Leitura de notícia
O Globo Online (RJ) ( Sociedade ) - RJ - Brasil - 07-10-2017 - 07:07 -   Notícia original Link para notícia
Para vencedores do Nobel, país não terá prêmio se não investir

Físicos franceses que estão entre os 23 laureados signatários de carta ao presidente Michel Temer pedindo a revisão dos cortes orçamentários em ciência e tecnologia avaliam que o Brasil fica ainda mais longe do seu primeiro Nobel gastando menos com pesqui


"O Brasil não deve perder seus esforços por causa de uma decisão irresponsável" Serge Haroche Nobel de Física (2012) "Bons cientistas sem condições de continuar em atividade são tentados a deixar seus países" Cohen-Tannoudji Nobel de Física (1997)


O governo brasileiro cortou 44% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações este ano, e planeja uma nova tesourada de 15,5% para 2018. Por que o senhor decidiu se manifestar? CLAUDE COHEN-TANNOUDJI: Muitos cientistas ficaram chocados com o anúncio desse corte. A ciência é internacional, então todos os países se preocupam com os outros. SERGE HAROCHE: Nós, como vencedores do Nobel, temos o dever de falar em defesa da ciência. O prêmio é um grande prestígio e, consequentemente, o que dizemos costuma ser ouvido. Mas falta saber se esta carta terá algum efeito concreto. É comum que um país em crise econômica corte financiamento para o setor? COHEN-TANNOUDJI: Infelizmente, estes casos são frequentes. Os políticos não percebem a importância da ciência e da tecnologia. Não entendem que um corte severo no financiamento pode ter consequências drásticas no longo prazo. HAROCHE: Claro que, quando o dinheiro se torna escasso, todos os setores financiados pelo governo são impactados. A ciência e a tecnologia não são uma exceção. Tivemos cortes na França após a última crise econômica e os efeitos ainda estão conosco. Se a redução de verbas for de apenas alguns por cento por ano, os cientistas podem lidar com isso. Reduzem suas atividades, contratam menos alunos e esperam por tempos melhores. No entanto, o Brasil fez um corte enorme. A situação é muito mais dramática. Diante do corte, o senhor acredita que o país passará por uma perda de cérebros? COHEN-TANNOUDJI: Este é o maior perigo. Quando bons cientistas estão em uma situação em que não podem mais continuar em atividade, são tentados a deixar seus países. HAROCHE: É muito provável. Por que um jovem brilhante vai querer embarcar em uma carreira científica em um país onde não terá meios de fazê-lo? Sem receber condições melhores de trabalho, ele não terá opção senão cortar seus laços com o Brasil. E também há pessoas que podem ficar, mas decidem se dedicar a outras atividades, como finanças ou gestão.


LEONARDO AVESSA/18-7-2005Sombra do atraso. Estudante em laboratório da Coppe/UFRJ: país pode perder competitividade em diversas áreas com corte de verba após anos de avanço, alertam laureados


O que pode acontecer com um grupo de pesquisas que sofre um grande corte de verbas? É possível que se recupere após a crise?


COHEN-TANNOUDJI: Depois de uma redução como a imposta pelo governo brasileiro, o laboratório perde a sua ordem. Os experimentos são interrompidos e, por isso, torna-se extremamente difícil recuperar bons resultados depois que as finanças forem restabelecidas. Na maioria das vezes, isso pode demorar muitos anos. Em alguns casos, o prejuízo é irreversível. especialmente doloroso para o Brasil, que fez grandes avanços nas últimas duas décadas, graças ao aumento do orçamento e às contratações de bons cientistas nas universidades. Na ótica quântica, o meu campo de estudo, há ótimos grupos de pesquisa brasileiros, que publicam artigos em revistas de excelência. O país não deve perder seus esforços por uma decisão irresponsável. O senhor acredita que os cientistas sabem dialogar com a população?


COHEN-TANNOUDJI: Deveríamos gastar mais tempo explicando aos políticos e ao público em geral a importância da ciência e da tecnologia para resolver os problemas de energia, meio ambiente, saúde, alimentação... Precisamos melhorar o nível cultural da população. Infelizmente, a mídia não dedica muita atenção a estes problemas porque acredita que as pessoas não estão interessadas em assuntos científicos.


HAROCHE: Admito que podemos melhorar. Devemos falar sobre nosso trabalho para a sociedade, que está pagando nossa pesquisa através de impostos, e também para os políticos, responsáveis pela distribuição desse dinheiro. Mas a ciência é sutil e não pode ser explicada em uma ou duas frases, que é o tempo geralmente atribuído a ela nos meios de comunicação. Nossos estudos demoram décadas para atingir resultados. E a política, por sua vez, é um negócio de curto prazo. Por isso, temos dificuldade em sublinhar a importância de um esforço contínuo.


Como podemos comparar o cenário científico brasileiro com o de outros países emergentes? COHEN-TANNOUDJI: Antes deste corte, o desempenho do Brasil em ciência e tecnologia era comparável ao de outros países em desenvolvimento. Mas alguns emergentes eram melhores. Os investimentos da China no setor são impressionantes. HAROCHE: Considerando o tamanho de sua população e a quantidade de recursos naturais, o Brasil realiza uma fração muito pequena do que outros países em desenvolvimento estão fazendo. O Brasil pode ganhar um Prêmio Nobel a curto prazo? COHEN-TANNOUDJI: Se o atual corte não for cancelado, certamente não vencerá. Mas, em condições normais, não vejo empecilhos. HAROCHE: Na situação atual, é muito difícil esperar um Nobel para o Brasil em um futuro próximo. Isso não significa que não existam bons cientistas no país. Se eles receberem as condições necessárias para trabalhar e treinar estudantes, certamente construirão uma base para um trabalho de qualidade, de onde virá o prêmio. Mas isso levará tempo. O senhor aconselharia um estudante brasileiro a deixar o país?


COHEN-TANNOUDJI: Ficaria muito triste se tivesse que fazê-lo. Espero que o governo entenda que seria dramático desencorajar os jovens que são essenciais para o desenvolvimento nacional.



HAROCHE: Atualmente, eu certamente faria isso. Jovens cientistas precisam de condições para trabalhar, não são responsáveis pelo estado da ciência em seu país e têm tempo limitado para produzir conhecimento. Não poderia aconselhá-los a sacrificar sua paixão. Espero que as condições melhorem e que esta partida não seja necessária.


Nenhuma palavra chave encontrada.
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.