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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 25-02-2018 - 09:38 -   Notícia original Link para notícia
Cartel sem punição

Processo contra cimenteiras se arrasta há 9 anos, apesar de condenação e multa pelo Cade



Inquérito de caso que resultou na maior multa já aplicada pelo Cade, R$ 3,1 bilhões contra seis indústrias, se arrasta em São Paulo. -SÃO PAULO- Enquanto o cartel das empreiteiras que atuava na Petrobras foi descoberto e punido em quatro anos pela Lava-Jato, o inquérito policial que apura as responsabilidades criminais do chamado "cartel das cimenteiras" se arrasta há quase nove anos em uma delegacia de crimes contra o consumidor, no Centro de São Paulo, sem que nenhum representante das companhias tenha sido responsabilizado ou denunciado pelas práticas anticoncorrenciais. O caso chegou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em 2006 e, em 2014, seis indústrias de cimento foram condenadas e multadas em R$ 3,1 bilhões - a maior punição já aplicada pelo órgão regulador da concorrência no Brasil em um caso de cartel. Estima-se que a combinação de preços entre as fabricantes de cimento tenha gerado prejuízos de R$ 28 bilhões ao país, tanto em obras privadas quanto públicas.



ROBERTO MOREYRA/10-2-2017Prejuízo. Conjunto habitacional no Rio: as empresas acusadas de cartel cobravam a mais pelo cimento usado em obras públicas, como o programa Minha Casa Minha Vida



Na última quinta-feira, o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP) ingressou com petição na polícia cobrando que o inquérito seja concluído com celeridade. Esta semana, ele fará o mesmo no Ministério Público de São Paulo (MP-SP).



- É de causar perplexidade tanta demora em um caso de repercussão nacional e prejuízo para a economia como esse. O cartel prejudicou desde os mais pobres, que gastaram mais para reformar suas casas, até grandes construtoras, que pagaram a mais pelo cimento utilizado em obras públicas - diz Giannazi, que assina a petição e estuda a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de São Paulo.



Embora os prejuízos tenham ocorrido em todo o país, a investigação se concentra em São Paulo, sede da maioria das empresas. Segundo o advogado David Azevedo, do escritório David Teixeira de Azevedo Advogados, que representa o PSOL em conjunto com Roberto Delmanto Jr., do escritório Delmanto, o MP-SP poderia ter denunciado as empresas quando o Cade concluiu sua investigação e constatou a materialidade e a autoria do delito. Para ele, a abertura de um inquérito criminal nem era necessária, dada a detalhada investigação do Cade, que concluiu pela condenação das empresas.



- Mas o Ministério Público pediu a abertura do inquérito, e a investigação já se estende por quase nove anos, sem que ninguém tenha sido responsabilizado - diz Azevedo.



O inquérito já passou pelas mãos de quatro delegados e acumula 18 volumes. O maior risco é a prescrição do crime, alerta Azevedo, já que o prazo máximo para apuração de responsabilidades criminais é de 12 anos.



FATIA DE MERCADO E TROCA DE CLIENTES



Nos últimos três anos, a investigação avançou a passos lentos. A polícia alega dificuldades para encontrar muitos dos investigados, que não foram localizados para prestar depoimento. Teriam deixado as empresas e até mudado de cidade. Cartas precatórias foram expedidas pela Justiça para que os depoimentos fossem tomados em outros estados, mas algumas demoraram mais de três anos para serem cumpridas.



Na polícia, o primeiro depoimento sobre o caso é de 2009, quando o engenheiro Evaldo Meneghel, ex-funcionário da Votorantim, falou sobre o cartel. Segundo ele, o esquema existia desde a década de 1960, quando apenas a Votorantim e a Nassau produziam cimento no Brasil.



O ex-executivo disse que as empresas se reuniam para fixar os preços mínimos para cada região do país, que os aumentos eram orquestrados e, em geral, todas reajustavam suas tabelas em sequência, em um prazo de três semanas. Segundo ele, o cartel combinava até prazos de pagamento a serem oferecidos aos clientes - sete dias para lojas de material de construção e 28 dias para grandes clientes, como construtoras, "concreteiras" e indústrias.



A investigação do Cade já comprovou que havia combinação de preços, que as empresas trocavam tabelas dos valores praticados e que o valor do cimento foi inflado por décadas. Além disso, elas impediam a entrada de novos concorrentes no mercado intermediário de concreto, cobrando preços abusivos de quem tentava ingressar no ramo.



- A cartelização prejudicou tanto o governo, no programa Minha Casa Minha Vida, como pessoas de baixa renda que pagaram mais caro pelo produto - afirma Azevedo, lembrando que crimes contra a ordem econômica podem gerar penas que variam de cinco a oito anos de prisão.



