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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 06-11-2017 - 10:11 -   Notícia original Link para notícia
Avanço desigual

Investimentos para Copa e Olimpíada favoreceram mais parcela rica da população do Rio


As obras de mobilidade feitas para Copa e Olimpíada beneficiaram a população, mas os avanços ocorreram de forma desigual no transporte do Rio. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os investimentos aproximaram mais os ricos dos locais onde há emprego do que os pobres. Mesmo com as obras para a Copa de Mundo e a Olimpíada, o Rio ainda tem um desafio na questão da mobilidade urbana. As linhas dos BRTs Transolímpica e Transcarioca, a Linha 4 do Metrô e o VLT no Centro foram construídos nas regiões que concentram a população de renda média e média alta da cidade. Em 2014, os 10% mais pobres da cidade conseguiam chegar em uma hora a 15% dos empregos oferecidos no município. Três anos depois - e investimentos de R$ 13,6 bilhões - as condições de mobilidade urbana dessa parcela da população praticamente não mudaram. Agora, os mais pobres conseguem chegar a 16% dos empregos em até uma hora. Já os que estão no topo da pirâmide de renda foram os mais beneficiados. Em 2014, os 10% mais ricos acessavam 30% dos empregos em até uma hora. Hoje, chegam a 36% dos empregos. Assim, o ganho de acesso a emprego dos 10% mais pobres foi de 6,5% enquanto dos 10% mais ricos, de 22,7%.



As constatações estão na tese de doutorado que está sendo defendida na Universidade de Oxford pelo economista Rafael Pereira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em outra maneira de olhar os números: em 2014, os mais pobres chegavam em uma hora à metade dos empregos que os mais ricos conseguiam alcançar. Em 2017, chegavam a 44,3% das vagas. Melhorou para todo mundo, porém, melhorou mais para quem tem renda maior e já tinha oferta melhor de mobilidade urbana. Pereira vai apresentar a pesquisa hoje em seminário do Ipea sobre o tema.


- As pessoas de renda mais alta já moram mais próximo dos principais centros de emprego e corredores de transporte. Antes mesmo das obra já eram mais bem servidas pelo metrô. A Linha 4 liga a Zona Sul à Barra da Tijuca e foi o investimento mais caro de todos, aumentando muito o acesso a esses centros de empregos. O potencial do BRT da Transolímpica (com duas linhas, que ligam Jardim Oceânico a Sulacap e Recreio à Vila Militar) foi afetado por não ter sido concluída a Transbrasil. É potencial guardado na gaveta, tanto que a demanda está abaixo da estimada. Algumas estações foram até desativadas por falta de passageiros. As zonas Norte e Noroeste quase nada receberam do legado, somente a renovação de alguns trens e uma melhora tímida nos outros meios - afirma o economista do Ipea.


SEM INVESTIMENTOS EM ÁREAS COM MAIOR GARGALO


O BRT Transbrasil ainda não saiu do papel e prevê ligar o Centro a Deodoro, via Avenida Brasil. A Transcarioca uniu as zonas Norte e Oeste em nove linhas.


O custo também não ajudou. O transporte público na Região Metropolitana do Rio ficou em média 30,8% mais caro de 2014 até setembro deste ano, enquanto a inflação na cidade no mesmo período foi de 23,44%. Os ônibus ficaram 54,81% mais caros, e o trem, 44,82%, apesar do pouco investimento.


Segundo o economista e urbanista Juciano Rodrigues, do Observatório das Metrópoles, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippur) da UFRJ, os locais com os maiores gargalos de mobilidade estão nas regiões que não tiveram qualquer investimento, como a Área de Planejamento 3, na Zona Norte, onde ficam Penha, Complexo do Alemão e Maré, com 2,3 milhões de habitantes, o que corresponde a aproximadamente 37% da população da cidade:


- São bairros populosos, onde a maioria se desloca até o Centro e a Zona Sul para trabalhar. Esses bairros têm as piores linhas de ônibus e foram os mais atingidos pela racionalização das linhas em 2015, na implantação do bilhete único.


