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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 02-11-2017 - 11:11 -   Notícia original Link para notícia
E agora, Brasil?

Para especialistas, retomada da confiança do empresariado dependerá de reformas e cenário político



"O investimento público está muito baixo em todos os níveis, inclusive estatais. Além do nível de ociosidade, há dificuldade de financiamento" Antonio Corrêa de Lacerda Professor da PUC-SP "Vivemos um colapso do investimento. Há uma certa paralisia em função de estarmos próximos das eleições. Quem vai embarcar em um projeto de três anos de construção e 20 anos de retorno de capital?" Arminio Fraga Ex-presidente do Banco Central "2018 vai ser crucial para entender qual será o ritmo da recuperação" Alan Gripp Editor executivo de Integração da Infoglobo



O crescimento econômico sustentável depende da volta de investimentos e das reformas, afirmam os economistas Arminio Fraga e Antonio Corrêa de Lacerda. Embora a economia brasileira tenha vencido a recessão, sua recuperação é frágil, em grande parte, por um cenário de paralisia dos investimentos. Os quase três anos de retração derrubaram o nível dos investimentos a um patamar 30% inferior ao período pré-crise e, hoje, eles correspondem a apenas 14% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, sem perspectiva de melhora. A avaliação é dos especialistas presentes no encontro "E agora, Brasil?", sobre a retomada econômica, promovido pelo GLOBO com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e apoio do Banco Modal, na Maison de France, no Rio, na última terça-feira.





ADRIANA LORETE



O futuro da economia. A colunista Míriam Leitão, o professor da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e o colunista Merval Pereira, no encontro "E agora, Brasil?", na Maison de France, no Rio



O debate reuniu o ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da Gávea Investimentos Arminio Fraga e o economista da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda, e foi mediado pelos colunistas Merval Pereira e Míriam Leitão, além de contar com a presença de outros colunistas e editores do GLOBO e de empresários. Na opinião dos especialistas, contornar o obstáculo dos investimentos de maneira duradoura e sustentável passa por uma reforma ampla do Estado brasileiro, que corrija a rota da dívida pública e proporcione um retorno definitivo ao crescimento.



- O investimento público está muito baixo em todos os níveis, inclusive estatais. Além do nível de ociosidade, há a dificuldade de financiamento. O crédito no Brasil, em geral, é muito caro, e isso sempre foi amenizado com a atuação dos bancos públicos. Mas eles, em função do próprio ajuste fiscal, se encontram em uma situação difícil para conduzir esse processo. Por isso, nossa saída ainda será muito lenta - afirmou Lacerda.



Para Arminio, os investimentos seriam o motor natural da retomada não fosse o período pré-eleitoral e as incertezas geradas por alguns nomes de pré-candidatos à Presidência do país:



- Vivemos um colapso do investimento. Há uma certa paralisia em função de estarmos próximos das eleições. Quem vai embarcar em um projeto de três anos de construção e 20 anos de retorno de capital? Vai esperar alguns meses. Não é só quem será eleito, mas como essa pessoa será eleita.



Lacerda lembrou que o nível de investimentos públicos federais também é o menor da História em valores nominais:



- Com muito custo, vamos chegar a R$ 30 bilhões este ano. Há três, quatro anos, esse investimento era de R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões. Estados e municípios também estão com uma capacidade de investimento muito limitada.



Nas contas de Lacerda, o PIB brasileiro não retorna ao nível pré-crise antes de 2022:



- Tivemos uma queda acumulada do PIB em dois anos de 7,2%. Este ano devemos crescer 0,5% e podemos crescer um pouco mais no ano que vem, mas ainda estaremos longe do nível pré-crise.



Arminio destacou a importância de se traçar políticas para atrair investimentos estrangeiros: - O investimento no setor de petróleo é um exemplo muito importante, não só para nós aqui no Rio, porque ele indica o potencial que políticas mais bem desenhadas podem ter para atrair investimento. Esse investimento ficou travado, primeiro pelas regras, mas também porque nem os leilões foram feitos. Hoje as regras são mais flexíveis, o que é bom para a Petrobras e para os investidores de fora. Por um bom tempo, o Brasil não atraía a maioria dos principais atores nesse mercado, e agora isso já está acontecendo. A meu ver, isso é só uma entradinha para um banquete muito maior que nós vamos ter que administrar, que tem muito mais benefícios do que risco e é muito positivo.



