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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 01-01-2018 - 06:50 -   Notícia original Link para notícia
EUA de volta à dianteira

País deve crescer até 2,6% em 2018, mas estímulo ao PIB com corte de impostos pode ter fôlego curto









Depois de aprovar a maior reforma tributária em 30 anos e promover uma série de desregulamentações na economia americana, o governo de Donald Trump se prepara para ocupar um papel de liderança no crescimento global em 2018. Analistas estimam que os Estados Unidos devem crescer até 2,6% este ano, o que deve colocar o país na dianteira entre as economias avançadas. Especialistas alertam, porém, que essa injeção de ânimo no Produto Interno Bruto (PIB) por meio do corte de impostos terá fôlego curto. De um lado, vai estimular as empresas a ampliarem os investimentos, mas, de outro, deve elevar a dívida pública do país - na prática, forçando uma alta maior da taxa de juros, o que funciona como um freio para a expansão da atividade econômica. Afinal, será preciso pagar juros mais altos para que os títulos da dívida americana continuem atraentes após o aumento do déficit fiscal causado pela redução de impostos.









MARK LENNIHAN/AP/19-12-2017Controvérsia. Protesto contra a reforma, em Washington: crítica a cortes na saúde e a benefícios aos mais ricos









Nos próximos dez anos, segundo estimativa do Comitê Conjunto de Impostos (órgão técnico que assessora o Congresso americano), a reforma tributária vai elevar o crescimento econômico em 0,7 ponto percentual. Mas pesquisadores da Brooking Institution estimam que o impacto do crescimento (pela reforma) será ainda menor, devido à expansão das taxas de juros induzidas pelo aumento extra dos déficits fiscais, em US$ 1,5 trilhão.









- Como os brasileiros sabem, muita dívida pública pode ser um problema. Nos EUA, a previsão já era de aumento da dívida de 77% do PIB em 2016 para 91% em 2027. Com a reforma tributária, estima-se que ela chegue a 95% do PIB em dez anos - afirma William R. Cline, sócio sênior do Peterson Institute, uma das mais conceituadas instituições de estudo sobre a economia mundial.









CONSUMO VOLTA A SER O MOTOR DA EXPANSÃO









Mesmo considerando os aspectos controversos da reforma - como o potencial de ampliação do déficit público e o foco nos benefícios aos mais ricos -, ela deve contribuir para um crescimento maior do PIB, justamente no momento em que os países ricos começam a remover estímulos à economia concedidos após a crise global de 2008. Outro componente que deve ajudar os EUA a aproveitarem os benefícios da expansão econômica a curto prazo é o comportamento do mercado de trabalho. Em que pesem as críticas de que o país só cria vagas de baixa remuneração, a economia dos EUA está perto do pleno emprego. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estima que a taxa de desemprego ficará em 3,9% em 2018, bem abaixo do pico de 10% alcançado no auge da crise global.









Com mais emprego, o consumo volta a se destacar como motor da expansão da atividade econômica. Para Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco Mundial para o Brasil, o crescimento é puxado pelo consumo das famílias. A questão é que esses gastos estão se expandindo além do que suportariam os modestos aumentos reais de salários, impulsionados em grande parte pela redução generalizada dos preços da energia nos EUA. Canuto avalia que a reforma tributária pode acelerar a expansão a curto prazo, mas há dúvidas em relação ao impacto que ela terá no futuro.









- Projeta-se uma queda para taxas de crescimento levemente abaixo de 2% ao ano a partir de 2019. Como resultado da reforma tributária em futuro próximo, pode-se esperar mais aceleração da demanda agregada. O efeito duradouro vai depender da extensão em que os ganhos empresariais se traduzirem efetivamente em mais gastos com investimento, bem como das reações do Fed. É provável que um soluço para cima no futuro imediato tenha de ser acompanhado por suspiro mais profundo adiante - diz Canuto









As incertezas quanto aos efeitos futuros da mais ousada mudança no sistema tributário americano desde 1986 vão muito além das estatísticas de economistas para o desempenho das contas públicas. Há risco de que ela afete diretamente as condições de vida dos americanos, com a possibilidade de que o país reduza seus investimentos na seguridade social. O projeto aprovado pelo Congresso contém um item que revoga a exigência de que todos os americanos tenham seguro de saúde, sob pena de arcar com impostos. Essa regra era considerada um pilar do Obamacare, a revisão do sistema de saúde aprovada no governo do democrata Barack Obama.









- Para os EUA, a alta dívida pública poderia limitar o alcance do país para responder a uma recessão futura. Há também risco de que a desigualdade possa aumentar substancialmente caso o Congresso use o déficit como motivo para reduzir os gastos com a rede de segurança social - afirma Cline, do Peterson Institute. AUMENTAR A PRODUTIVIDADE É DESAFIO A previsão de que a injeção de ânimo na economia americana terá efeito de curto prazo conta ainda com um argumento estrutural: a demografia. De 1980 a 2000, a força de trabalho cresceu 1,4% ao ano. Mas, no período de 2000 a 2017, a expansão desacelerou, ficando em apenas 0,8% ao ano. Com a queda na taxa de natalidade, o Escritório de Orçamento do Congresso projeta que a força de trabalho crescerá só 0,5% ao ano na próxima década. Dessa forma, para pavimentar uma expansão do PIB perto de 3%, conforme a meta prometida por Trump, o país teria de aumentar sua produtividade num patamar muito acima do registrado nas últimas duas décadas. Essa perspectiva, porém, não está no radar de nenhum analista para os próximos dez anos.









