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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 24-12-2017 - 08:41 -   Notícia original Link para notícia
Desperdício de talentos

Apesar da lei, só 310 mil jovens aprendizes foram contratados este ano, um terço do potencial



Enquanto o Brasil vê crescer o número de jovens que não trabalham nem estudam - os chamados "nem-nem" -, dados do Ministério do Trabalho mostram que o programa Jovem Aprendiz, que poderia ajudar a reverter esse quadro, ainda está longe de alcançar seu potencial. Entre janeiro e setembro, 310,9 mil aprendizes foram contratados no país. O contingente é maior que o registrado há uma década, quando o país tinha cerca de 100 mil contratos do tipo, mas é equivalente a um terço das 939,7 mil vagas que poderiam ter sido abertas, se todas as empresas que são obrigadas a preencher uma cota mínima para esse tipo de trabalho cumprissem a legislação. Falta de fiscalização e de incentivo e dificuldades de adaptação das empresas aos programas de aprendizagem estão entre os fatores destacados por especialistas para a baixa adesão.



FABIO GUIMARAESEfeito na educação. João Pedro Ferreira e Rayssa Pita, ambos de 16 anos, melhoraram o desempenho na escola desde que entraram no programa Jovem Aprendiz do Ciee Rio



Desde 2000, companhias de médio e grande porte (com faturamento anual acima de R$ 4,8 milhões) são obrigadas por lei a preencher de 5% a 15% de seus quadros de funcionários com jovens aprendizes. Eles devem ter de 14 a 24 anos e, paralelamente ao trabalho, receber qualificação profissional, em contratos de no máximo dois anos. Além disso, não podem abandonar o ensino regular (fundamental e médio). Como combina acesso a emprego e educação, o programa é exatamente o oposto do fenômeno dos "nem-nem", que, segundo dados divulgados na semana passada pelo IBGE, cresceu. A parcela de jovens de 16 a 29 anos nessa condição cresceu de 22,4%, em 2014, para 25,8%, em 2016, o equivalente a 11,7 milhões de brasileiros.



O descumprimento da exigência mínima é observado em empresas de todos os tamanhos. Levantamento feito pelo economista Carlos Henrique Corseuil, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que, entre companhias com mais de 500 funcionários, só 3,71% cumpriam a cota em 2016. Entre as com mais de cem empregados, o percentual é maior, porém ainda baixo: 8,27%. Em média, considerando todas as empresas com pelo menos sete empregados, 91% não tinham sequer um jovem aprendiz.



- Estamos evoluindo gradualmente, mas ainda é um contingente baixo - avalia o especialista.



Empresas que contratam aprendizes recolhem 2% para o FGTS dos adolescentes, em vez dos 8% dos trabalhadores adultos. Além disso, não há indenização em caso de demissão. A multa pelo descumprimento da lei é de R$ 1.812,87 por aprendiz que faltar para alcançar a cota, até um teto de R$ 181.284,63.



QUASE METADE TEM ENTRE 18 E 24 ANOS



A contratação de aprendizes é feita por meio de instituições como o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee). A entidade é a principal formadora desse tipo de mão de obra, com cem mil aprendizes. No Estado do Rio são 10,5 mil deles. Luciane da Cruz, gerente de Aprendizagem do Ciee-RJ, diz acreditar no potencial da lei, mas destaca que há resistência por parte das empresas, que alegam ser muito trabalhoso desenvolver esses jovens.



- É uma visão limitada, porque, quando a organização forma pessoas, ela cria um banco de talentos. Muitas empresas têm a visão de que essa é uma missão do governo. Poderiam ter visão de negócio. O jovem aprendiz é uma forma de criar mão de obra qualificada. É muito mais um investimento do que um gasto - pondera.



Além de ser um entrave na qualificação de mão de obra, a baixa adesão ao programa é sentida nos números de trabalho infantil. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, apenas 10,5% dos adolescentes entre 14 e 15 anos que já trabalhavam tinham carteira assinada em 2016. O restante, equivalente a 196 mil jovens, estavam na informalidade.