O governo mudou recentemente a regra que obrigava a Petrobras a participar como operadora de todos os blocos do pré-sal o que, segundo especialistas, ajudou no sucesso do último leilão do setor. A disputa pelos campos do pré-sal foi acirrada e contou com ofertas elevadas e a participação de gigantes mundiais. Lacerda ponderou, no entanto, que sozinho o investimento estrangeiro não tem capacidade de alavancar uma retomada, por mais que os valores saltem aos olhos. O Brasil vai receber cerca de R$ 80 bilhões em investimento estrangeiro direto este ano. Entre 10% e 15% virão dos chineses, que também arremataram campos do pré-sal no último leilão.



- Chama atenção a velocidade deles (chineses) nos últimos anos. Isso corrobora a ideia de que o Brasil, nos últimos 15 anos, se tornou muito atrativo para o investimento direto. O estrangeiro busca oportunidades, e a depreciação de ativos com a crise favorece isso. E ele não está olhando para 2018, ele vê daqui a dez, 20 anos.



Alan Gripp, editor executivo de Integração da Infoglobo, destacou que há um certo consenso sobre as mudanças necessárias, mas a dúvida política pode ameaçar todos esses caminhos:



- O ano de 2018 vai ser crucial para a gente entender qual vai ser o ritmo da recuperação econômica do país. Os dois economistas (Arminio e Lacerda) têm visões diferentes sobre alguns aspectos, mas têm pontos de convergência, o que indica que podemos produzir algum consenso no debate em nível governamental e de Congresso. É exemplo do que pode ser construído em um país politicamente pacificado.



Para Merval, o principal entrave de uma retomada mais consistente é a dificuldade de compatibilizar a necessidade de reformas com um ambiente político pouco favorável à racionalidade:



- O ambiente político brasileiro hoje tende mais à radicalização, e eu acho que a racionalidade não vai vencer na campanha eleitoral.



SAÍDA À FRANCESA DA CRISE



A colunista Míriam Leitão comentou que o país sai muito machucado dessa crise:



- Estamos saindo à francesa, sentindo todo o peso da recessão. E, ao contrário dos anos 1990 e 1980, quando saímos para correr para o abraço, agora a saída é machucada com todas essas incertezas de 2018.



Para Diniz Ferreira Baptista, presidente do Banco Modal, a retomada da economia só se sustentará ao longo de 2018 se o favorito nas pesquisas eleitorais à Presidência for um candidato de centro-direita: - Do contrário vai gerar incerteza até o final. Patrick Sabatier, diretor de Relações Institucionais e de Comunicação da L'Oréal Brasil, defendeu que o país precisa de reformas estruturais:



- O que hoje de uma certa forma o mundo espera do Brasil é que se tomem decisões estruturais para ter uma verdadeira retomada sustentável da economia brasileira. Temos uma visão em longo prazo aqui. O país é o quarto maior mercado de cosméticos do mundo, e seguimos apostando nele. Inauguramos um centro de pesquisa e estamos promovendo a inovação no Brasil.



Alexandre Sampaio, presidente do Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade da Confederação Nacional do Comércio (CNC) é pouco otimista:



- O comércio terá recuperação lenta, mas contínua. Não estamos otimistas com o turismo; os serviços dependem da recuperação como um todo.



O PAPEL DO ESTADO NAS ESTRATÉGIAS DE RECUPERAÇÃO



Arminio defende reforma total, além de critérios e transparência nas políticas públicas. Para Lacerda, é preciso incentivar competitividade



"O Brasil precisa de uma profunda reforma do Estado. Disse isso há dez anos: o Brasil precisa reestatizar seu Estado" Arminio Fraga Ex-presidente do Banco Central "Não podemos cair no equívoco de jogar fora o bebê com a água suja do banho. Não é porque o governo anterior cometeu equívocos que você anula o instrumento" Antonio Corrêa de Lacerda Economista da PUC-SP "É difícil a pessoa entender que, porque se financiou uma empresa de carne com taxas subsidiadas, isso colocou pressão na vida de um cidadão na outra ponta que não tem um serviço de saúde tão bom. Mas é isso que acontece. Então, isso tem que mudar" Arminio Fraga Ex-presidente do Banco Central "Somente a junção da experiência técnica e das políticas já testadas poderá construir um novo modelo. Talvez, nem a solução pró-mercado nem a solução estatizante responderão aos novos desafios" Antonio Corrêa de Lacerda Economista da PUC-SP



O papel do Estado na economia e o modelo de política pública mais indicado para a retomada do crescimento receberam avaliações distintas dos especialista que participaram do debate "E agora, Brasil?". O economista da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda defendeu políticas de apoio à competitividade e à inovação na indústria. Arminio Fraga, por outro lado, defendeu uma reforma total do Estado, que deve dedicar atenções a seus papéis tradicionais, como saúde e educação.





