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O Globo Online (RJ) ( Opinião ) - RJ - Brasil - 09-12-2017 - 07:55 -   Notícia original Link para notícia
Guilherme Tinoco - A hora da responsabilidade

A reforma da Previdência, que tramita no Congresso desde o início do ano, se esfacela nos jantares de Brasília, fazendo com que o teto de gastos corra sério perigo



Nas últimas semanas, nuvens carregadas voltaram a pairar sobre a economia brasileira, evidenciando uma aparente contradição: de um lado, uma recuperação de curto prazo, que deve entregar um crescimento considerável em 2018. De outro, um futuro cada vez mais incerto, não só pelas questões eleitorais, mas pela dificuldade que temos em resolver nosso problema fiscal.



A adoção do teto de gastos em 2016 parecia mostrar que, finalmente, colocaríamos as contas públicas no lugar. A percepção de insolvência deu lugar a um ambiente mais favorável à atividade econômica, com redução da curva de juros e de prêmios de risco. Nem mesmo as denúncias contra o presidente foram capazes de mudar esta trajetória benigna.



Enquanto isso, a economia saiu do atoleiro. Cresceu nos três primeiros trimestres do ano, empurrada não só pelo estímulo monetário, mas também graças à bem-vinda ajuda do cenário externo e da excelente safra agrícola. O mercado de trabalho começou a se recuperar, assim como o investimento, que voltou a crescer depois de 15 trimestres em queda.



No momento em que economistas aumentam suas projeções para o crescimento em 2018, contudo, o velho problema volta à porta. A reforma da Previdência, que tramita no Congresso desde o início do ano, se esfacela nos jantares de Brasília, fazendo com que o teto de gastos corra sério perigo.



Nos mercados, já há novamente certa tensão no ar. O câmbio mudou de patamar no fim de outubro, se sustentando mais próximo a 3,30. A curva de juros se tornou mais inclinada nas últimas semanas. É verdade que esses movimentos não refletem apenas fatores internos, já que a taxa longa dos EUA também subiu no período, mas ajudam a lembrar o quão rápido mercados podem mudar de humor.



E, uma hora, pode acontecer. Utilizando projeções do FMI para dívida bruta de 20 países emergentes e comparando com as projeções da Instituição Fiscal Independente para a dívida brasileira, vemos a diferença aumentar significativamente nos próximos cinco anos. A do Brasil passa de 70% para 89% do PIB até 2021, enquanto a média dos demais cai de 44% para 42%. A divergência de trajetória é de se impressionar.



Mas nada parece preocupar nosso Congresso Nacional, que mostra uma passividade incompreensível. Principalmente quando levamos em conta que parlamentares que votaram pela aprovação do teto sabiam da impossibilidade de cumpri-lo sem uma reforma da Previdência. Ou não sabiam?



Para piorar, os poucos que ainda querem discutir a reforma na Casa são atraídos para uma questão já superada, que trata da existência ou não de déficit na Previdência. Esse tipo de discussão, além de pouco agregar, acaba confundindo o grande público, desacostumado, com razão, a olhar para um orçamento fatiado.



De outra maneira, o debate deveria se concentrar no que realmente importa, destacando dois graves problemas estruturais do sistema, impossíveis de serem contestados.



O primeiro é que o país gasta 13% do PIB com pagamento de aposentadorias. Considerando nossa estrutura etária, trata-se de uma quantia bem acima dos padrões internacionais. Claramente, há algo de muito errado em nosso sistema.



O segundo se refere ao envelhecimento da população. Há hoje cerca de 26 milhões de idosos no país. Em 2030, serão 42 milhões e em 2040, 54 milhões. Até lá, o número de trabalhadores na ativa continuará praticamente o mesmo. Como essa conta será paga?



Se não temos a resposta, pelo menos temos o tamanho da fatura. Relatório divulgado esta semana pela OCDE mostra que, em uma amostra de 42 países, o Brasil será, em 2050, o de maior gasto com previdência sobre o PIB, atingindo 17%. Só falta saber quem vai pagar.



Queremos dizer, portanto, que o risco de não fazer nada aumentou. Em um país com 13 milhões de desempregados, abortar a recuperação cíclica da economia brasileira já seria um absurdo. Comprometer o médio prazo então, um verdadeiro crime. Que a responsabilidade possa, ao menos desta vez, prevalecer. Guilherme Tinoco é economista


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