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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 24-01-2018 - 07:12 -   Notícia original Link para notícia
Tensão pré-Lula no mercado

Para traçar estratégias, analistas buscam consultorias políticas e trocam fluxogramas



Preocupados com as minúcias judiciais que podem afetar o bolso dos investidores, agentes do mercado financeiro recorrem a advogados e consultorias políticas para projetar cenários. Eles acompanharão o julgamento de Lula em tempo real. A Bolsa caiu, e o dólar subiu. -RIO E SÃO PAULO- Vai ter transmissão ao vivo e ansiedade pelo placar, mas não tem nada a ver com Copa do Mundo. O julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje, em Porto Alegre, será acompanhado pelo mercado financeiro como se ocorresse na Rússia, tamanha é a expectativa com relação aos seus resultados. É a chamada Tensão Pré-Lula (TPL), que despertou cautela ontem entre investidores e fez o dólar subir 0,9%, encostando em R$ 3,24, e a Bolsa cair 1,22%, perdendo o patamar recorde da véspera. Bancos e corretoras, em sua maioria, apostam na condenação do petista e em sua inelegibilidade, mas sabem que minúcias judiciais podem levar a consequências inesperadas para seus bolsos. Para se preparar para o "evento", os agentes recorreram a advogados, consultores políticos disponíveis em tempo real, fluxogramas e até bolões.









A consultoria política Arko Advice tem recebido 30 ligações por dia de investidores interessados em informações sobre o julgamento e montou operação especial para mantê-los informados hoje, em tempo real, via e-mail e WhatsApp.





- O mercado está mais habituado ao processo político do que ao judicial, então surgem muito mais dúvidas - diz o vicepresidente da Arko, Cristiano Noronha, que vê os agentes do mercado preocupados com filigranas. - Perguntam coisas superespecíficas, como, por exemplo, se cabe embargo infringente no caso de uma divergência de pena, mesmo em condenação unânime, e quantos dias depois do acórdão esses embargos serão publicados. PARA 'FÃS DE SÉRIES DE TRIBUNAL' Outra consultoria, a Eurasia, fez ontem teleconferência com clientes, depois de distribuir, na véspera, nota ao mercado respondendo às principais dúvidas - o "Guia rápido para o julgamento de Lula". Esse guia ainda ressalta que será possível acompanhar o julgamento pelo canal do TRF-4 no YouTube. Os requisitos são falar português e ser "fã de séries de tribunal".





A Eurasia atribui projeções numéricas, mais palatáveis para investidores, aos possíveis desdobramentos do julgamento. Os analistas preveem que a condenação de Lula será confirmada hoje, "mas provavelmente com algum tipo de divergência, que permitirá a apresentação de embargos infringentes." Ainda assim, acreditam que esses recursos não serão suficientes para permitir a candidatura: para a Eurasia, as chances de o nome de Lula estar nas urnas estão entre 30% e 40%. Caso o petista consiga se candidatar, a consultoria vê 30% de chances de vitória.





Já os operadores consideram que as minúcias jurídicas ficam mais claras na forma de fluxogramas, no estilo chaves da Copa, que mostram as "fases" de Lula, com dois resultados possíveis: elegível ou inelegível. Circula entre agentes de bancos e corretoras, via WhatsApp, um desses fluxogramas, elaborado pela Garde Asset.





Enquanto roem as unhas, os operadores se protegem com o que têm em mãos - quase sempre derivativos. Tem crescido a busca por contratos de opções de venda, que limitam eventuais prejuízos em caso de desvalorização intensa.





- É uma semana em que o cara que opera compra seguro para se proteger, o que sai mais barato do que vender a posição e esperar - diz Rodrigo Marcatti, da Veedha Investimentos.





Para aliviar a tensão, o mercado financeiro recorre aos bolões. No caso do julgamento de Lula, porém, observa Marcatti, cerca de 90% dos apostadores preveem que Lula será condenado, o que dificulta ganhos substanciais para os acertadores.





- Fizemos um bolão sobre o placar da derrota de Lula: 3x0 ou 2x1. O mercado acredita em 3x0, porque isso inviabilizaria a candidatura Lula. Já o placar de 2x1 abre espaço para contestações - conta o chefe de uma corretora.





Americana nascida no Brasil, a analista financeira Bianca Taylor tem penado no que chama de "missão impossível": explicar para seus colegas em Boston o que está acontecendo com Lula e a corrida eleitoral. Ela coordena a unidade de investimentos para América Latina da Loomis Sayles, que administra US$ 268,1 bilhões. A tarefa tem exigido contato com analistas políticos, além de viagens a Brasília.





- Falei com muita gente, e o assunto do julgamento do Lula surgiu em todas essas conversas - conta Bianca. - Também falamos muito com advogados. Aliás, temos tido que falar mais com eles do que com os próprios políticos.





Mesmo para instituições que focam em investimentos de longo prazo, o julgamento domina as atenções.





- Temos de conversar com consultores políticos e advogados. Infelizmente, isso virou praxe para se investir na América Latina - explica William Landers, gestor dos fundos da BlackRock, gigante que gere US$ 6 trilhões globalmente.





A expectativa é que a Bolsa devolva um pouco dos ganhos das últimas semanas se o placar for 2x1 ou, em cenário totalmente inesperado, se Lula for absolvido. Este ano, o Ibovespa já bateu dez recordes, tendo ultrapassado os 81 mil pontos na esteira do bom humor internacional. Mas Landers observa que, a despeito do veredito de hoje, a perspectiva continua positiva para a Bolsa, devido à melhora da economia e à queda dos juros. Já o economistachefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, observa que, mesmo se a condenação não for unânime, não haverá grande efeito no mercado.





