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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 18-02-2018 - 12:54 -   Notícia original Link para notícia
Entrevista: Cássia Almeida - 'Só vejo solução nos jovens para que algo mude'

Economista se diz pessimista com o futuro do país. Prestes a completar 88 anos, considera esta nossa pior crise. Conceição vê alguma mobilização no movimento secundarista e defende a restauração do Estado para vencer a recessão



"Há um pessimismo generalizado. Um Estado fraturado e uma sociedade anestesiada pela violência e o desemprego"



Uma das economistas que mais influenciaram o pensamento econômico brasileiro, Maria da Conceição Tavares diz que os jovens precisam "se mexer" para que país saia da apatia. Mestra das principais mentes brasileiras, voz da esquerda, a economista Maria da Conceição Tavares, que completa 88 anos no dia 24 de abril, aceitou abrir as portas de seu apartamento no Cosme Velho, no Rio, para falar sobre a crise brasileira, que considera a pior que já viu desde 1954, quando chegou ao Brasil, vinda de Portugal. Ela diz ter "mais fé nas novas gerações", porque a sociedade está "anestesiada".



A senhora está pessimista?



Já tem dois anos que estamos crescendo negativo, isso nunca aconteceu desde que estou aqui, desde 1954. É difícil não ficar pessimista hoje no Brasil. Tem alguém otimista que você conheça? Nem eu. Estão todos pessimistas e tendem a se encolher. Essa geração de jovens que faça paralisações, movamse. Tirando os jovens, estamos mal. Eu não gostaria nada de estar velha e pessimista, nada. É péssimo, queria uma velhice feliz, do jeito que está não estou tendo. O que me dá um certo alívio é que tem uma geração de jovens para entrar. O que está aí é um lixo.



Como engajar essa turma jovem?



Espero que ela se engaje, quanto mais não seja que por necessidade de autodefesa. O desemprego está grande, eles têm que começar a protestar, a se mexer de alguma maneira. Ou chegamos a um tal estado de inanição que não vai ter reação nenhuma agora. O pessoal me diz que o movimento secundarista está melhor. Além do PIB negativo, o que é o pior desta crise?



A classe política está muito ruim, o estado está com pouco espaço de manobra, as reformas que têm sido apresentadas no Congresso são todas conservadoras, desde a trabalhista até a previdenciária. Ninguém está apresentando uma reforma progressista. Crise política é muito ruim. Congresso muito conservador, empresariado muito desinteressado em ir para frente, fica no rame-rame, quer ganhar o dinheiro dele, o resto não interessa. Não tem nada que se assemelhe a um projeto nacional. Está muito desequilibrado o poder na sociedade. As forças da base da pirâmide estão muito enfraquecidas. A crise de 2008 não está superada, nem mesmo nos Estados Unidos. Não subiu a renda média do povo. Aquela crise foi braba. Como somos mais desiguais, sofremos mais. A senhora vê risco para democracia? Vejo, claro, já estamos vivendo uma espécie de "democradura". Estamos muito pouco democráticos, eu diria. Tem-se que usar a Lava-Jato para resolver os problemas. É muito mau sinal. Há aumento do desemprego, da violência, falta de perspectiva, falta de crescimento, acabou tudo, não temos mais um empresariado cosmopolita. Há uma crise do Estado, que vai da fiscal à política. Para se ter um Estado de direito, ele tem que funcionar. Quando o estado não está funcionando direito, a democracia fica inconclusa. Democracia não é um ato espontâneo da sociedade, tem que ter um Estado democrático que a proteja e a desenvolva. O problema é que as coisas não se encaminham para lugar algum e pode cair no autoritarismo. Sociedade democrática é uma sociedade que se move, um Estado que se move. Um Estado fraturado e uma sociedade imóvel podem dar em autoritarismo, tem sido essa a regra. Já foi assim na Europa, no pós-guerra, por causa da falta de reação democrática e da ineficiência do Estado. O que mais preocupa, nessa discussão de estilo, é que a solução mais fácil é a autoritária. Mas há alegações de que o Estado grande é um dos culpados da crise. Uma coisa que nunca aconteceu no Brasil desde que eu me lembre. Essa tese do Estado mínimo é recente. Como vamos sair dessa crise? Tenho mais fé nas novas gerações. Espero que a turma jovem reaja. Não é eleição que vai resolver. Temos tido eleições regularmente, nem por isso melhorou. Está cada vez pior. Esse Congresso que está aí é um dos piores de que tenho memória.



