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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 09-01-2018 - 06:35 -   Notícia original Link para notícia
Mudança adiada

Governo decide deixar discussão sobre regra fiscal para depois da reforma da Previdência



Diante da repercussão negativa provocada pela notícia de que a equipe econômica estaria estudando uma flexibilização da regra de ouro - que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como folha de salários - o presidente Michel Temer decidiu adiar o debate. Logo pela manhã, ele convocou a equipe econômica e mandou os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, darem dois recados ao mercado. O primeiro deles é que nada será discutido antes da reforma da Previdência. E o segundo é que qualquer mudança não envolverá uma simples suspensão da regra de ouro. Será preciso criar um mecanismo de ajuste automático nos gastos públicos quando a norma, que está prevista na Constituição, for descumprida. Com isso, o Palácio do Planalto espera acalmar investidores que ficaram preocupados com a gestão das contas públicas.



REUTERS/UESLEI MARCELINOSem flexibilização. Os ministros Henrique Meirelles (à esquerda) e Dyogo Oliveira disseram que não há qualquer risco de descumprimento da regra de ouro em 2018



- A orientação do presidente confirma aquilo que já tínhamos adiantado, que não deve haver flexibilização ou suspensão pura e simples. O que podemos estudar, no momento adequado, são regras de autoajustamento, como, por exemplo, o que já foi colocado pelo teto de gastos. Acionamento automático de mecanismos ajustáveis - disse Meirelles em entrevista convocada depois da reunião com o presidente.



Ele destacou que não há qualquer risco de descumprimento da regra em 2018 e que o foco agora tem que ser de trabalho pela aprovação da reforma da Previdência. Já o ministro do Planejamento destacou que a dificuldade do governo para honrar a regra ocorre justamente porque o país tem despesas obrigatórias muito elevadas, especialmente com o pagamento de aposentadorias. MAL-ESTAR ENTRE MEIRELLES E MAIA A Constituição prevê que as operações de crédito do governo não podem ser maiores que as despesas com investimentos. Isso serve justamente para que o governo não emita dívida para pagar despesas correntes. O problema é que a crise fiscal gerou um quadro em que o governo tem endividamento e gastos correntes elevados e investimentos baixos.



- O que achamos é que (mudar a regra de ouro) não é uma discussão adequada para este momento. Agora, nós estamos focados na Previdência - disse Meirelles.



Oliveira lembrou que a discussão deve ser retomada este ano por causa do Orçamento de 2019:



- O que afeta a regra de ouro é o fato de que o nosso déficit fiscal é gerado pelo déficit da Previdência. O que temos que fazer é tratar da maior despesa do governo, que é a despesa com Previdência. É isso que ajuda a resolver o problema da regra de ouro.



A reunião de Temer com a equipe econômica também foi uma forma de colocar panos quentes sobre o mal-estar que a discussão fiscal gerou entre Meirelles e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ambos interessados em disputar as eleições para presidente. Na semana passada, a equipe econômica chegou a começar a discutir ajustes na regra de ouro na casa de Maia com o deputado Pedro Paulo (PMDB-RJ), que trabalha numa Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reduzir o engessamento do Orçamento no país.



No entanto, logo em seguida, Meirelles disse que o ideal não seria flexibilizar a regra. Maia interpretou isso como uma tentativa da equipe econômica de jogar o assunto no colo do Congresso e afirmou publicamente que, diante disso, não colocaria nenhuma alteração na regra de ouro em votação no Congresso.



Durante a entrevista ontem, Meirelles tentou afastar a ideia de que a equipe econômica está em conflito com o Congresso:



- Não me parece que existam divergências. (...) A definição da pauta é do presidente da Câmara.



Já Maia, perguntado se estaria orientando Pedro Paulo a não incluir a regra de ouro em sua PEC, afirmou que o tema jamais esteve na proposta de emenda à Constituição:



- Nunca esteve. Foi coisa da equipe econômica. Como eles estão divididos, vamos tratar da PEC das despesas obrigatórias. DESEQUILÍBRIO DE ATÉ R$ 200 BI EM 2019 O ministro do Planejamento explicou que o governo precisa debater a regra de ouro porque ela corre o risco de ser descumprida a partir de 2019. Segundo Oliveira, o desequilíbrio previsto no Orçamento do ano que vem está estimado entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões. Sem algum tipo de ajuste, o governo teria que encaminhar projeto de lei ao Congresso prevendo um corte de gastos nesse valor, sendo que isso é impossível. As despesas passíveis de contingenciamento (discricionárias) estão pouco acima de R$ 100 bilhões.



- Se você cortar toda a despesa discricionária do governo, ela é um pouco maior que R$ 100 bilhões. Se a gente cortasse tudo, ainda assim, não seria a solução - disse Oliveira.



Meirelles e Dyogo asseguraram que não há risco de descumprimento da regra de ouro em 2018, pois o governo já negociou com o BNDES a devolução de R$ 130 bilhões ao Tesouro. Esses recursos serão usados para reduzir o rombo nas contas públicas.