- Se o placar for de 2x1 e o mercado azedar, representará uma boa oportunidade de compra para os investidores. Mas, a verdade é que, ainda que eu ficasse chocado com uma absolvição, isso não significaria que o Lula teria mais chances de ganhar nas urnas - diz Landers.





O advogado Alberto Rollo, especializado em direito eleitoral, fez teleconferência esta semana com uma grande corretora sobre o julgamento:





- Mais do que qualquer resultado, é preciso demonstrar que as instituições brasileiras estão funcionando.





'SEMPRE TEM ESSA HISTÓRIA'









-DAVOS (SUÍÇA)- Presente à reunião do Fórum Econômico Mundial (WEF, pela sigla em inglês), o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi indagado por repórteres se é comum investidores perguntarem sobre sua possível candidatura à Presidência. Com ar descontraído, Meirelles respondeu:





- Isso aí é recorrente, é sempre. Sempre tem essa história. Chega alguém, vem um outro, pergunta um outro. Eu digo que estou 100% focado na economia e que no começo de abril eu vou definir o assunto.





Mas, ao ser perguntado sobre compor uma chapa como vice, sua resposta foi um sucinto "de jeito nenhum".





A investidores estrangeiros, o ministro assegurou que a economia brasileira está preparada para enfrentar os impactos decorrentes da elevação da taxa básica de juros nos Estados Unidos. A alta dos juros na maior economia do mundo levaria investidores a retirarem recursos de ativos de risco, como os de países emergentes, Brasil inclusive. Meirelles ressaltou ainda que as contas externas estão equilibradas e que o volume de Investimento Estrangeiro Direto (IED) está bem acima do déficit em conta corrente, o que significa que o país tem condições se financiar.





Meirelles disse ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve crescer 3% este ano - mesmo número citado pelo presidente Michel Temer, que também foi para o WEF. Para 2017, cujo dado ainda não divulgado, a estimativa é de alta de 1%. O ministro afirmou ainda que as contas deste ano estão garantidas. (Martha Beck, enviada especial)





'O mercado não trabalha com crise institucional



Para economista, investidores se preocupam mais com equipe econômica dos candidatos que com os nomes em si. E reforma da Previdência, só em 2019



MARTHA BECK



Enviada especial -DAVOS (SUÍÇA)-



Mais do que no julgamento envolvendo o futuro político do ex-presidente Lula, os investidores estão interessados em quem são os economistas por trás dos candidatos à Presidência. A avaliação é do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, que participa do Fórum Econômico Mundial de Davos. Ele avalia que a reforma da Previdência deve ser aprovada em 2019 e que o Brasil deve levar entre cinco a sete anos para recuperar o grau de investimento (selo de bom pagador das agências de classificação de risco).



Como as eleições entram na percepção dos investidores em relação ao Brasil? O julgamento do recurso de Lula hoje terá impacto?



Acho que não define o cenário. O quadro político vai seguir com incerteza. A economia tende a ser algo que vai favorecer as forças políticas próximas ao governo, mas não será uma economia tão forte que vai sozinha definir a eleição. A avaliação que os investidores fazem dos candidatos é baseada em dois critérios. Primeiro, qual é a equipe econômica que esse candidato pode vir a ter, e o que pensa essa equipe econômica. Também pesa a capacidade de formular e aprovar políticas no Congresso. A melhor equipe econômica do mundo sem apoio no Congresso não consegue muita coisa. E muito apoio do Congresso com ideias erradas também não leva a resultados econômicos bons. Tudo isso é mais importante do que a cabeça de chapa.



Mas não há temor com um processo eleitoral no qual um candidato impossibilitado de tomar posse seja eleito?



O mercado não trabalha com crise institucional. A configuração de preços de ativos hoje, com CDS (risco-país) a 150 pontos e o dólar a R$ 3,10, R$ 3,20, não é compatível com uma crise institucional. Se isso acontecer, os preços de ativos serão outros.



Qual é o seu cenário para a aprovação da reforma da Previdência?



Contamos com a aprovação da reforma em 2019.



Vocês apostam em reforma para qualquer governo que seja eleito?



Reforma da Previdência é uma questão inevitável, é uma questão de tempo. Ou fazemos um ajuste ordenado agora, ou teremos um ajuste desordenado como o do Rio. Na Previdência, não existe benefício definido. Ele só se mantém enquanto a instituição mantenedora é solvente. Se ela é insolvente, o benefício que você acha que é definido, você pode não receber.



Quando o senhor acha que o Brasil retoma o grau de investimento?



Acho que vai demorar. Em geral, os países demoram de cinco a sete anos. Ainda mais que passamos muito pouco tempo como grau de investimento.



Qual é a maior fragilidade do Brasil hoje?



O fiscal. A economia está melhorando, mas o déficit nominal ainda está na casa de 7% ou 8% do PIB.



Qual sua projeção para o crescimento da economia em 2018? Há riscos?





Está em 3%. O crescimento vai ocorrer desde que o mercado continue acreditando que o problema fiscal será enfrentado pelo governo eleito em 2019. Se o mercado perder a confiança nisso, aí o comportamento dos ativos fica mais adverso.


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