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Estado de Minas Online ( Especial ) - MG - Brasil - 10-09-2017 - 04:00 -   Notícia original Link para notícia
No coração da capital

Amar o futebol e a mesa de bar faz parte da vida do belo-horizontino, nascido ou adotado por BH, uma paixão construída desde a formação da cidade
Futebol e boemia certamente são as duas maiores paixões do belo-horizontino. Imagina então um lugar que reúne as duas. Torcedores do América, Atlético e Cruzeiro têm as mais diversas opções de bares e botecos para apoiar seus times do coração. No entanto, alguns deles são considerados especiais por quem une o amor pelo esporte e pelo copo.

Inicialmente funcionando como uma mercearia, fundada há mais de 70 anos, o Bar do Salomão, na Rua do Ouro, na Serra, é o principal reduto de atleticanos em BH. "Se você fala em bar e Galo, a associação com o Salomão é imediata", afirma o dono do estabelecimento e filho do fundador, Salomão Jorge Filho, de 46 anos.

Ele conta que desde que assumiu o local decidiu transformá-lo no point dos alvinegros. A decoração com pôsteres e troféus ajuda a dar um clima único ao boteco. "Nosso recorde foi na final da Taça Libertadores de 2013, quando fomos campeões. Tivemos cerca de 4 mil pessoas", comenta. Salomão conta que muitos clientes são frequentadores do bar há anos e se sentem muito mais à vontade em torcer pelo time ali do que na própria casa. "Todo mundo praticamente se conhece. É uma família. Aqui une duas coisas que o belo-horizontino ama: futebol e cerveja", frisa.

Se os atleticanos têm o seu refúgio, o mesmo ocorre com os americanos. Na Rua Pium-í, no Anchieta, Paulo César da Cunha, o Paulinho, de 63, criou em 1988 um bar que leva o seu nome e é uma referência para os torcedores do Coelho. "Somos o único bar oficial do América. Pode estar rolando a final da Copa do Mundo, mas se tiver jogo do América no mesmo horário, a prioridade é o Coelhão", salienta. Quando o bar abriu, os frequentadores acompanhavam as partidas pelo rádio. Hoje, há muitas facilidades, como os pacotes de pay-per-view.

"O interessante é que mesmo os atleticanos e os cruzeirenses costumam aparecer aqui de vez em quando porque nutrem uma simpatia pelo nosso time. Todo muito é bem-vindo. Quando o América vence é uma festa. Ano passado, na conquista do Campeonato Mineiro, a euforia foi tanta que teve gente que saiu pela rua com a bandeira e quase foi atropelado", diverte-se. Paulinho, natural de Ponte Nova, na Zona da Mata, mora em BH há vários anos, acredita que o sucesso dos botecos da capital é explicado pelo famoso lema: não tem mar, vai pro bar. "É o que todo mundo gosta mesmo. Tomar uma cervejinha, comer um tira-gosto e se tiver um futebolzinho então, aí é perfeito", defende.

Compartilhando o mesmo bairro e o mesmo nome do americano, Paulo Henrique Vilela, o Paulinho, de 43 anos, é paulista, mas se mudou para Minas bem . Ao contrário do xará e de Salomão, ele não é muito fã de futebol e até se surpreendeu quando viu seu bar, o Entre nós, na Rua Passatempo, no Anchieta, se transformar em um reduto de cruzeirenses. "Abrimos há 9 anos e quando instalei a televisão em 2010 tudo mudou. Os clientes que gostavam de futebol começaram a vir para assistir aos jogos, seja do Atlético, seja do Cruzeiro. Mas não surgimos como uma proposta de bar temático", explica.

Como a maior parte dos frequentadores e amigos de Paulinho eram torcedores da Raposa, o estabelecimento acabou se tornando uma referência celeste. No começo, o comerciante diz que o clima era bem familiar, mas admite que hoje em dia começou a ter estresse. "O bar ganhou fama de bar do Cruzeiro. Muita gente que não era frequentadora começou a vir por conta dessa ligação com o time. Teve algumas confusões, vizinhos reclamando, e aí muitos clientes iniciais até estão evitando", lamenta.

Paulinho não quer afastar a clientela, mas sim educar. Caso contrário, acredita que vai se tornar algo inviável. "Aqui não é Mineirão. As pessoas estão se comportando como se estivessem numa arquibancada. Não é para ser fanático. Bar não é pra isso. Temos que manter o bom convívio porque isso sim combina com boemia, futebol e alegria", destaca.