Segundo Clarisse Linke, diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, na sigla em inglês), ONG americana presente em seis países, houve ganhos inegáveis com a expansão do transporte nas obras para os jogos. Mas ela cita outra estatística para mostrar que esse avanço foi desigual:


- Em 2010, 36% viviam a um quilômetro da estação de transporte de alta e média capacidade (metrô, trem, VLT e BRT). Em 2015, subiu para 52%. Mas, quando se olha a distribuição populacional por renda, observa-se que 46% da população de renda mais baixa (até meio salário mínimo per capita) estão a um quilômetro de uma estação, contra 66% da população de renda mais alta (mais de três salários mínimos).


Na Região Metropolitana, a distância é ainda maior. Segundo estudo do ITDP, assinado por Gabriel de Oliveira, Bernardo Serra, Iuri Moura e Beatriz Rodrigues, somente 22% estão a um quilômetro de estações de alta e média capacidade entre os mais pobres, contra 47% entre os mais ricos. E a diferença cresceu: era de 20 pontos percentuais entre as duas faixas de renda em 2010, subindo para 25 pontos em 2015. É a diferença mais alta entre as quatro regiões metropolitanas cobertas pelo estudo do ITDP: Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Distrito Federal. - Para mim, investimento público, em primeiro lugar, deveria diminuir a desigualdade social. Em toda política pública, independentemente da área, essa questão deveria estar no cerne. Deveria ser premissa óbvia no Brasil - afirma Clarisse. O economista Claudio Frischatk, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, afirma que os investimentos em mobilidade tiveram um erro de origem, ao privilegiar somente a cidade do Rio e não alcançar a Região Metropolitana: - A crise de mobilidade não é só na cidade, é em toda a Região Metropolitana. Em Niterói e em São Gonçalo, que é uma grande cidade dormitório, de baixa renda, nada foi feito. Foram gastos bilhões de reais na Linha 4 do Metrô, e o ganho líquido para a Região Metropolitana foi muito limitado. O economista também cita a limitada integração entre trens, BRTs e metrô: - Isso acaba prejudicando a população mais pobre. A diarista Lena Silvia, de 35 anos, gasta até cinco horas por dia no transporte, dependendo de onde estiver trabalhando na semana. Ela mora em Gramacho, Duque de Caxias, e trabalha em imóveis na Barra, em Botafogo e no Flamengo. Se for para a Barra, o tempo é maior. O gasto diário com transporte gira em torno de R$ 16. - Como sou diarista, cada dia tenho que estar em um lugar diferente. Quando vou para a Barra da Tijuca, levo cerca de duas horas e meia para chegar. Vou de trem até a Penha e, depois, pego o BRT. Já quando vou para Botafogo ou para o Flamengo, demoro cerca de duas horas, vou de trem e metrô. O que parece é que, assim que acabou a Olimpíada, tiraram todos os ônibus e trens extras. O serviço voltou a ficar muito precário.


POUCOS EMPREGOS NA PERIFERIA


Tanto Rodrigues quanto Frischtak afirmam que há uma concentração excessiva dos empregos na zona central do Rio, outra anomalia que precisa ser corrigida para evitar que as pessoas levem duas horas ou mais para chegar ao trabalho:


- Em termos de política de urbanismo, é necessário integrar empregos, serviços, residência, de tal maneira que o deslocamento possa ser menor. Seria o uso inteligente dos recursos públicos. Reforçar essa tríade. Esse é conceito contemporâneo, moderno de cidade - afirma Frischtak.


Rodrigues diz que cerca de 40% dos empregos da cidade estão concentrados na região central:


- É uma pressão muito grande em termos de deslocamento, uma massa de população diariamente indo em direção ao Centro e à Zona Sul.


Clarisse também aponta essa questão como importante para melhorar a qualidade de vida na Região Metropolitana e cita estatística que mostra a concentração do emprego no Rio:


- Cerca de 47% da população de Japeri vêm ao Rio trabalhar todos os dias. E 54% gastam mais de uma hora no transporte. Não há trem bala que dê conta disso.


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