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O Globo Online (RJ) ( Opinião ) - RJ - Brasil - 06-10-2017 - 08:55 -   Notícia original Link para notícia
José Paulo Kupfer - No fim da fila

Dos desequilíbrios econômicos e seus desdobramentos adversos no potencial de crescimento da economia aos abrangentes efeitos deletérios das desigualdades sociais no bem-estar da população, é em sistemas tributários disfuncionais que se pode localizar a origem de grande parte dos problemas das sociedades. O recente recrudescimento do debate da persistência da desigualdade no Brasil traduz uma face chave da questão, mas não a única. O sistema tributário mal ajambrado vigente entre nós também remete às raízes das dificuldades nativas em promover eficiência econômica.





São bem conhecidas as distorções do sistema tributário brasileiro. A carga tributária, sua expressão concreta, é excessiva e desequilibrada, rivalizando com a de países ricos e muito acima da existente em economias de porte semelhante. Os tributos que a compõem, com uma concentração exagerada em contribuições cumulativas, são de baixa qualidade, acentuam desigualdades de renda e afetam negativamente a competitividade econômica.



Além disso, o sistema é uma infernal macarronada de regras e normas, que transforma em tortura e desperdício de energia os simples atos de cobrar e de pagar tributos, dando a todo tipo de evasão e elisão fiscais. Resumindo a história, se os mais reconhecidos sábios tributaristas do planeta fossem trancados numa sala da qual só poderiam sair quando conseguissem formular o pior sistema tributário possível, não chegariam perto do sistema brasileiro.



Essa construção desengonçada não nasceu da noite para o dia. Foi erguida em mais de meio século de aplicada insistência em soluções de curto prazo para problemas estruturais, sujeitas a lobbies e pressões de poderosos do momento. É uma história em que o aumento da carga tributária corre atrás do aumento de gastos, na esteira dos descontroles inflacionários que sucessivas crises fiscais e de balanço de pagamentos alimentavam.



As bases do sistema atual foram lançadas nos anos 60, com as reformas promovidas pelos governos militares. Até então a carga tributária era baixa, tendo avançado apenas dois pontos porcentuais, de 13,8% do PIB para 15,8%, entre 1947 e 1962. Dez anos depois, impulsionada pelo "milagre econômico", a carga havia galgado mais de 10 pontos, chegando em 1972 a 26% do PIB e hibernando, nas décadas perdidas de então, até novo surto com o Plano Real. A contrapartida do saneamento de esqueletos e dos déficits fiscais foi a elevação da carga tributária para perto de 30% em 1999 e 32% em 2002. Com Lula, o volume de arrecadação em relação ao PIB chegou a um pico de 36%, em 2008, e se aproximou do limite da Curva de Laffer, segundo a qual, a partir de um dado ponto, quanto mais se tributa menos se arrecada. Dilma desprezou a regra e foi abatida por uma nova e violenta crise fiscal.



Se o sistema tributário é a impressão digital de uma sociedade, o retrato atual do sistema brasileiro e da composição da carga tributária que ele gera mostra que estamos bem mal na fotografia. Essa imagem revela um sistema complexo e indutor de ineficiências econômicas, iníquo e promotor de desigualdades, que onera exportações e investimentos produtivos, sem falar nos espaços que abre para indesejáveis guerras fiscais entre entes federados.



Mãe ou pelo menos tia em primeiro grau das desarrumações na economia brasileira, a reforma do sistema tributário deveria ser, se a lógica e a racionalidade prevalecessem, a mãe (ou tia) de todas as reformas econômicas. Mas ela ficou para o fim da fila. Há um projeto, relatado pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), focado na simplificação do sistema e na redução das cumulatividades, com a substituição de vários tributos, entre impostos e contribuições sobre bens, serviços e folhas de pagamento, por um único imposto de valor agregado (IVA), cobrado no destino (uma apresentação do relator sobre a proposta de reforma pode ser acessada em http://bit.ly/2kpuFu1). A proposta, com uma dezena de projetos de lei e uma emenda constitucional, sem, contudo, prever reformas na tributação sobre renda e propriedade, ainda está na fase de consultas, sem data efetiva para entrar na pauta do Congresso.


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