ADRIANA LORETE



Visões distintas. Os economistas Antonio Corrêa de Lacerda e Arminio Fraga debateram modelos de políticas públicas que ajudariam na retomada do crescimento econômico



- O Brasil precisa ter um Estado que seja capaz de cumprir com suas obrigações maiores, tradicionais; que tenha uma vida financeira equilibrada, com juro normal, que hoje é a principal distorção que temos e deve ser objeto de tratamento profundo, além de um ajuste fiscal grande. O Brasil precisa de uma profunda reforma do Estado. Disse isso há dez anos: o Brasil precisa reestatizar seu Estado - comentou Arminio.



Para o ex-presidente do Banco Central, o grande problema das políticas de estímulo econômico é a falta de critério, transparência e avaliação para concessão ou acesso:



- Não sou contra. Defendo a participação do Estado na pesquisa básica, em muitas instâncias da infraestrutura, mesmo que isso exija subsídios. Mas com critérios e transparência.



INDÚSTRIA 4.0



Para Lacerda, falta uma estratégia de política econômica que vá além da macroeconomia. Sem isso, argumenta, o Brasil não conseguirá lidar com o desafio que hoje afeta a economia global: o impacto da tecnologia na geração de emprego.



- O Brasil levou dez anos para conseguir diminuir seu desemprego à metade. Se retrocedermos a 2002 e 2003, a taxa (de desemprego) estava em 12%. Em 2014, ela caiu a menos de 5%, mas retomou esse nível de 12%, 13% em três anos. O desafio agora é não só o crescimento gerar emprego, com todas as restrições que há, mas diante das mudanças em curso, que tendem a gerar menos vagas. É a revolução industrial, a indústria 4.0, o enxugamento geral que ocorrerá em vários setores, ter que gerar emprego e renda com um contingente de 13 milhões de pessoas desocupadas, chegando a 20 milhões se considerarmos o emprego precário.



Segundo Lacerda, o Estado pode atuar com os incentivos corretos:



- Política industrial é fundamental. A maior parte dos países desenvolvidos e os recentemente industrializados, como Índia, China e Coreia do Sul, se utilizou de políticas de competitividade que contemplam inovação, financiamento e fixação de tarifas inteligentes.



Lacerda defende que é preciso separar as políticas que deram certo das ineficazes para não cair no equívoco de jogar fora "o bebê com a água suja do banho":



- Não é porque o governo anterior cometeu equívocos que você anula o instrumento. Hoje, está ausente da agenda do governo uma política de competitividade.



Arminio disse que, nos últimos anos, as políticas adotadas não foram bem-sucedidas.



- No âmbito das políticas setoriais, temos muito a aprender. Nosso histórico é bem ruim. Tivemos uma fase boa de crescimento até os anos 1970, mas não foi além. Mais recentemente, voltou-se a questionar a nova matriz econômica (política de incentivos à economia implementada por Dilma Rousseff ). Era um período de política industrial mal desenhada, com subsídios distribuídos sem critério econômico e social. Hoje, o governo está falido.



Para Arminio, essa matriz virou um pesadelo, e o país precisa "cair na real":



- Isso deu totalmente errado. As intenções foram boas, mas foi um show de horror, inclusive com características distributivas terríveis. O Brasil está hoje nesse estado pré-falimentar. Essa política não deu certo, não conseguiu trazer o Brasil ao seu desenvolvimento.



BOLSA-EMPRESÁRIO



A colunista do GLOBO Míriam Leitão aproveitou o comentário do Arminio para evidenciar as visões díspares do ex-presidente do BC e do professor da PUC-SP.



- O que você quer dizer, então, é que não havia bebê na bacia. Só água suja - afirmou a jornalista, em referência à frase de Lacerda sobre "jogar fora o bebê com a água suja do banho".