Meneghel relatou, em seu depoimento, que cada cimenteira tinha uma fatia de mercado e, caso ganhasse um cliente da concorrente, teria de lhe repassar outro, para manter a participação previamente acertada. O cliente que quisesse mudar de fornecedora tinha de pagar um valor pelo menos 10% maior, o que desestimulava a troca.



Relatório da Secretaria de Direito Econômico (SDE), de 2007, afirma que o cartel dominava também o mercado de concreto, pois a maioria das cimenteiras detinha participação acionária em concreteiras, verticalizando a atuação.



As concreteiras do cartel pagavam pelo cimento um preço denominado "base cem". As chamadas aliadas do grupo pagavam 10% a mais, e as independentes eram obrigadas a arcar com uma tabela entre 20% e 25% acima do preço-base.



Para se ter uma ideia, o preço-base da tonelada de cimento na época da denúncia, 2006, era de R$ 214. Se uma nova concreteira queria entrar no mercado, teria de pagar RS 275, o que praticamente inviabilizava o negócio.



Segundo a SDE, o cartel era comandado por altos executivos das empresas. As reuniões eram periódicas e itinerantes, em hotéis de diversas capitais do país. Os principais organizadores eram tratados por apelidos, como "cabeça branca" e "italiano", a fim de dificultar a identificação do grupo por terceiros.



O promotor Arthur Pinto de Lemos Junior, responsável pelo caso, informou que "tem recebido o inquérito da polícia para prorrogação da prazo". Ele integra o Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel, à Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos, cujo objetivo é reprimir delitos contra a ordem econômica.



Na polícia, o inquérito criminal já havia sido concluído sem qualquer denúncia à Justiça, mas foi reaberto em 2014, depois que o Cade decidiu punir as empresas. As multas foram milionárias: R$ 1,6 bilhão para a Votorantim Cimentos, R$ 509 milhões para a Holcim do Brasil, R$ 242 milhões para a InterCement (antiga Camargo Corrêa Cimentos), R$ 298 milhões para a Cimpor Cimentos do Brasil, R$ 412 milhões para a Itabira Agro Industrial (dona da Cimento Nassau) e R$ 88 milhões para a Companhia de Cimento Itambé.



Já em 2007, a Lafarge assinou termo de compromisso com o Cade e pagou R$ 40 milhões ao órgão, ressaltando não se tratar de multa. Na época, encaminhou pedido ao Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (SNIC) para deixar de receber informações sobre as outras empresas e informou que não mais mandaria seus dados, devido ao compliance da lei antitruste.



Também foram punidos o SNIC, a Associação Brasileira de Cimento Portland e a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Concretagem. Segundo o Cade, elas facilitavam a atividade de cartel, funcionando como uma espécie de fórum de troca de informações entre as empresas, além de inibir a entrada de novos concorrentes no mercado.



À época da condenação, as empresas afirmaram em notas que recorreriam da decisão e da multa. No Cade, o processo é sigiloso. Procurado, o órgão não informou sequer se houve ou não pagamento das multas por ele estabelecidas.



No inquérito, os executivos das empresas negaram todas as acusações decorrentes da investigação feita pelo Cade, que identificou o cartel e multou as cimenteiras. Estas alegaram segredo de mercado para manter em sigilo os documentos apresentados à polícia. Representantes das empresas acusaram o delator do esquema de ter agido por ressentimento, pois tinha queixas trabalhistas contra a Votorantin. O SNIC, citado como agente que viabilizava o esquema, alegou que as acusações eram genéricas. A Nassau contestou, dizendo que a reclamação inicial não partiu dos principais interessados: os clientes.



Em mensagens obtidas pelo Cade durante a investigação, contudo, foram encontradas expressões como "acerto de preços", "objetivos conjuntos de valores" e "preços iguais", o que, para os conselheiros do órgão, indicava dano à livre concorrência.



PREJUÍZO ANUAL DE R$ 1,4 BILHÃO



Juntas, as empresas denunciadas controlam cerca de 80% do mercado de cimento no país. Segundo cálculos do relator do processo no Cade, Alessandro Octaviani, o prejuízo anual à economia brasileira foi de R$ 1,4 bilhão, durante 20 anos, já que o esquema ilegal funcionava desde 1987. A investigação apontou, por exemplo, que as obras de duplicação da BR-101 podem ter tido sobrepreço de mais de R$ 18 milhões. No trecho Nordeste, segundo o Cade, o sobrepreço pode ter chegado a R$ 11 milhões, enquanto nos trechos Sul e Leste, seriam pelo menos R$ 7 milhões.