Há uma apatia geral...



Há um pessimismo generalizado, um desinteresse generalizado. Um Estado fraturado e uma sociedade anestesiada pela violência e o desemprego. Mas podemos chegar a uma situação em que a sociedade se decomponha de tal maneira que caminhemos para um movimento autoritário, o que seria horrível, mas não impossível. O senhora vê surgir lideranças? Tirando o Lula, o país continua sem liderança. Tem quadros brilhantes na oposição, mas não chegam a ser uma liderança. Nem na direita. Quando não tem liderança na direita, em geral, endurece. Quem fez a ditadura não foram as lideranças. Ou foram os militares ou a classe civil rica que deu o golpe. O mundo está ajudando? O mundo não está ajudando nada. É só olhar os Estados Unidos. Quando se imaginou eleger um presidente daqueles? É um escárnio. Você se lembra de algum presidente dos EUA tão ruim como esse? Não tem. O que é ruim, porque os EUA têm força política e ideológica no mundo. Como podemos melhorar a economia? Há alguns sinais de recuperação... Isso lá é recuperação? Dois anos negativos, e dizem que 0,2% é recuperação. Estamos mal, né? Foi uma crise profunda, desemprego maciço. Crise econômica não se resolve sozinha. O mercado não é deus ex machina. Sem o Estado e uma atuação política nada acontece. Somos o Brasil, a tradição é de intervencionismo mesmo. Não somos um país de tradição liberal. Se o Estado, que dirige os acontecimentos, não for reconstruído, não acontece nada. A sociedade está meio pasmada. Sempre fomos um país de Estado guiando as coisas, tanto na democracia quanto na ditadura.



A senhora tem dito que a financeirização é o maior problema.



Tinha que ter a eutanásia do rentista, como dizia (o economista britânico John Maynard) Keynes. Sem a eutanásia do rentista, o país não volta a crescer. O estado é que tem que diminuir os juros, ninguém vai diminuir os juros voluntariamente. O Banco Central tinha que operar e não está operando. Temos a taxa mais alta do mundo. Isso que está aí é um disparate. Nós somos o paraíso de rentista, e o rentista gosta de taxa de juro alta. Não tem explicação nenhuma para essa taxa. Os ricos daqui são rentistas, não são empresários. A queda recente não foi suficiente? Não tem inflação nenhuma. Quando (os juros) estavam em 14%, a inflação estava em 12%. Agora a inflação é zero. Para famílias pobres, isso é bom, desde que elas tenham emprego, naturalmente. Infelizmente, o emprego não acompanha. Continuamos o paraíso dos rentistas. Não é à toa que não temos fuga de capitais. Isso também porque a situação não está nenhuma maravilha no mundo. Os Estados Unidos não são mais a fonte de atração que eram. E tem muita liquidez no mundo. E as privatizações? Privatizar a Eletrobras é coisa de maluco. Vão fazer energia como, com carvão? É absurdo no estilo de energia que a gente tem, hidrelétrica, que não é privada em lugar nenhum do mundo.



O mundo desenvolvido passa por uma revolução tecnológica. Como estamos nesse cenário?



Estamos atrasados. Nunca fomos um país desenvolvido, mas agora somos francamente subdesenvolvidos. Corrida tecnológica sem crescimento é muito difícil. Essas coisas andam juntas. A senhora é contra as reformas. Fizeram a reforma trabalhista para desempregar mais rápido, sem respeitar direitos. Foi feita para isso, para cortar de vez a hipótese de subir salários.



Mas a reforma previdenciária não é necessária?



A que está aí é péssima. Não necessariamente (a reforma é necessária). A Previdência não era deficitária, está deficitária por causa do desemprego. Mas alegam haver privilégios... Quem fala isso é a direita. E a mídia, que naturalmente é porta-voz da direita.


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