- De certo modo. Essa política não deu certo, não conseguiu trazer o Brasil ao seu desenvolvimento - respondeu o ex-presidente do BC.



Arminio destacou também que a falta de transparência nos subsídios fiscais implícitos nas políticas de apoio do BNDES à indústria dificulta o debate político sobre o tema:



- É difícil a pessoa entender que, porque se financiou uma empresa de carne com taxas subsidiadas, isso colocou pressão na vida de um cidadão na outra ponta que não tem um serviço de saúde tão bom. Mas é isso que acontece. Então, isso tem que mudar.



O ex-presidente do BC destacou ainda o caráter de concentração de riqueza presente na atuação do BNDES:



- As pessoas se esquecem que essa Bolsa-empresário, inclusive do ponto de vista distributivo, é extremamente regressiva. Claramente não é uma política de esquerda. Ela tem um custo. Por outro lado, ela absorve um pedaço da poupança, e deixa quem está fora pagando juros mais altos.



'BNDES PARA TODO MUNDO' E JUROS ALTOS EM DEBATE





Se o papel do Estado na economia foi tema de divergência entre os especialistas Arminio Fraga e Antonio Corrêa de Lacerda no debate, a atuação do BNDES como financiador dos projetos de infraestrutura e da indústria nacional também recebeu avaliações distintas dos economistas. Arminio criticou duramente a política de apoio a grandes empresas, às custas de subsídios dos cofres públicos. E afirmou que o ideal seria ter um "BNDES para todo mundo", ou seja, que o governo tivesse solidez fiscal para praticar juros baixos indiscriminadamente.



Já Lacerda avalia que a política de apoio do BNDES é um mal necessário, diante das distorções do endividamento público elevado e dos juros altos no Brasil. Mas reconhece, porém, que houve exageros na política de apoio do banco nos últimos anos.



- No início da recessão mundial, em 2008, esse juro subsidiado foi necessário para manter minimamente a economia naquele momento. Obviamente que em determinado momento houve exagero de repasse de recursos do Tesouro para o BNDES e isso precisa ser corrigido. O que me preocupa de fato é a perda do instrumento. O Estado tem papel muito relevante na indução de um novo ciclo econômico e é preciso aproveitar a experiência recente para fazer as correções necessárias e construir um caminho que conte com instrumentos que complementem o papel da política macroeconômica.



'REMÉDIO, EM EXCESSO, PODE VIRAR VENENO'



Arminio, por outro lado, criticou o volume de recursos desembolsados pelo BNDES nos últimos anos. Os aportes do Tesouro Nacional ao BNDES para financiar empresas só em 2015 chegaram a R$ 567,43 bilhões, o correspondente a 9,57% do PIB.



- Um remédio, quando tomado em excesso, pode virar veneno - disse Arminio.



O ex-presidente do Banco Central deixa claro, porém, que sua defesa não é pelo fim do banco público de fomento, mas pela transparência no empréstimo desses recursos:



- É preciso haver subsídio e proteção contra a concorrência estrangeira. Mas isso tem de ser feito dentro de um parâmetro de racionalidade em que aconteçam mudanças positivas. Empreender no Brasil, investir aqui, a história recente mostra que é um ato de heroísmo. A lógica precisa ser a seguinte: tem de ser um governo que consiga entregar taxas de juros mais baixas, como se fosse um BNDES para todo mundo. E isso exige trabalho na área fiscal, na questão do juro na ponta. Não defendo fechar o BNDES, mas ele precisa ter critério e transparência: mostrar como fez e onde fez.



Já Lacerda defende que, com os juros altos no Brasil e os concorrentes internacionais do país tendo acesso a crédito com taxas mais competitivas, nem sempre é correto falar que o BNDES está concedendo subsídios.



EFEITO MULTIPLICADOR DOS INVESTIMENTOS



Ele argumenta que é preciso avaliar o efeito multiplicador dos investimentos viabilizados por meio de financiamentos concedidos pelo banco.



- Concordando com o Arminio, precisamos de mais transparência e avaliar (os tomadores de empréstimo), pois não dá pra financiar sem desempenho. Precisamos de um mecanismo de transição. O ideal é ter um mercado que ofereça a todos juros compatíveis com a média internacional e com o retorno da atividade. Enquanto não chegamos a isso, será preciso tornar o processo de uso do crédito privado o mais transparente possível, para que fique claro para a sociedade que não existe almoço grátis.