Além da multa, o Cade determinou a venda de ativos, equivalentes a 20% da capacidade de produção de concreto nas cidades em que as empresas possuíam mais de uma concreteira.



Procurada, a InterCement informou que não comenta processos em andamento. Em nota, a Votorantim Cimentos afirmou que "não participou de nenhuma conduta anticompetitiva" e nega as acusações. O SNIC respondeu que não iria se pronunciar sobre o assunto, e as demais companhias e os sindicatos e associações não responderam. As empresas também não quiseram informar se recorreram da decisão do Cade nem se pagaram a multa.



Sobre a demora no inquérito, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que "novas diligências estão em andamento a pedido do Ministério Público".





Alternativa é menos arriscada para imagem e finanças das empresas



-BRASÍLIA- O número de empresas que procuram o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para acordos em casos de cartel passou por uma escalada nos últimos cinco anos. Foi de 12 casos em 2012 para 86 em 2017, um salto de 616%. De lá para cá, foram 189 Termos de Cessação de Conduta (TCCs) e 59 acordos de leniência. Impulsionado por um movimento de maior clareza nas regras para leniência e com o cerco se fechando às empresas envolvidas na Operação Lava-Jato, o número tem crescido ano a ano: de 2016 para 2017, a alta foi de 34%.





Especialistas na área de defesa da concorrência explicam que o aumento é consequência de vários fatores, entre eles uma mudança na gestão das empresas. Elas já entenderam que pode ser menos custoso financeiramente e para a imagem da companhia recorrer a um acordo. Se condenada, a empresa responde administrativa e criminalmente.



- Até 2012, o perfil era diferente. As empresas não faziam o compliance (política de normas e condutas alinhadas com a legislação). De lá pra cá, entenderam que o acordo pode ser vantajoso - explica José Del Chiaro, advogado especialista em defesa da concorrência.



PARCERIA IMPULSIONOU PROCURA



Outro fator que impulsionou os números foi a parceria com o Ministério Público nas investigações da Lava-Jato. Suspeitas de manipular preços e combinar licitações, várias empreiteiras procuraram o Cade para acordos. A regra é: quem procura o conselho antes tem mais benefícios.



A leniência é a via mais vantajosa, porém mais restrita: o Cade aceita uma única leniência por infração denunciada. Por esse tipo de acordo, a empresa tem de fornecer informações relevantes para a investigação, além de cessar a prática. Em troca, ganha imunidade nas penas administrativa e criminal se o órgão não tiver conhecimento prévio do cartel. Ou tem a pena reduzida em até dois terços, se a investigação já estiver aberta. Ao todo, foram 20 casos de leniência dentro da Lava-Jato, a maior parte (12) no ano passado. Fazem parte dessa lista Camargo Corrêa, Odebrecht, Setal, Carioca Engenharia e Andrade Gutierrez. Com o aumento dos casos, o presidente do Cade, Alexandre Barreto, já disse que quer fortalecer e dar cada vez mais segurança jurídica para esse tipo de acordo.



IMUNIDADES SIGNIFICATIVAS



Como as leniências são restritas, os acordos mais comuns no Cade são os TCCs. Por eles, a empresa confessa o cartel e se compromete a cessar a prática e colaborar nas investigações. Em troca, o órgão suspende a apuração. Há ainda desconto de 15% a 50% nas multas aplicadas, a depender de quão avançada estiver a investigação quando o Conselho é procurado. Além disso, o Cade se dispõe a auxiliar nas negociações para colaboração premiada com o Ministério Público ou a Polícia Federal. O TCC não dá imunidade criminal. Del Chiaro explica, contudo, que uma vez que uma primeira empresa faz um acordo de leniência, fica mais difícil para as demais envolvidas escaparem de uma condenação, e o TCC fica mais interessante:



- A leniência leva a evidências muito fortes, fica mais difícil fazer a defesa.



Na visão das empresas, os acordos costurados pelo Cade são mais abrangentes e melhores do que os outros possíveis - com o Ministério Público ou o Banco Central, por exemplo. O Conselho, no entanto, não é obrigado a firmar acordos em caso de cartel.



- No Cade, o pacote de imunidades é significativo. Pela via da leniência, abrange imunidade criminal, administrativa e dá mais segurança jurídica. Pelo TCC, a ajuda na negociação com o Ministério Público é relevante. É um guichê disputado - afirma o especialista em defesa da concorrência Eduardo Gaban.





Busca por acordo no Cade em casos de cartel salta 616% em 5 anos


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