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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 18-02-2018 - 12:39 -   Notícia original Link para notícia
Inflação: uma sensação que fica

Índice cai ao menor nível em 20 anos, mas percepção do consumidor é de peso no orçamento


"Quando o orçamento está curto, o aumento de preços, por menor que seja, tem impacto maior. Demoraremos mais para recuperar a renda no Rio, então aqui esse descolamento entre a inflação real e a percepção é ainda maior" Maria Andréia Lameiras Técnica do Ipea


Os índices de inflação estão cada vez menores, mas quem vai ao supermercado não tem essa percepção. Segundo especialistas, isso se deve ao desemprego elevado e à alta acumulada dos preços. Itens como arroz, feijão e frango tiveram queda em 2017, mas ainda custam mais do que há três anos. A inflação caiu ao seu nível mais baixo em 20 anos em 2017, mas, no bolso do brasileiro, os preços ainda pesam, e a sensação é de uma piora na qualidade de vida. Apesar da desaceleração do IPCA (índice oficial de inflação), o consumidor, ao fazer as compras de mês, tem a impressão de que tudo está mais caro. Essa percepção existe, principalmente, porque o desemprego alto mantém o orçamento de muitas famílias apertado, e a cesta de consumo varia de lar para lar. Como alguns preços ainda se mantêm nas alturas - caso de combustíveis, planos de saúde e escola particular -, quem tem esse tipo de gasto não sente o alívio. E a queda de 5% nos preços dos alimentos consumidos em casa, que abocanham um quarto do orçamento das famílias, nem de longe compensa a alta de 23,5% acumulada nos dois anos anteriores.



CUSTODIO COIMBRA


No supermercado. "É preciso ter muito senso de administração de orçamento para viver", queixa-se a aposentada Sueli Pereira


- Vivemos um desemprego muito grande. Há pouca renda disponível. Apesar dos preços menores, isso torna o consumo impossível. Para o bolso dessas pessoas, a sensação é que tudo está mais caro. Tem gente com dificuldade de comprar o básico - observa André Braz, economista do Ibre/FGV.


Não é para menos que os consumidores reclamam quando vão ao supermercado. Do café da manhã ao almoço, nos últimos três anos não houve qualquer alívio: o bife, o feijão com arroz e o ovo estão mais caros, assim como o café solúvel, o leite, o pão, a manteiga e a margarina. Sem falar em combustíveis, preços das passagens de ônibus, IPVA e IPTU, que também encareceram.


- Frango e alcatra mais baratos, só quando o mercado faz promoção. O leite subiu, a manteiga, pela qual eu pagava R$ 4,50 há três anos, hoje está em torno de R$ 9. O IPTU ficou mais caro, a mensalidade do meu plano de saúde aumentou R$ 150, mas meu salário só cresceu R$ 50 este ano. É preciso ter muito senso de administração de orçamento para viver - conta a aposentada Sueli Pereira, de 74 anos, moradora de Santa Teresa, enquanto faz as compras de mês em um supermercado do Centro.


PESQUISA E LISTA DE COMPRAS


Os itens consumidos com maior frequência e os que são impossíveis de serem cortados ou substituídos são, normalmente, os que balizam a sensação de inflação, explica Sérgio Almeida, especialista em economia comportamental e professor da USP:


- Pessoas que usam carro próprio todos os dias são mais afetadas pelo sobe e desce do preço dos combustíveis, enquanto quem usa transporte público é afetado pelo valor do bilhete de ônibus. O tomate é algo difícil de ser substituído, então também é um bom balizador dessa percepção da variação de preços. É como se a inflação do sujeito fosse quase igual à da passagem de ônibus, do tomate, do feijão...


Nos últimos três anos, a inflação média geral acumulou alta de 21%. E, entre os 373 preços pesquisados pelo IBGE, 150, ou seja, 40%, subiram acima disso. Apenas 25 tiveram deflação. E, com a experiência de mais de duas décadas desde o fim da hiperinflação, o brasileiro adquiriu memória de preços: sabe que alguns produtos hoje podem até estar mais baratos do que em 2017, porém ainda estão mais caros do que há alguns anos.