PREVIDÊNCIA: A REFORMA PRIORITÁRIA



Economistas defendem que mesmo pequenas mudanças são melhores que o imobilismo



"É preciso, por mais árido que seja politicamente, enfrentar esse problema. É inegável que o quadro atual é insustentável" Antonio Corrêa de Lacerda Economista da PUC-SP "Tem que começar pelo combate aos privilégios, pois é a aposentadoria precoce que desequilibra a Previdência brasileira. Nós temos apenas 12,5% de brasileiros com 60 anos ou mais, e a Previdência está quebrada" Míriam Leitão Colunista "Estou do lado dos que acham que o problema é grave. Os que são contra estão só rotulando, mudando o nome do problema, trocando de conta. A tendência é explosiva e absurda. Nossa Previdência é extravagante para um país com o nosso ponto na curva demográfica" Arminio Fraga Ex-presidente do Banco Central "O que eu tiro da experiência francesa é que uma única reforma, que resolva todos os problemas, não é possível. É melhor promover uma série de pequenas reformas" Jean-Paul Guihaumé Cônsul-geral da França no Rio



Uma reforma da Previdência com "R" maiúsculo, do escopo necessário para reequilibrar as contas públicas, ficará para um próximo governo, diante das fragilidades do atual e da tensão política préeleitoral, concordaram os economistas Arminio Fraga e Antonio Corrêa de Lacerda, durante o evento "E agora, Brasil?". Segundo eles, as condições atuais permitem apenas que se tente um "remendo" que, embora insuficiente para corrigir a trajetória da dívida brasileira, é opção melhor que o imobilismo. Como definiu Lacerda, "a realpolitik nos leva a fazer o que é possível".



- Minha experiência de governo sugere o seguinte: vai fazendo o que der. Se for reforma boa, faz. Não acredito em "vamos esperar para fazer tudo". Faz agora e depois você tem menos para fazer lá na frente - ponderou Arminio, que foi presidente do Banco Central entre 1999 e 2002. - Parece claro que essa proposta que está indo à discussão, que estão chamando de versão mais básica, com idade (mínima) e regra de transição, não vai ser o suficiente. Mas seria um sinal, seria um passo.



Lacerda argumentou que essa possibilidade, apesar de longe da ideal, permitirá a adoção gradualista de mudanças nas regras da aposentadoria. Isso proporcionaria uma correção de rota mais natural.



- Dada as condições de governabilidade que se tem, qualquer avanço na Previdência terá o benefício de tornar mais natural a reforma estrutural que virá à frente, necessariamente - disse o professor da PUC-SP, que advertiu, porém, para os riscos que essa estratégia pode representar: - Você pode ter o efeito perverso do autoengano, de criar uma expectativa exagerada enquanto não está tratando das questões essenciais.



Arminio admitiu que, apesar de considerar um milagre as reformas já aprovadas pelo governo Temer, acredita que a da Previdência só virá após as próximas eleições - o que aumentará a pressão sobre o governo que assumirá em 2019.



A urgência fica clara na trajetória da dívida pública que, como observou a colunista Míriam Leitão, é hoje equivalente a 73,9% do Produto Interno Bruto (PIB) e deve atingir 80% já em 2020.



- A reforma da Previdência é entendida por todos que fazem conta como a mais importante para o ajuste das contas públicas. Não só a longo prazo. Sem essa reforma, em 2019, o Orçamento já vai estar bem apertado, provavelmente batendo no teto de gastos. Mais do que isso, a parte livre do Orçamento está muito comprimida - alertou Arminio, acrescentando que a PEC do teto de gastos se mostrará inútil caso a reforma da Previdência não saia. - A tendência é explosiva e absurda. Nossa Previdência é extravagante para um país com o nosso ponto na curva demográfica.



De acordo com Lacerda, a reforma que deve ser feita precisa contemplar questões como maior transparência nas contas e a extinção de privilégios para categorias, entre elas as do setor público, incluindo o Judiciário:



- É preciso que seja tratada a questão da inadimplência, que é muito grande na Previdência, e também dos devedores. É preciso, por mais árido que seja politicamente, enfrentar esse problema. É inegável que o quadro atual é insustentável.



