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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 20-01-2018 - 08:29 -   Notícia original Link para notícia
Novo estatuto da Caixa irrita políticos aliados

Parlamentares da base veem tentativa de 'demonizar' indicações



A aprovação do novo estatuto da Caixa, que impõe regras mais rigorosas para a seleção de executivos e impede que Temer indique os vice-presidentes do banco, foi alvo de críticas de políticos da base aliada. Para analistas, a mudança de regras ajuda, mas não resolve o problema da ingerência. Políticos da base aliada do governo ficaram irritados com o novo estatuto aprovado ontem pela Caixa Econômica Federal, cuja principal medida é o fim da prerrogativa do presidente da República de escolher ou exonerar os vice-presidentes da instituição. Parlamentares de vários partidos governistas no Congresso chegaram a afirmar que essa medida não será capaz de pôr fim às indicações políticas para os cargos de gestão do banco.





JORGE WILLIAM



Condições. A sede da Caixa, em Brasília: vice-presidentes terão de ter reputação ilibada e notório conhecimento técnico



A aprovação do novo estatuto, que estava sendo elaborado e discutido há cerca de um ano, ocorre em um momento delicado para a instituição financeira, que foi pressionada pelo Ministério Público a afastar 12 vice-presidentes do banco. O presidente Michel Temer tentou evitar, mas, diante da pressão dos procuradores e do próprio Banco Central (BC), optou por tirar temporariamente do cargo quatro vice-presidentes, que estão sendo investigados por corrupção.



Os vice-presidentes passarão a ser escolhidos e destituídos pelo Conselho de Administração, mas a decisão final caberá ao BC. Além das exigências atuais, como reputação ilibada e notório conhecimento técnico compatível com o cargo, foram acrescentados novos critérios para a escolha de dirigentes, como metas e resultados.



A Caixa sempre foi alvo da cobiça de políticos e teve cargos disputados. Com orçamento bilionário e grande capilaridade, com presença em todo o país, é responsável por investimentos estratégicos, atua na habitação e é o agente responsável pelos recursos do FGTS. Ao contrário de outras estatais, como Eletrobras e Petrobras, que passaram a ser comandadas por executivos com perfil técnico, a Caixa continuou a abrigar indicados políticos.



O próprio Temer teria desabafado com aliados em relação ao caso da Caixa. Segundo interlocutores, o presidente disse que esse cerco poderá afetar a imagem do banco estatal.



- Ele reclamou que querem satanizar a Caixa, desmoralizar as instituições - contou um aliado.



O deputado Arthur Lira (AL), líder do PP - partido ao qual é ligado o presidente da Caixa, Gilberto Occhi -, também adotou o discurso de que a equipe econômica está querendo "demonizar" as indicações políticas dentro do governo. Ele disse que aqueles que cometerem erros devem ser afastados e sair, mas que o assunto deveria se encerrar aí, ou seja, para o deputado, estaria havendo exagero em relação à Caixa:



- A Fazenda e o Banco Central estão na estratégia de tomar a Caixa para si, e acho que não é por aí. Occhi é funcionário da Caixa há 40 anos. E se houver condutas erradas desses afastados, eles vão sair.



O líder do PR na Câmara, deputado José Rocha (BA), disse que não é porque um político faz uma indicação que a pessoa sugerida não tem capacidade técnica de assumir uma função.



- A questão não é indicação política, e sim a pessoa certa para o cargo certo. O certo são as pessoas terem os requisitos exigidos para ocupar a função. Não se deve ter esse tipo de preconceito.



Já Lira, do PP, chegou a alfinetar o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por suas críticas às indicações políticas em todas as áreas, e não apenas na Caixa. Lira ironizou, dizendo que Meirelles não fez concurso para ser ministro nem foi indicado por conselho.



O Palácio do Planalto sabe que os partidos querem continuar tendo influência e indicando nomes para os cargos, como é habitual em governos de coalizão. Os partidos estão irritados com o que consideram intromissão excessiva do Ministério Público e do Judiciário nas ações de governo. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), verbalizou isso na quinta-feira, ao reclamar da "interferência brutal" da Procuradoria e do Judiciário nas decisões do presidente da República.



- O presidente teve que afastar (os quatro vices da Caixa) porque não queria mais colocar o dedo nessas nomeações. Mas os partidos vão continuar indicando nomes para o governo - resumiu outro aliado.