- As donas de casa, que até abordaram o ministro (Henrique) Meirelles para reclamar um dia desses (quando o ministro da Fazenda cortou caminho por um supermercado em Botafogo, em visita ao Rio no começo do mês), até podem perceber que os preços caíram, depois de muitos meses de alta, desde meados de 2015 e ao longo de 2016. Mas ainda estão altos em relação ao passado. E elas lembram disso - observa o economista da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha.


O preço médio do quilo de arroz, por exemplo, caiu 10,9% ano passado, mas, em relação a 2014, está 13,5% mais caro. O mesmo ocorre com o feijão-carioca, que caiu 46% em 2017, mas que em três anos acumula alta de 3%. O preço do frango inteiro, mesmo com a queda de 8,7% no ano passado, está 11,2% superior ao de 2014.


Lúcia Pacífico, presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, confirma a observação do economista da PUC-Rio:


- Graças a Deus passaram aquelas altas todas, e as donas de casa estão mais tranquilas. Não ficam mais na ansiedade de fazer estoque. Não aconselhamos fazer isso neste momento porque os produtos da cesta básica são perecíveis, e os preços estão mais estáveis.


Mas, para não deixar as compras do mês pesarem demais no bolso, continua aplicável a mais antiga e tradicional dica de economia doméstica. Não compre nada sem pesquisar em ao menos dois estabelecimentos, ressalta Lúcia. Ir ao supermercado com uma lista de compras também ajuda a conter impulsos e gastos desnecessários. E verificar se o alimento na promoção não está próximo da data de vencimento evita o risco de prejuízos. -É preciso economizar - resume a dona de casa.


Sueli tem outras duas dicas: faz apenas uma compra grande por mês, porque entende que idas frequentes ao mercado levam à aquisição de produtos supérfluos. E, no caminho da hidroginástica, aproveita para dar uma espiada nas promoções do dia.


No caso do Rio, há outros dois agravantes que pesam no bolso e contribuem para essa sensação de inflação maior, segundo os economistas: a violência, que tem levado famílias a contratarem mais seguros e investirem em serviços de segurança, e a crise do setor público, que tem atrasado os salários do funcionalismo.


- Quando o orçamento está curto, o aumento de preços, por menor que seja, tem impacto maior. Quando se tem dinheiro na mão nem se percebe o aumento. E, no Rio, o desemprego está ainda mais elevado do que no resto do país. Demoraremos mais para recuperar a renda, então aqui esse descolamento entre a inflação real e a percepção é ainda maior - observa a economista Maria Andréia Parente Lameiras, técnica de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea.


A distância entre a percepção do consumidor e os índices de inflação pode ser medida. Em dezembro, quando o IPCA encerrou o ano em 2,95%, a expectativa de inflação do consumidor medida pela FGV era o dobro: 5,8%.


Pedro Costa Ferreira, pesquisador e porta-voz do Indicador de Expectativa de Inflação da FGV, explica que o descolamento entre este índice e o IPCA é histórico. Principalmente porque a inflação oficial medida pelo IBGE é uma grande cesta de produtos - hoje são 373 - que nem sempre condizem com a realidade das famílias.


- Estamos falando de uma grande média geral, enquanto cada lar tem a sua própria inflação, pois consome produtos e serviços específicos. Isso vale para muitos outros países - explica Ferreira.


ÊNFASE NO QUE ESTÁ MAIS CARO


Almeida, da USP, observa que as pessoas têm naturalmente a tendência de dar maior ênfase ao que está mais caro, mesmo quando há mais produtos abaixo da média geral da inflação. Ele reforça que há uma incompreensão do que o índice representa:


- Essa cesta pesquisada pelo IBGE, por exemplo, não é representativa para a classe média alta, cujos gastos incluem viagens ao exterior, cinema e teatro, que têm um peso muito maior para elas. Essa inflação não é a inflação de todo mundo - explica o especialista em economia comportamental.


A população que serve como referência para o cálculo do IPCA são famílias com rendimento mensal familiar entre um salário mínimo (R$ 937) e 40 salários mínimos (R$ 37.480).