Mas, independentemente da impopularidade deste ou do próximo governo, há aquela da própria reforma que, para Merval Pereira, exige um esforço de convencimento público que não vem sendo feito a contento.



- Não tem ninguém convencido da necessidade da reforma da Previdência, da idade mínima etc. Se estivessem convencidos, já tinha sido aprovada - observou o colunista.



Na opinião do embaixador da França no Brasil, Michel Miraillet, a aprovação de reformas é crucial para a retomada do crescimento.



- Sentimos que algo está evoluindo. Fiquei surpreso, por exemplo, com a similaridade das medidas que foram tomadas pelo governo na legislação trabalhista e aquilo que nós, franceses, estamos adotando em questão de flexibilidade. Vocês têm ainda a questão da reforma da Previdência, que chama atenção do ponto de vista de um europeu - disse Miraillet. - Acredito que, se o Brasil superar rapidamente sua questão orçamentária, vocês vão se ver diante da volta do crescimento. Por isso é importante a aprovação das reformas. E é por isso que nós, franceses, apoiamos a candidatura do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).



Para Jean-Paul Guihaumé, cônsul-geral da França no Rio, embora o problema previdenciário se manifeste em vários países, inclusive no seu, a situação das contas públicas brasileiras o torna mais urgente aqui:



- O que eu tiro da experiência francesa é que uma única reforma, que resolva todos os problemas, não é possível. É melhor promover uma série de pequenas reformas. É preciso começar por uma reforma e saber que haverá uma segunda, uma terceira, e que o tema continuará sempre presente, uma vez que há grandes evoluções na demografia.



Embora a reforma da Previdência seja considerada a mais urgente e necessária para o reequilíbrio das contas públicas, outras mudanças estruturais foram citadas pelos economistas como essenciais. Lacerda citou a reforma tributária, que está sendo proposta no Congresso pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e é apoiada pela equipe econômica.





80% 



É a projeção para a relação entre a dívida pública e o PIB em 2020. Com a pressão do déficit da Previdência, a taxa já é de 73,9%



8,4%



Foi o aumento do déficit da Previdência Social apenas em agosto, na comparação anual, totalizando R$ 16,9 bilhões





- Ela apresenta grandes avanços. O relator está muito otimista que vai conseguir aprovar pelo menos uma simplificação, sem mudar estruturalmente (a legislação tributária). Essa, aliás, é minha crítica. Mas vejo que há aspectos positivos de simplificação, de desoneração, inclusive de medicamentos, o que pode contribuir para uma melhor distribuição de renda - disse.



CRISE ECONÔMICA AFETA SEGURANÇA PÚBLICA



A recessão econômica se desdobra, segundo os economistas, em uma outra crise que se manifesta nos grandes centros urbanos e, especialmente, no Rio: a da segurança pública. Na avaliação do carioca Arminio Fraga, o colapso das finanças estaduais provocou um vácuo de poder que resultou no desmonte de políticas públicas que pareciam bem-sucedidas e permitiu o avanço do crime organizado.



- Na segurança pública, há sempre uma questão econômica. Mas não é a questão econômica através do desemprego. É a falência do Estado e sua capacidade de ocupar seu território. Algo que parecia estar funcionando aqui, como o modelo das UPPs, nesse momento, deu para trás e precisará ser repensado. Mas algo nessa linha vai ter que acontecer. Esse quadro maior, do Estado dentro do Estado, se reflete no poder do crime organizado, hoje em guerra aqui. Mas ele existe e é algo que tem que ser encarado - afirmou o economista, acrescentando que, embora o Rio seja "a faceta mais visível" do problema, ele se manifesta em outras metrópoles do país.



Coincidiu com o auge da crise brasileira o recorde de mortes violentas cometidas no país. Segundo o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado esta semana, o Brasil registrou 61.619 casos em 2016 - sete por hora -, aumento de 3,8% na comparação com 2015 e o maior número já registrado desde 2007, quando começou a série histórica.



O economista da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda observou que há correlação entre o aumento do desemprego e o avanço da criminalidade, mas ressaltou que esse é apenas um dos mecanismos que têm levado à explosão da violência pública.



