os negócios:



- Existe um claro adiamento de projetos na área de logística. Os investidores estão esperando terminar a intervenção, com medo de vir ao Rio. Cogitamos desmontar algumas locações no estado. Com o problema da segurança, o custo sobe demais. Com o agravamento da situação da segurança, cresceu o preço dos seguros contratados por empresas para proteger vidas, automóveis, patrimônio e carga. Em 2017, a receita das seguradoras com apólices de transportes cresceu 5,8% no Brasil, para R$ 2,72 bilhões. No Rio, houve um salto de 124,8%, a R$ 210 milhões, segundo dados da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg). No entanto, a intervenção federal no Rio pode ter impacto sobre a cobertura de tumulto, contratada por empresas, também disponível para seguro residencial e condominial. Danos ocorridos em decorrência de uma operação militar podem não ser ressarcidos pelas seguradoras.



- Há seguros que não têm cobertura patrimonial em caso de danos causados por tumulto com a presença das Forças Armadas, se isso estiver na zona de exclusão da apólice - diz Fábio Ramos, sócio da área empresarial e de seguros do escritório Bichara Advogados.



De acordo com a CNSeg, a intervenção na segurança do Rio não se enquadra em nenhuma situação de exclusão de cobertura em geral. Neste caso, cada seguradora define regras por contrato.



Sérgio Caron, superintendente da área de transporte da Marsh Brasil, de corretagem de seguros e gerenciamento de riscos, explica que o salto na receita das seguradoras no Rio se deve ao forte aumento da demanda, especialmente na área de transporte, somado ao reajuste no valor das apólices, que acompanhou o crescimento do risco:



- A sinistralidade no Rio ficou três vezes maior que a de São Paulo frente a 2016. Ano passado, o reajuste médio foi de 30% no preço dos seguros, havendo casos em que o valor triplicou. E as participações obrigatórias do segurado, uma espécie de franquia, que eram aproximadamente de 10% do valor do prêmio, agora começam em 30%.



Em linhas gerais, diz Caron, o mercado reagiu à situação por três caminhos. Um deles foi o aumento do preço do seguro. Outro foi fazer um reajuste menor, porém exigindo uma franquia mais alta. Além disso, surgiu a exigência do gerenciamento do risco, como escolta armada.



- A seguradora precifica um produto, aceitando compartilhar um risco que, por causa da mudança de um cenário, foi alterado no meio do caminho. A seguradora tem duas saídas: aumentar o preço ou evitar o risco. O Rio é um caso emblemático. Há áreas em que as seguradoras não cobrem carros - diz Ramos, do Bichara Advogados.



Ele destaca que, apesar da intervenção, a tendência é que os preços dos seguros se mantenham nas alturas:



- Com a intervenção, deveria haver uma estabilização nessa aversão ao risco porque se reduziria a violência. Mas isso não é imediato. Ao contrário, uma ação de emergência, num primeiro momento, piora a situação, traz confronto e retaliação.



Renato da Fonseca, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), destaca que o preço do seguro já pesa nas contas da companhias:



- Há casos de empresas, principalmente de menor porte, que cancelaram seguros. A recessão trouxe perda de receita e a saída é cortar despesas, adotando outras medidas.



Segundo Luiz Philipe Baeta Neves, presidente da Associação das Empresas de Assessoria e Consultoria de Seguros, ainda há muitas incertezas em torno da intervenção. Para ele, o fato de a operação acabar no fim deste ano, com a possibilidade de extensão nesse prazo, deixam as seguradoras em dúvida sobre o impacto nos preços dos seguros:





- O setor vai aguardar para ver o que vai acontecer. As empresas não estão contando com a intervenção em si como um fator que vai alterar os valores, já que os contratos têm duração de um ano. O aumento de roubos e furtos é o que eleva o valor do seguro. Só de carros roubados, houve alta de 40% em 2017.


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