Patrimônios dos botecos

Bater ponto nem sempre significa algo ruim ou burocrático. A expressão pode se referir também quando alguém é frequentador assíduo de um determinado lugar, mas por livre e espontânea vontade. É assim com quem não abre mão do seu bar, boteco ou restaurante favorito. A tradicional Cantina do Lucas, que existe desde 1962 no Edifício Malleta, no Centro, e há 20 anos foi tombada como Patrimônio Histórico e Cultural de Belo Horizonte, é reduto desde os seus primórdios de intelectuais, artistas e formadores de opiniões. É nesse ambiente que o pernambucano Fernando Limoeiro, de 66, acabou se tornando ainda mais belo-horizontino de coração. Diretor e professor do Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais, ele se mudou há quatro décadas para Minas. "Todos os meus colegas escritores, autores, a classe teatral; todo mundo ia no Lucas. A primeira vez que estive lá foi em 1980. Desde então, nunca deixei de frequentá-lo. Cheguei a ter mesa cativa durante um tempo e até a escrever alguns textos naquelas mesas. É um local inspirador", revela.

A cerveja gelada, os pratos e petiscos e, sobretudo, a boa prosa, sempre foram os atrativos do estabelecimento. Limoeiro lembra com carinho das conversas com o saudoso garçom Olympio Peres Munhoz, que morreu em 2003, aos 84 anos. "Ele era uma figura. A gente falava de tudo. O seu Olympio adorava contar seus causos de militante comunista", pontua. O emblemático garçom foi apenas um dos amigos que o diretor teatral fez no bar e restaurante. Justamente por ter uma clientela fiel, Fernando Limoeiro diz que é praticamente raro chegar lá e não encontrar um conhecido. "Ainda almoço muito na Cantina do Lucas. Adoro o peixe à pomodoro, o parmegiana, o paillard com fettuccine, e pelo menos duas vezes por semana ainda vou no happy hour. O Lucas é uma atração turística de BH, tanto é que sempre que chega algum pernambucano por aqui eu faço questão de levá-lo à cantina", ressalta.

Outro ponto clássico da boemia na capital mineira é o Tip Top. Considerado um dos bares mais antigos da cidade, ele foi fundado em 1929 pela tcheca Paula Huven e seu marido, o romeno Adolfo Huven. Inicialmente, funcionava como mercearia, no Centro (Rua Espírito Santo, quase esquina com Avenida Afonso Pena), vendendo de tudo um pouco. Depois de passar 42 anos naquele endereço, mudou-se para a Rua Rio de Janeiro, entre a Avenida Bias Fortes e a Rua Gonçalves Dias, em Lourdes. Atualmente, é administrado pelas sócias Cleusa Silva e Ludmila Carneiro. Mercedes Recoder, de 72, se considera praticamente uma embaixadora do Tip Top. Há pelo menos 15 anos ela transformou o local em uma extensão de sua casa. "Devo ir lá umas quatro, cinco vezes por semana, principalmente aos sábados, quando tem música. É uma animação só. Como sou de Diamantina, sempre gostei de uma festa. Costumo ser a última a ir embora", diverte-se.

Mesmo sem beber há 12 anos, por conta de sequelas de uma radioterapia, Mercedes assegura que não deixa de aproveitar. "Para quem está sóbrio, às vezes, as conversas ficam meio chatas. Mas eu não vou deixar de frequentar o meio boêmio porque não bebo mais. Conheço todo mundo e tem gente que até acha que sou a dona, tamanha a intimidade que tenho com os funcionários", brinca.

Viúva e com três netos, Mercedes conta que desde bem mocinha já gostava de sair. Mesmo casada, nunca teve problemas com relação a isso. "O meu marido gostava muito de bar e frequentava um perto de casa. Se eu quisesse ir para outro canto ele não se importava. Sempre tivemos muita confiança um no outro. Eu sou muito agregadora. Gosto de fazer amizades, de conhecer pessoas e vou ser sempre assim", celebra.

Outro cliente assíduo do Tip Top é Bruno Silva, de 47. O bar e restaurante é literalmente a cozinha de sua casa, já que é vizinho do estabelecimento e almoça e janta lá praticamente todos os dias. "Comecei a frequentá-lo há uns 30 anos, com meu pai. Aí dele parou de ir, mas eu continuei. Quando me separei, me mudei para aqui perto, na mesma rua, e aí só faltou a carteirinha (risos). Tenho até garrafa com meu nome", informa.

Bruno, que trabalha na área de imóveis, diz que costuma ir a outros bares e botecos da cidade, mas não esconde sua predileção pelo Tip Top. Não só pelo fato de já conhecer boa parte dos frequentadores e garçons, mas pela atmosfera ali presente. "Ele tem essa coisa bem de BH, tradicional, já que tem mais de 80 anos, carrega a coisa da boemia mesmo. Sem contar que vou a pé e não tenho nenhum problema com a Lei Seca. Não tem como enjoar porque é uma coisa que está na alma do belo-horizontino. O bar faz parte da nossa cultura", ressalta.

12 mil

Número aproximado de botecos, bares e restaurantes em BH, capital com maior quantidade de estabelecimentos desse tipo por habitantes

2,5 milhões

População atual da capital dos bares. Pesquisa da -BH mostra que bares e restaurantes são os comércios dos quais os moradores mais sentem falta em três regionais


Palavras Chave Encontradas: CDL, Criança
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