- Vamos imaginar a chamada geração "nemnem", que nem estuda nem trabalha. Ela tem um apelo muito grande ou por atividades profissionais praticamente de subsistência ou por trabalhos no crime organizado. Por outro lado, a falência do Estado cria um poder paralelo e abre espaço para o crime organizado. Por isso, crise no Estado e crise econômica corroboram o cenário de maior criminalidade. Mas, certamente, existem várias outras causas - explicou Lacerda.



Alexandre Sampaio, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), citou estudo da entidade, divulgado esta semana, segundo o qual a criminalidade no Rio provocou redução de R$ 657 milhões nas receitas do turismo fluminense entre janeiro e agosto. Segundo Sampaio, a perda pode chegar a R$ 1 bilhão até o fim do ano.



- O setor de turismo no Rio tem tido perdas financeiras monumentais por conta da violência, e as políticas de segurança não refletem o que o Estado e o próprio município podem fazer. Lamentamos que talvez tenhamos de esperar mais um ano para isso ser resolvido - afirmou o presidente do conselho empresarial de turismo da CNC, referindo-se às próximas eleições.



Arminio explicou que a gravidade da situação do Rio é proporcional à quantidade de fatores que influenciam em sua crise de segurança pública.



- O Rio foi vítima de uma série de acidentes, alguns vindos de fora, como o colapso do setor de petróleo, com a queda dos preços, que estavam a mais de US$ 100 e caíram para menos de US$ 30. E muito foi também problema de gestão. Durante o período de vacas gordas, gastou-se muito e depois o que sobrou foi um Estado desfuncional e literalmente quebrado. A tarefa aqui é enorme - afirmou o economista. - Houve um retrocesso muito grande em várias frentes que tinham avançado. A área da segurança talvez seja a mais visível, mas não foi a única. O quadro aqui é bem mais grave.





O RISCO POLÍTICO NO CAMINHO DA CONSOLIDAÇÃO DA RETOMADA



Especialistas destacam que eleição presidencial de 2018 será determinante para andamento de reformas e equilíbrio fiscal



"Vai depender de como serão as eleições, se o clima do debate vai ser realista e não populista, para que, então, se possa construir a legitimidade para consertar as coisas aqui" Arminio Fraga Ex-presidente do Banco Central "Vamos ter uma eleição disputada entre o populismo de direita e o de esquerda. O povo quer sangue. Não quer nada racional. Vejo o país caminhando em busca de um salvador" Merval Pereira Colunista do GLOBO "A temperatura da economia estará melhor, a sensação térmica das pessoas em relação à economia será melhor, apesar de todos os problemas estruturais" Antonio Corrêa de Lacerda Professor da PUC-SP



Se os rumos da recuperação econômica já são, por si só, vulneráveis a incertezas, a eleição presidencial de 2018 acrescenta fator incontornável de dúvidas que será determinante para o andamento das reformas, a consolidação da retomada e a tarefa de domar as contas públicas nos próximos anos. Do debate entre os economistas Arminio Fraga e Antonio Corrêa de Lacerda, no evento "E agora, Brasil?", emerge o consenso de que o Brasil tem pela frente um cenário binário: a saída populista pelos extremos ou a busca do consenso pelo centro - ambas com consequências econômicas profundas.





FOTOS DE ADRIANA LORETE



Economia em pauta. A partir da esquerda, o colunista Lauro Jardim; Cristiano Ayres e Diniz Ferreira Baptista, do banco Modal; Carlos Alberto Vieira, do Safra; e Alvaro Bandeira, também do Modal



Na opinião de Arminio, o clima do debate eleitoral será crucial para determinar, por exemplo, a viabilidade da reforma da Previdência.



- Vai depender de como serão as eleições, se o clima do debate vai ser realista e não populista, para que, então, se possa construir a legitimidade para consertar as coisas aqui - disse, acrescentando que o risco político é maior que o econômico. - É preciso zelar para que a campanha ocorra com qualidade.



O colunista de política do GLOBO Merval Pereira alertou para os sinais que apontam, hoje, a prevalência de um viés populista.



- As pesquisas mostram Lula e Bolsonaro à frente. Vamos ter uma eleição disputada entre o populismo de direita e o de esquerda. O povo quer sangue. Não quer nada racional. Vejo o país caminhando em busca de um salvador - advertiu o jornalista. - O ambiente político brasileiro hoje tende mais à radicalização, e eu acho que a racionalidade não vai vencer na campanha eleitoral.