A tendência, no entanto, é que a percepção de inflação do consumidor continue caindo nos próximo meses e fique mais próxima do índice real, porque os preços estão mais estáveis:


- Vivemos um movimento atípico nos últimos três anos, com os preços disparando muito em 2015 e depois desacelerando rapidamente ao longo de 2017. Isso ajuda a distorcer essa percepção de inflação - complementa Ferreira.


Para as famílias de renda mais alta, inflação foi maior


Serviços, que pesam mais para essa faixa, estão acima da média geral


Quanto maior a renda, maior a sensação de inflação. Essa relação, segundo os economistas, é explicada por dois fatores. Primeiro, os alimentos, principais responsáveis pela desaceleração do IPCA no ano passado, têm peso maior no orçamento das famílias de renda mais baixa. Por outro lado, educação, saúde e outros serviços, que são importantes gastos para a classe média, continuaram variando acima da média geral da inflação.



GABRIEL DE PAIVA


Prioridade. Simone Soares com Henrique e Helena: corte de gastos para "preservar educação, saúde e lazer das crianças"


- Essa percepção de inflação é muito influenciada pela cesta de compras, pela renda e pela memória de preços do que mais se consome. Com o que é mais fácil de se abrir mão, você não se importa se está mais caro ou mais barato. Agora do que não se abre mão, pesa mais - observa Maria Andréia Lameiras, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).


QUEDA MAIOR PARA OS POBRES


Simone Mendes Soares, de 43 anos, era executiva do departamento contábil de uma multinacional até um mês atrás, quando seu cargo foi transferido do Rio para a capital paulista e ela se desligou da empresa. Sem perspectivas de recolocação no mercado carioca a curto prazo, começaram os cortes no orçamento familiar. Seu marido é um executivo do mercado financeiro, e o casal tem dois filhos, de 2 e 5 anos, Helena e Henrique.


- Restaurante nos fins de semana, quase não vamos mais. Cortei a massagista e a academia, e reduzi a ida da faxineira de cinco para três dias. Isso tudo para preservar os gastos com educação, saúde e lazer das crianças. Disso não abrimos mão - afirma Simone.


No ano passado, os preços médios dos planos de saúde, da educação infantil e do cinema, para citar um lazer típico da classe média, subiram acima da inflação geral, que ficou em 2,95%. Os planos aumentaram 13,53%, enquanto os gastos com creche avançaram 10,15% e o preço da entrada para o cinema subiu 5,15%. Nos últimos três anos, esses três serviços acumularam altas de 45%, 36% e 27%, respectivamente.


Embora a desaceleração da inflação em 2017 tenha ocorrido de modo generalizado entre todas as classes de renda, ela foi bem mais intensa nas camadas mais pobres.


Depois de registrar um avanço de 6,7% em 2016, a inflação das famílias de renda baixa ficou em 2,5% em 2017, de acordo com pesquisa do Ipea. Já entre as famílias de renda alta, a queda o índice foi menor: passou de 6,2% para 3,7% no mesmo período.


- A inflação dos mais ricos foi maior, e a sensação é maior que a dos pobres, ainda que estes sejam mais atingidos pelo desemprego, porque a classe média consome bens e serviços aos quais os pobres não têm condições de acesso - explica Maria Andréia.


PREÇO NÃO DETERMINA COMPRA


André Braz, economista do Ibre/FGV, lembra ainda que famílias de renda mais alta têm carro, o que implica custos com IPVA, estacionamento, combustível e seguro. Além disso, elas gastam mais energia elétrica porque têm mais equipamentos eletroeletrônicos, o que contribui tanto para o aumento da inflação real quanto da percepção dessa alta de preços.


- Nos últimos anos, por conta da crise, perdemos bonificações, e mesmo os salários executivos não tiveram reajustes que acompanhassem a inflação - conta Simone, ponderando, no entanto, que só percebeu o quanto alguns serviços eram caros quando perdeu o emprego.


De acordo com o economista Luiz Roberto Cunha, da PUCRio, famílias de renda mais alta têm pouca memória de preços justamente porque, em geral, o valor de um produto ou serviço não é determinante para a decisão de compra. Essa falta de referência também dificulta que eles tenham uma percepção de inflação mais próxima da realidade, diferentemente do que ocorre com pessoas de renda mais baixa, que geralmente pesquisam antes de comprar.



Palavras Chave Encontradas: Criança
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