Segundo especialistas, jovens que procuram o programa de aprendizagem são mais velhos. Além disso, empresas tendem a preferir candidatos a partir dos 16 anos. De acordo com o levantamento de Corseuil, do Ipea, quase metade (47%) dos aprendizes na ativa em 2016 tinham de 18 a 24 anos.



Especialistas destacam que o ideal seria que adolescentes não precisassem estar no mercado de trabalho e se dedicassem apenas aos estudos. Mas alertam para a necessidade de políticas públicas que tirem do trabalho ilegal aqueles mais vulneráveis, que acabam forçados a complementar a renda familiar.



A tarefa não é fácil. Segundo o procurador Antônio Oliveira Lima, titular da Coordinfância, área do Ministério Público do Trabalho do Ceará dedicada ao combate ao trabalho infantil, muitas empresas relatam dificuldades de adequação de adolescentes mais jovens. Isso é comum na indústria, por exemplo, por causa das atividades insalubres.



'ANTES EU TINHA UMA JORNADA EXAUSTIVA'



Uma das opções para solucionar esse entrave, segundo Lima, é a cota social. Em vigor desde o ano passado, o mecanismo permite que a empresa contrate o adolescente, mas o encaminhe para atuar em um órgão público ou ONGs. Outra saída é incentivar a contratação direta pelo setor público, principalmente em prefeituras.



- Estamos buscando esse tipo de intervenção para pequenos e médios municípios, onde temos muitos adolescentes nessa faixa etária, mas poucos programas de aprendizagem - explica o procurador, citando o exemplo de Camaçari, na Bahia, que abriu neste mês edital para contratação de 120 jovens aprendizes.



A experiência faz diferença na vida de quem passa pelo programa. João Pedro Ferreira e Rayssa Pita, ambos de 16 anos, viram a vida mudar desde que entraram no programa Jovem Aprendiz do Ciee Rio, ela com 14 e ele com 15 anos. Os dois adolescentes têm trajetórias bastante parecidas. São filhos de mulheres que sustentam a casa sem ajuda de companheiro e precisaram começar a trabalhar cedo para ter o próprio dinheiro e comprar produtos de necessidade básica, que vão de um desodorante a um par de sapatos. Rayssa, antes de entrar no Jovem Aprendiz, trabalhava com uma tia na cozinha de um clube nos finais de semana, das 7h às 18h. Fazia da limpeza à preparação de alimentos. Ganhava R$ 100 por fim de semana. João fazia bicos em bufês de festas, como garçom.



Hoje ambos trabalham no setor administrativo de um banco, quatro horas por dia, quatro dias por semana. No quinto, têm aulas de formação no Ciee. O contrato é de dois anos e ganham um salário mínimo, vale transporte e plano de saúde. Eles melhoraram o desempenho na escola e precisam apresentar atestado de frequência a cada seis meses.



- Criamos mais responsabilidade, damos mais valor ao dinheiro. Meu trabalho me proporcionou muito conhecimento. Antes eu tinha uma jornada muito exaustiva - diz Rayssa



João é o quinto filho de uma família com oito irmãos e se emociona ao falar do trabalho atual:



- Até então eu não sabia o que eram direitos humanos. Passei a ter muito mais responsabilidade na escola, porque somos cobrados por isso.



Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio de Janeiro (ABRH-RJ) diz que, apesar dos números baixos, pior seria sem o programa. Desde 2005, foram 3,16 milhões de jovens de 14 a 24 anos contratados.



- Se o saldo quantitativo não é o esperado, é uma questão de melhorar essa abrangência. Mas são milhares de jovens que escapam de situação de vulnerabilidade muito séria, o que poderia não ocorrer sem o programa. Mas é óbvio que é preciso aprimorá-lo - observa Sardinha.



José Rodrigo Paprotzki Veloso, especialista em educação profissional e mestre em gestão de políticas públicas pela Universidade de São Paulo (USP), destaca que mais incentivos tributários, melhor preparação dos times de RH e fiscalização são fatores que podem melhorar os números:





- Além de diversas proposições de incentivos tributários, é preciso haver pressão fiscalizatória. Isto não ocorre porque o governo federal não repõe a quantidade de auditores fiscais do trabalho que têm se desligado ao longo do tempo.


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