Parte dos economistas acredita que o impulso previsto para a economia americana em 2018 não será motivado pela reforma.









- Acredito que o impacto da reforma tributária será marginal, não acredito em uma grande alteração - afirma Jeffrey Wright, do Eurasia Group, maior consultoria global de negócios, que também critica o impacto fiscal do projeto.









Divergências de diagnóstico à parte, o crescimento previsto para os EUA em 2018 será superior ao estimado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para zona do euro (1,9%), Reino Unido (1,5%) ou Japão (0,6%). A chave para saber se essa meta será alcançada está no impacto que a redução de impostos e as políticas de desregulamentação - como o fim da neutralidade de rede na internet ou as regras mais flexíveis para os setores de mídia e financeiro - terá nos investimentos das empresas.









- Dado o ritmo lento da expansão da força de trabalho, atingir um crescimento sustentado de 3% do PIB provavelmente exigirá um boom de investimentos comparável ao do fim da década de 1990, o que não projetamos neste momento. E a desregulamentação financeira poderia contribuir para a volta de excessos, comprometendo a estabilidade dos mercados - avalia Daniil Manaenkov, economista da Universidade de Michigan.









Crescimento da economia americana terá impacto no Brasil









Mudança nos EUA traz desafios a regime tributário do país e a exportações





Questões internas, como a evolução das reformas e as eleições de novembro, serão determinantes para a evolução da economia brasileira nos próximos anos. Mas as mudanças nos Estados Unidos, a maior economia do planeta, devem ter repercussões no Brasil. Por um lado, indicam analistas, a aceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) americano pode gerar oportunidades para o Brasil. De outro, um eventual aumento da taxa básica de juros americana, como forma de compensar o aumento do déficit fiscal decorrente do corte de impostos de Donald Trump, poderá criar dificuldades para a economia brasileira.





SAUL LOEB/AFP/20-12-2017Sinal amarelo. Trump (centro), presidente dos EUA, fala após aprovação da reforma: protecionismo americano pode afetar comércio exterior brasileiro





Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco Mundial para o Brasil, afirma que um dos riscos é que o presidente Trump, na tentativa de turbinar o desempenho da economia americana, tome medidas que forcem um crescimento elevado, mas sem sustentação. Isso poderia ter um impacto direto na estabilidade global, afetando o Brasil.





- Um eventual superaquecimento da economia dos Estados Unidos será transmitido ao resto do mundo. No caso brasileiro, a evolução da política monetária e dos juros de longo prazo tende a ser o principal canal de transmissão (desse impacto) - explica. TRIBUTAÇÃO DE EMPRESAS NA MIRA Canuto lembra ainda que a reforma fiscal americana trará desafios ao regime tributário brasileiro. A redução da alíquota de Imposto de Renda para as empresas dos Estados Unidos, de 35% para 21%, já a partir de 2018, aproximará o país do patamar das demais economias de peso no mundo.





- Tudo isso em um contexto em que países como França, Alemanha, Reino Unido, México, Coreia do Sul e outros vêm rebaixando suas alíquotas. Além disso, os EUA passarão a adotar o princípio da territorialidade, reduzindo a atratividade de localizar os lucros corporativos fora do país. Como o Brasil tem alíquotas de Imposto de Renda de empresas acima de 30% para lucros dentro e fora do país, mais um complexo item deverá ser adicionado à já carregada agenda de discussões quanto a reformas tributárias - afirma Canuto.





William R. Cline, sócio sênior do Peterson Institute, lembra que a economia dos EUA continua sendo fundamental para o crescimento dos mercados mundiais e, portanto, para o avanço das exportações brasileiras. Lembrando que é importante evitar choques externos, ele afirma que o discurso protecionista de Trump pode acabar anulando ou revertendo um eventual bom momento para as exportações do Brasil.





- Minha percepção é que, apesar dos efeitos do déficit na conta fiscal, as perspectivas são de um ritmo relativamente moderado e estável dos aumentos das taxas de juros dos EUA, dada a inflação relativamente baixa. Existe algum risco de o governo Trump avançar para um maior protecionismo frente às importações - explica Cline.





Ele acredita que o dólar pode se valorizar entre 2% e 5% como consequência dos cortes de impostos, o que elevaria o déficit comercial, possivelmente em até 0,7% do PIB.





- Isso pode levar Trump a culpar comércio estrangeiro injusto. Mas a principal perspectiva é para um impacto relativamente benigno no Brasil e em outras economias de mercado emergentes - ressalta.


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