RAÍZES HISTÓRICAS DO POPULISMO



Para Merval, a concorrência de forças políticas em curso no Brasil hoje inviabiliza que se repitam aqui candidaturas semelhantes às do francês Emmanuel Macron e do argentino Mauricio Macri:



- O candidato que prometer reforma está morto. Não vai sair do lugar.



Arminio lembrou que o populismo tem raízes históricas na América Latina, sempre focado em grandes promessas, mas constantemente incompatível com uma condição macroeconômica equilibrada. Mas, para ele, se o populismo voltar a vencer eleições no Brasil, vai se deparar com uma conjuntura historicamente diferente.



- No passado, tínhamos um populismo que levava à inflação e a problemas no balanço de pagamentos. Nossa história é repleta dessas crises. Agora, a nossa inflação está baixinha. Virou crise de natureza fiscal, e a dívida pública cresce a um ritmo galopante. Há outra faceta do populismo que é mais difícil de se enxergar, que afeta a produtividade da economia. É necessário desfazer essa atabalhoada nova matriz econômica para aumentar a produtividade - explicou.



Míriam Leitão ponderou, no entanto, que, com a exceção do pleito de 1989, as eleições brasileiras têm, tradicionalmente, caminhado para a escolha de candidatos de centro no espectro político.



- Como ocorreu com Lula, que não foi eleito quando se declarava contra tudo, mas só quando foi para o centro - exemplificou.



CENÁRIO DE MODERAÇÃO



Lacerda também defendeu que a melhora da conjuntura econômica até as eleições, daqui a um ano, tenderá a favorecer candidatos mais conciliadores, em detrimentos de posições extremas:



- Embora as situações polarizadas se justifiquem em momentos de crise, temos fatores econômicos que vão jogar a favor de um cenário de moderação: o primeiro é que a temperatura da economia estará melhor, a sensação térmica das pessoas em relação à economia será melhor, apesar de todos os problemas estruturais.



Diniz Ferreira Baptista, presidente do Banco Modal, observou que a recuperação econômica será mais rápida se um candidato de centro se destacar rapidamente. Já o colunista do GLOBO Ancelmo Gois creditou justamente à lentidão da retomada até agora o crescimento de plataformas políticas mais extremadas. De acordo com ele, a morosidade do crescimento e o alto nível de capacidade ociosa da economia "não vão gerar felicidade a curto prazo", o que dificultará um debate político mais saudável:



- Seria preciso gerar felicidade até a eleição, para proporcionar um clima mais normal, com menos interrogações. Esse clima de pessimismo, de que as pessoas estão em casa azedas, chateadas, tem a ver com economia, mas, também, com crise política.



Aos olhos de um estrangeiro, a ascendência da política sobre o debate econômico surpreendeu.





- Estou no Brasil há cerca de dois meses, e o que me surpreendeu foi ver que um debate entre dois economistas, em dez, 15 minutos, se transforma em uma debate sobre a situação política do Brasil - pontuou o cônsul-geral da França no Rio, Jean-Paul Guihaumé.



'A CORRUPÇÃO LEVA A AÇÕES DE GOVERNO DE MÁ QUALIDADE'



O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga afirmou que o peso da corrupção nas ineficiências econômicas vai além dos desvios de recursos.



- Além do custo direto, que não foi pequeno, tem o custo indireto. A corrupção acaba levando a ações de governo de má qualidade. É mais do que o enorme valor de dinheiro que circulou aí nos submundos. A corrupção é uma praga geral, que contamina o resto da sociedade - criticou.



Perguntado sobre a situação do PSDB, Arminio lembrou que não é filiado ao partido, mas que tem amigos entre seus quadros, e disse que ele "vai mal".



- O PSDB tinha que estar fazendo isso (discutindo o direcionamento dos empréstimos do BNDES) e, não, se posicionando, como a maioria da classe política, infelizmente, tentando se defender, se safar - afirmou. - O PSDB vai mal, e essa é minha opinião como leitor de jornal. Vejo com muita preocupação o que vem acontecendo com o partido. O partido está dividido, está paralisado diante de questões importantes. Eu acho que isso é uma pena.



Para o economista, "um partido como foi o PSDB na sua fundação seria barbada nas eleições", mas hoje "vai ter que correr muito para disputar":



- São decisões que foram tomando ao longo do tempo, internas, e estão pagando um preço por isso.








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