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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 16-07-2017 - 09:34 -   Notícia original Link para notícia
Motores de recuperação

Setor automotivo e polo de moda íntima impulsionam recuperação da indústria fluminense


"Indica o início de um processo de recuperação para a economia do estado. Mesmo com o ciclo puxado pela exportação, traz ganhos e faz a roda voltar a girar" Guilherme Mercês Economista-chefe do Sistema Firjan


Enquanto o Rio de Janeiro já experimenta uma retomada de investimentos na área de óleo e gás - que foi por décadas a âncora econômica do estado -, dois segmentos já impulsionam a recuperação da indústria fluminense: o polo automotivo, no Sul Fluminense, e o de moda íntima, em Nova Friburgo. Com avanço em produção e vendas, amparado pelo câmbio favorável, eles já experimentam aumento na oferta de empregos.


Novo fôlego. A montadora japonesa Nissan abre amanhã o segundo turno em sua fábrica de Resende. Ela contratou 600 funcionários, e a expectativa é criar 1.800 postos indiretos


No polo automotivo, o motor dessa expansão é o salto nas exportações de veículos, que bateu 57,2% no primeiro semestre, ante janeiro a junho de 2016. O desempenho reflete também o resultado positivo - embora ainda tímido - em vendas dentro do país, de 3,7%. Já as empresas de lingerie se beneficiaram sobretudo da redução nas importações asiáticas feitas por grandes varejistas.


A reboque deste movimento, a japonesa Nissan abre, amanhã, o segundo turno em sua fábrica de Resende. Para iniciar a operação, contratou 600 funcionários, totalizando agora 2.400 empregados. A estimativa é que essa expansão colabore ainda para a criação de 1.800 postos de trabalho indiretos.


Já a MAN Latin America, divisão de ônibus e caminhões da Volkswagen e caminhões MAN, também em Resende, suspendeu, no último dia 10, a redução de salários e jornada dos 3.500 funcionários, que vigorava desde o início de 2015. Com isso, volta a operar cinco dias por semana, em vez de quatro, ampliando em 25% a produção. Enquanto a PSA Peugeot Citröen, na vizinha Porto Real, iniciou um ciclo de investimentos de R$ 1,5 bilhão em cinco anos, um aumento de 50% em relação ao ciclo anterior.


- O crescimento da indústria fluminense nos primeiros cinco meses do ano foi de 4,6%, o maior dentre os estados acompanhados pelo IBGE. Este aumento está sendo puxado pelo segmento extrativo (9,3%), com a retomada no setor de óleo e gás, e indústria de transformação (2,4%), com destaque para metalurgia (37,5%) e automotivo (23,4%). Estes dois últimos registram aumento expressivo das exportações. Nossa previsão é que a indústria do Rio cresça 3,3% este ano, acima da estimativa de 0,8% para a indústria do Brasil - explica Guilherme Mercês, economista-chefe do Sistema Firjan. O aumento da produção acompanhado da abertura de novos postos de trabalho, continua ele, é boa notícia:


- Indica o início de um processo de recuperação para a economia do estado. Mesmo com o ciclo puxado pela exportação, traz ganhos e faz a roda voltar a girar.


Adilson Dezoto, vice-presidente de produção e logística da MAN, comemora os ajustes para complementar a força de trabalho este ano:


- A indústria automotiva foi fortemente atingida pela crise. Em 2011, operamos perto do limite da capacidade de cem mil veículos, com 83.200 unidades produzidas. Em 2016, foram 19.550. Agora, há aumento concreto das exportações e já esperamos melhor demanda do mercado interno no segundo semestre, o que nos permite retomar o turno integral, ampliando a produção em 25% - diz, lembrando que a fábrica reduziu dois turnos entre 2012 e 2015.


A compra de caminhões, explica ele, está diretamente associada à atividade econômica. As vendas da companhia recuaram em linha com o mercado no primeiro semestre, em torno de 16%. Mas Dezoto prevê recuperar a perda até dezembro, encerrando o ano com expansão de 3%. De outro lado, é preciso atender às exportações, que subiram 34%, com alta de 30% em produção. A depender do aumento da demanda, a MAN poderá fazer hora extra ou contratar temporários, diz o executivo.


A situação no Sul Fluminense ficou mais difícil mesmo para quem conseguiu preservar seu emprego na crise.


- Trabalho há 20 anos na indústria automotiva, e estes dois últimos anos foram os mais críticos que já vivi. Eu e minha esposa conseguimos ajustar os gastos. Mas amigos com filhos passaram muito mais dificuldades - conta Joel Lourenço, analista de produção da MAN.


É o caso de Geisiane Laçalvia, que trabalha na linha de montagem da MAN:


- Com 20% do salário reduzidos, tive de parar a construção da minha casa, já que tenho um filho estudando. Agora, com o salário integral, espero recomeçar.