Diante do risco para o ano que vem, Temer pediu à equipe econômica que encontre alternativas para quando for enviado ao Congresso o Orçamento de 2019, o que tem de acontecer em agosto. Segundo interlocutores do Planalto, embora a equipe econômica tenha começado a debater o assunto com Pedro Paulo, Temer ainda não havia se posicionado sobre o assunto.



- Essa especulação sobre a regra de ouro começou sem que Temer tivesse fechado uma posição. Por conta disso, ele chamou uma reunião e pediu que a equipe econômica estude uma alternativa para cumprir o Orçamento de 2019, mas sem flexibilizar a regra - disse um aliado do presidente.



Apesar do otimismo da equipe econômica em relação ao fechamento das contas de 2018, Pedro Paulo alertou que o adiamento do debate sobre a regra de ouro vai obrigar o governo a tomar medidas amargas ainda este ano. Segundo ele, não haverá problemas apenas em 2019.



- O ano de 2017 foi fechado com muita dificuldade, e este ano não será diferente. Do total do Orçamento, só 9,5% são despesas discricionárias, o resto é obrigatório. E não adianta dizer que o problema está resolvido porque o BNDES vai repassar R$ 130 bilhões ao Tesouro. Há um furo de R$ 182 bilhões - afirmou o deputado.



Meirelles também disse ontem que, apesar de o país ter três âncoras fiscais (teto de gastos, meta de resultado primário e regra de ouro), não se pode abrir mão de nenhuma delas:



- As três âncoras são importantes. A regra de ouro basicamente estabelece limites para o crescimento da dívida, mas não é específica em relação às despesas. Para isso, existe o teto. E a meta de primário é um resultado para o ano.



O QUE DETERMINA A REGRA DE OURO



-BRASÍLIA- A regra de ouro está prevista na Constituição Federal e determina que as operações de crédito da União não podem ser maiores que as despesas de capital (essencialmente investimentos). Isso serve para evitar que o governo aumente sua dívida para pagar despesas correntes, como folha de salários e serviços como luz e telefone de órgãos públicos. Quando a regra é descumprida, os gestores e o presidente da República podem ser enquadrados em crime de responsabilidade, o que poderia ser usado para pedido de impeachment.



A regra de ouro serve também para melhorar a qualidade do gasto público. O governo pode aumentar suas despesas desde que seja com investimento. Já para as despesas correntes, ela funciona como uma trava. Para especialistas, o formato faz com que o governo não possa jogar para gerações futuras o compromisso de arcar com despesas correntes.



É umas das três âncoras fiscais em vigor, ou seja, regras que o governo deve obedecer para equilibrar as contas e estabilizar a dívida do país. As outras são o teto de gastos (pelo qual as despesas primárias não podem crescer acima da inflação do ano anterior) e a meta de resultado primário, obtida pela diferença entre receitas e despesas primárias. Quando a diferença resulta numa sobra de recursos (superávit), é usada para abater juros da dívida pública.



'Sem ajuste, 2019 pode ter apagão de serviço público'



Para especialista, debate sobre medida só reforça urgência de votar alterações na aposentadoria



Como vê a mudança do governo em relação à flexibilização da regra de ouro?



O que se discute é que não faz sentido flexibilizar a regra de ouro sem punição. A ideia do Meirelles é flexibilizar a regra de ouro e, cada vez que ela fosse flexibilizada, despesas obrigatórias deixariam de ser obrigatórias. Não sei até que ponto é boa, mas talvez seja viável. O risco dessa proposta é dizer que vai se comprometer e, na hora, acabar não conseguindo cumprir. Acontece a mesma coisa com a PEC do teto de gastos, que pode não ser cumprida em 2019. É importante lembrar que pode até flexibilizar a regra como uma maneira de garantir que a coisa não vai explodir, mas tem o gasto previdenciário, que é uma bomba-relógio.



A devolução dos R$ 130 bilhões do BNDES resolve o problema?



Vai dar uma folga, porque isso permite abater dívidas e com isso ganhar fôlego para a regra de ouro. É uma receita que financia uma despesa. Mas depois não tem. O problema começa em 2019.



Que alternativas o governo tem sem flexibilizar a regra?



A alternativa é fazer uso do caixa único do Tesouro, o que o governo já tem feito. Uma parte dessa conta é dinheiro carimbado, mas uma parte significativa é formada por recursos que o governo pode usar para abater a dívida pública em determinados momentos e eventualmente pagar despesas correntes. Se o governo está tão preocupado com 2019 e quer flexibilizar a regra de ouro é porque, provavelmente, os recursos disponíveis hoje não serão suficientes para pagar a despesa corrente.



Se esses recursos também estão no fim, o que pode acontecer em 2019?



Sem isso, pode ter apagão dos serviços públicos e começar a não pagar aposentados, por exemplo, como a gente já começou a ver nos estados. (A prioridade) é cumprir a regra de ouro, que está na Constituição. Se não tem dinheiro, não tem.



Como esse debate afeta a questão da reforma da Previdência?



Coloca mais premência sobre a necessidade de votar a reforma. Não é a reforma do Temer, é da sociedade. É impossível o país viver assim. No Brasil, temos regras previdenciárias que são um ponto fora da curva no mundo.


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