JULGAMENTO DE DOIS VICES JÁ TEM DATA



O novo estatuto aumentou de dois para nove os artigos que falam sobre as proibições para executivos da Caixa. Até ontem, apenas condenados (com decisão transitada em julgado) por crime falimentar, sonegação fiscal, prevaricação, corrupção ativa ou passiva, concussão, peculato, contra a economia popular, contra a propriedade ou contra o Sistema Financeiro Nacional, e aqueles condenados a pena criminal que vede o acesso a cargos públicos não poderiam estar nos órgãos superiores do banco. Ainda havia restrição para os inabilitados pelo BC ou outros órgãos de controle.



Agora, não pode haver a indicação de parente até o terceiro grau, cônjuge, companheiro ou sócio de membro do Conselho de Administração, da Diretoria e do Conselho Fiscal; devedores da Caixa; sócio de empresa que deva ao banco; quem tenha emitido cheque sem fundo ou tenha outras pendências de cobrança; declarados falidos ou insolventes; sócios ou executivos de empresas que sejam fornecedoras ou clientes da Caixa; e sócios de empresa em recuperação judicial, concordatária, falida ou insolvente no período de cinco anos anteriores à eleição e nomeação.



Depois da instalação da assembleia, que terá plenos poderes para decidir sobre fusões e aquisições, remuneração de executivos e até indicar os membros do Conselho de Administração, este deve voltar a se reunir na terça-feira. É a data em que o processo de seleção de novos vice-presidentes deve ser iniciado.



A Comissão de Ética da Presidência (CEP) vai se reunir, no próximo dia 29, para julgar dois processos que investigam Antônio Carlos Ferreira e Deusdina dos Reis Pereira, dois dos vice-presidentes da Caixa afastados.



- Houve apresentação da defesa, instrução do processo, coleta de provas. Esses dois casos terão julgamento final do processo ético - disse o presidente do colegiado, Mauro Menezes.



'O estatuto ajuda, mas não resolve o problema da ingerência governamental'



Estatais têm de atender aos interesses do Estado, não de um governo, diz professor do Insper, que defende ainda atuação conjunta de sociedade, imprensa e órgãos públicos para coibir a corrupção



O novo estatuto da Caixa prevê que o presidente da República não poderá mais indicar os vice-presidentes da instituição. De que forma isso muda a gestão do banco?



Fica mais difícil para o presidente encontrar políticos que se enquadrem nos critérios estabelecidos, e isso traz um certo alívio, porque as indicações não podem ser mais tão escancaradas. A Caixa tem um histórico de indicações políticas com propósitos desonestos, e o estatuto ajuda, mas não resolve o problema da ingerência governamental. Todas as estatais continuam a sofrer interferência do governo. Algumas conseguiram se desenvolver em uma direção mais interessante, como a Petrobras, por exemplo. A petroleira conseguiu criar uma direção focada em eficiência. Além disso, como ela é listada na Bolsa de Valores, passa por mais monitoramento e está sujeita a penalizações. Tudo isso ajuda. Mas essa não é a regra. Como coibir essa intervenção? Há uma diferença entre uma empresa do governo, com interesses particulares, e uma empresa do Estado, com interesses públicos. É preciso que as estatais se alinhem aos interesses do Estado, e não do governo. Estamos nessa situação de dívida pública crescente, ineficácia de políticas e percepção de incerteza na economia em razão das intervenções nos últimos anos. Em 2016, a Lei das Estatais já havia sido implementada com esse propósito...



Sim, mas também não foi suficiente. Assim como esse estatuto, a Lei das Estatais é um passo, porque coloca mais critérios de indicação para o conselho, além de estipular uma cota mínima de conselheiros independentes. Mas o problema da corrupção não é resolvido só com a Lei das Estatais, só com o novo estatuto ou então só com a Lava-Jato. Separadas, essas medidas não funcionam. O que é preciso, então? É preciso que um conjunto de fatores, principalmente de fiscalização, ocorra em sincronia, a fim de criar uma nova disciplina e evitar a corrupção. O governo, no âmbito do Ministério da Fazenda, tem de monitorar melhor os fluxos financeiros envolvendo a Caixa, para que as negociações ocorram com mais transparência. É preciso também que sociedade, imprensa, Tribunal de Contas da União, o Ministério Público, e até a própria polícia atuem juntos para fiscalizar e coibir a corrupção.



Em relação ao empréstimo de R$ 15 bilhões do FGTS à Caixa: a mudança do estatuto é suficiente para garantir o acordo?



Definitivamente não. A pressão é muito forte para que o empréstimo não saia. Por outro lado, o governo Temer tem uma base patrimonialista muito complicada. Já começaram as chantagens sobre a reforma da Previdência: sem indicação na Caixa, sem votação. Mas é preciso questionar esses políticos: qual seria a motivação para trocar apoio à reforma por influência no banco?


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