Morador de Barra Mansa, Bruno Luís Lobato, de 27 anos, está entre os recémcontratados pela Nissan:


- Estava há oito meses desempregado. Tive de fazer bicos em obras para ajudar nas despesas da família. Foi difícil. As amiguinhas das minhas filhas ganhavam grandes ovos de Páscoa, e as minhas, só os bem pequenininhos. Deixamos de sair para as contas não acumularem - lembra ele, há quatro meses na montadora. - Agora, retomamos nosso lazer aos sábados, podemos sair para tomar um açaí.


Érica Duarte, recém-contratada pela Nissan, é outra que sentiu alívio.


- Eu e meu marido estávamos desempregados. Tive de tirar minha filha do transporte escolar, do balé, cortamos muitos gastos - conta.


Rodrigo Nishida, economista da LCA Consultores, explica que a oscilação cambial beneficiou a indústria:


- Houve desvalorização cambial e, com o mercado interno enfraquecido, as empresas focaram na ampliação das vendas ao exterior. O movimento ganhou força em 2016, com expansão nas exportações e queda nas importações, o que amplia a demanda por compras dentro do país.


As exportações de veículos automotores no país saltaram 57,2% no primeiro semestre, para 372.563 unidades, segundo a Anfavea. Em valor, a expansão foi de 53%, batendo US$ 7,40 bilhões. Nesses seis meses, a produção do setor cresceu 23,3%, com 1,26 milhão de unidades.


Com esse movimento, a entidade revisou suas previsões para este ano, esperando alta de 21,5% em produção, para 2,61 milhões de unidades, contra estimativa anterior de 11,9%. A projeção atual é que as exportações devem crescer 35,6%. Antes, a expectativa era de alta de 7,2%.


Em operação desde 2014, a fábrica da Nissan começou a produzir o Kicks, principal responsável pela criação do segundo turno, que permitirá também ampliar a produção dos modelos March e Versa. A nova operação vai dobrar a capacidade da unidade para 129 mil veículos por ano. A estimativa do grupo para 2017 é alcançar 80 mil, ante 51,3 mil no ano passado.


'CADA EMPREGO GERA NOVAS VAGAS'


Na montadora japonesa, o crescimento é alimentado também pelo mercado interno. No primeiro semestre, as vendas subiram 38%, batendo 34.154 veículos. Nos primeiros 12 meses de exportação, enviou dez mil carros para fora do país. A meta, diz o presidente da Nissan, Marcos Silva, é dobrar o volume no segundo ano:


- A retomada já é real, com crescimento em vendas no mercado interno e previsão de aumento neste ano e no próximo, independentemente do cenário político. Para abrir o segundo turno e fazer melhorias na fábrica, estamos investindo R$ 750 milhões. Cada emprego direto gera postos de trabalho em fornecedores e em outros setores.


Na PSA, as vendas para o exterior engordaram em 59% de janeiro a junho, sobretudo para a Argentina. Para atender à demanda, a empresa elevou em 24% a produção. A fatia que deixa o Brasil rumo a outros países cresce ano a ano, explica o diretor de comunicação, Fabricio Biondo, ficando em 50% em 2016. No Brasil, as vendas subiram 3% até junho, sinalizando retomada. A montadora francesa chegou a produzir 140 mil veículos em 2010. Em 2015, encolheu a 67 mil. Ano passado, alcançou 82.500 unidades, e a previsão é bater 90 mil este ano. Como suspendeu um turno de operação no início de 2014, a PSA não tem previsão de voltar a contratar.


A recuperação já existe, afirma Mercês, da Firjan, mas não será fácil nem rápida:



- O crescimento vai acontecer sobre níveis de produção historicamente muito baixos. A indústria terá o desafio de reduzir a capacidade ociosa para, num segundo momento, abrir vagas de trabalho. Em Nova Friburgo, moda íntima gera 81% das vagas do setor, na página 32


Em Friburgo, moda íntima gera 81% das vagas do setor


Polo investe em inovação e responde por mais de 25% da produção nacional


O polo de confecções de Nova Friburgo é outro exemplo de retomada na indústria fluminense. A cidade da Região Serrana e os arredores geraram 516 postos de trabalho no setor têxtil de janeiro a maio, sendo 81% deles no segmento de moda íntima, segundo cálculos da Firjan com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). É uma virada na comparação com o saldo negativo de 289 postos registrada em 2016. De janeiro a maio deste ano, a expansão em vendas é de dois dígitos, dizem os empresários.



MÁRCIA FOLETTORitmo de expansão. Costureiras da Jescri, em Nova Friburgo: com 350 funcionários, empresa de moda íntima contratou 50 pessoas no primeiro semestre


No país como um todo, a moda íntima volta este ano ao patamar de produção anterior à crise, aponta pesquisa do IEMI Inteligência de Mercado. A recuperação deve se traduzir em alta de 3,1% na produção, de 5,1% nas exportações e queda de 14,4% nas importações. Para os fabricantes, vem da redução na chegada de peças do exterior, sobretudo da Ásia, o maior impulso. As empresas do polo de Nova Friburgo investiram em inovação, qualidade e diversificação com moda praia e fitness para se diferenciar dos concorrentes asiáticos. Com o câmbio atual, ampliaram participação no mercado.


- Com o freio nas importações de produtos têxteis e de moda íntima, os grandes compradores do segmento voltaram as atenções para o mercado nacional. Isso alavancou a produção em Friburgo, principalmente no setor de private label (produção de peças para outras marcas). As vendas subiram, há empresas contratando - diz Marcelo Porto, presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário de Nova Friburgo (SindVest).


INOVAÇÃO EM CUECAS


A cidade abriga o principal polo de moda íntima do Brasil, responsável por mais de um quarto da produção do segmento, segundo a Firjan. Tem 1.400 confecções, que respondem por 20 mil postos de trabalho, sendo oito mil deles diretos. A feira do setor realizada anualmente na cidade, a Fevest, que aconteceu no início do mês, deve gerar R$ 54 milhões em negócios.


- As importações reduzidas aqueceram a demanda. Mas há uma inflexão na curva de vendas por demanda do consumidor, que adiou as compras. Em janeiro, as pessoas compraram mais nas liquidações, a economia dá sinais de melhora, houve o resgate das contas inativas do FGTS. As compras são pontuais, mas estão voltando - avalia Marcelo Prado, diretor do IEMI.


A Lucitex, por exemplo, que beira 35 anos em atividade, ampliou vendas, produção e a força de trabalho até junho.


- As vendas subiram 30% de janeiro a junho, contra igual período de 2016, quando tivemos queda por causa da recessão. Mesmo assim, no resultado fechado do ano passado tivemos aumento de 24%. Em 2017, já superamos essa taxa - conta a sócia Nelci Layola Porto, que junto aos três irmãos toca a empresa criada pelos pais.


Quase metade da produção da Lucitex é feita sob encomenda para marcas femininas ou grandes magazines. A empresa tem três fábricas, a principal delas fica em Conselheiro Paulino, Friburgo, com 230 funcionários. No total, são 330, contando 30 contratações este ano.


As confecções têm perfis distintos. A Suspiro Íntimo destina 30% de sua produção para marcas femininas, mas não atende grandes varejistas. A produção do grupo é de 65 mil peças por mês, sendo oito mil delas da Trave, a marca masculina.


- Percebemos a demanda por cuecas e outros itens para homens. É preciso inovar - conta o empresário Carlos Eduardo Lima, sócio da empresa aberta ao lado da irmã 25 anos atrás.


Com 120 funcionários, Lima se prepara para contratar mais 20 a partir de agosto. Ele explica que não vende para as grandes redes de varejo porque isso exige uma operação planejada para produzir em maior escala.


- Estamos crescendo, mas hoje enfrentamos o risco de extinção da Lei da Moda, que pode minar a competitividade do polo de Nova Friburgo. Como concorrer com as confecções de São Paulo que zerou o ICMS para o setor têxtil no último mês de maio? - indaga Lima, presidente da regional da Firjan do Centro-Norte Fluminense.


Criada em 2003, a Lei da Moda beneficia o segmento de confecções com uma redução da alíquota de ICMS de 19% para 2,5%. Para as empresas, incide ainda 1% de contribuição para o Fundo de Combate à Pobreza. A vigência do benefício, que vem sendo renovada, expira em outubro de 2018.


A questão é que, com a assinatura do acordo de recuperação fiscal que o Estado do Rio deve assinar com o governo federal no início de agosto, essa renovação pode não ocorrer. A proposta de socorro fiscal prevê que o Rio adote medidas para sanar as finanças do estado, proibindo a concessão de incentivos tributários a empresas. Assim, é preciso renovar o benefício antes da assinatura do acordo.


O deputado Waldeck Carneiro (PT-RJ), à frente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Alerj, afirma que tentará votar a prorrogação da Lei da Moda na primeira semana do mês que vem, na volta do recesso:


- Sem esse incentivo, o setor tende a sofrer uma importantíssima baixa em produtividade, geração de emprego e renda.


RISCO DE PERDER MERCADO


Wanderson Nogueira, sócio e diretor comercial da Jescri, diz que depende do benefício para continuar a crescer e gerar empregos.


- Cerca de 33% da economia de Nova Friburgo são provenientes do setor têxtil. Imagina o comércio, o setor de serviços, o turismo, a gastronomia, se não houver mais emprego? Sem este benefício, microempresas poderão entrar na informalidade e as maiores transferirem a operação para São Paulo - pondera.


Desde a criação do benefício, o número de estabelecimentos na indústria têxtil no estado cresceu 190%, enquanto a arrecadação de ICMS pelo setor subiu 295% entre 2002 e 2015, com a criação de 15 mil postos de trabalho desde 2010, de acordo com a Firjan.


No mercado desde 1993, a Jescri tem 350 funcionários, sendo 50 deles contratados este ano. Marceli Teixeira, de 34 anos, está entre eles:


- Passei nove anos costurando para confecção em casa. Com a crise, as encomendas caíram, e passei a ganhar menos. Meu marido está sem emprego e temos três filhas. Empregada, tenho melhores condições de pagar as despesas da família.


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