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O Globo Online (RJ) ( Rio ) - RJ - Brasil - 03-06-2017 - 06:48 -   Notícia original Link para notícia
Crise chega à mesa

Estabelecimentos tradicionais enfrentam prejuízos e são obrigados a encerrar atividades


"As pessoas perderam o poder de compra. O movimento caiu, enquanto os custos aumentaram. Depois, vimos que não tinha mais jeito" Renato Caumo Sócio da Estrela do Sul


Movimento em restaurantes cariocas cai 40% por causa de crise e violência. Nem casas tradicionais resistem. Do bife do Lamas ao biscoito Globo com mate na praia, passando pelas trufas negras do Fasano al Mare, a gastronomia carioca é de dar água na boca. A diversidade é outra marca: há restaurantes para todos os bolsos, e a boa comida pode ser servida num quiosque à beira-mar. Mas um fenômeno está esvaziando o prato de cariocas: a combinação da crise econômica com o aumento da violência na cidade. O Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes estima que a queda no movimento nos estabelecimentos chega a 40%. Mesmo sem números exatos, o revés à mesa fica cada vez mais evidente, todos os dias, com casas tradicionais, algumas com quase 50 anos de existência, fechando as portas. As que resistem buscam ingredientes fora do cardápio básico para sobreviver, inclusive apelando para serviço delivery. A última má notícia veio da Antica Osteria Dell'Angolo, reduto de artistas e intelectuais em Ipanema, que está à venda.


FOTOS DE GUITO MORETOÀs moscas. O restaurante Antica Osteria Dell'Angolo, em Ipanema, onde o compositor Chico Buarque tem mesa cativa, está à venda: sócio diz que a violência tem afastado os clientes


O anúncio de que o casarão de dois andares será vendido foi feito pela jornalista Luciana Fróes, em seu blog "Anotações Gastronômicas", e ainda está sendo digerido pelos fãs da comida italiana. Um clássico tão inegável, a despeito dos preços salgados dos pratos, que Chico Buarque tem uma mesa cativa no restaurante. Quem pode se dar o luxo está correndo para, ao menos, desfrutar de um jantar de despedida. Localizada na esquina das ruas Paul Redfern e Prudente de Moraes, a Osteria foi fundada em 1995 e carrega histórias memoráveis. Foi lá que, dois dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva bebeu um Romanée-Conti 1997, um dos vinhos mais caros do mundo, levado pelo publicitário Duda Mendonça. Em 2014, o restaurante anexou uma pizzaria vizinha, dobrando de tamanho. Desde então, a Osteria, que tinha filas na porta, vem ficando mais vazia.


Um dos sócios da casa, o milanês Luciano Pessina reconhece que o movimento caiu muito nos últimos meses, mas, segundo ele, problemas particulares precipitaram a decisão de vender o imóvel.


- A venda do imóvel não é consequência só da crise. Estamos aguentando. É uma situação de instabilidade. Ninguém sabe o que vai acontecer. Os clientes ficam com medo de sair de casa. Aumentou a violência. Chega 23h, e as ruas ficam vazias. Está difícil - diz Pessina.


Outras boas mesas estão à míngua. Aberto em novembro de 2010 e premiado três vezes pelo Guia Michelin na categoria Bib Gourmand (por ser um lugar onde se come bem a bom preço), o espanhol Entretapas, em Botafogo, sai de cena no próximo sábado. Os sócios Jean Santos e Antonio Alcaraz não quiseram comentar o assunto, mas, numa postagem no Facebook, escreveram que "a marca Entretapas continua com o objetivo de retomar novas atividades em um futuro próximo". Perto dali, no Humaitá, a loja Mutações e o Café do Largo, um bistrô orgânico que fica no fundo do estabelecimento, fecham as portas hoje.


VIOLÊNCIA PESA NA CONTA


Dono da rede Gula Gula e presidente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes, Pedro de Lamare explica que a crise, que reduziu a clientela em até 40%, tem uma forte contribuição dos indicadores de criminalidade. O aumento dos roubos de carga, inclusive de gêneros alimentícios que abastecem restaurantes, também está na raiz do problema.


- Estamos com muito medo da forma como a segurança está andando. Podemos assistir a uma grande tragédia no Rio. A falta de segurança também afeta o abastecimento diretamente. O preço do filé mignon subiu 20% em função dos roubos de carga. As seguradoras não estão cobrindo as viagens noturnas porque esse tipo de crime tomou grande dimensão. De janeiro de 2016 até agora, subiu o ICMS para quem estava no regime especial, aumentando os custos. A conta não fecha. Além disso, o estado também não paga seu funcionalismo, que são nossos clientes, como todo mundo - comentou.


Durou pouco também a experiência do Ró, no Jardim Botânico, o primeiro restaurante do Rio especializado em raw food (comida crua, em inglês). Sócio da empreitada, que durou seis meses, de junho a dezembro do ano passado, o crítico de vinhos Alexandre Lalas reconhece que pode ter subestimado a crise e superestimado o mercado.


- Quando acabou a Olimpíada, parece que o Rio acabou. Fora a crise, temos uma legislação trabalhista e fiscal muito complicada. Isso sufoca o empregador e o empregado. Só quem ganha é o governo - disse.


Na esteira da crise, só nos seis primeiros meses deste ano, foram fechados a unidade de Botafogo da churrascaria Estrela do Sul, como noticiou o colunista Ancelmo Gois na última quinta-feira, a livraria-restaurante Al-Farabi, no Centro, o Atrium, no Paço Imperial, a hamburgueria americana PJ Clarke's, no BarraShopping, o italiano Benedictine, no Village Mall, e o Petisco da Vila, em Vila Isabel. O empresário Renato Caumo, um dos sócios da churrascaria Estrela do Sul, desabou em lágrimas ao falar sobre o fechamento da casa, inaugurada em 1972 no Mourisco, em Botafogo, e transferida 23 anos depois para espaço próximo ao shopping Casa & Gourmet:


- Imagina dedicar uma vida inteira a uma atividade, sempre procurando fazer o melhor, com muito carinho, com três gerações envolvidas. Tudo o que tenho na vida consegui graças a essa atividade, e agora preciso me desfazer (do restaurante), acabar com uma história dessa. Não é fácil não.


Segundo ele, tudo foi tentado: até mesmo venda de patrimônio e empréstimos bancários. Mas não houve jeito. A crise bateu forte no grupo, com 45 anos de fundação e que agora mantém com dificuldades as unidades no Maracanã, no Norte Shopping e no Recreio.


- As pessoas perderam o poder de compra. O movimento caiu, enquanto os custos aumentaram. Vendemos patrimônio e tudo. Depois, vimos que não tinha mais jeito. A crise econômica, a violência, juros extorsivos, tudo somado... - afirmou Caumo, acrescentando que as outras três filiais também "respiram com ajuda de aparelhos". - Não sei quanto vamos aguentar.


DELIVERY PARA RESISTIR À CRISE


Criadora do bolinho de feijoada, um dos petiscos mais famosos da cidade, a chef Kátia Barbosa, do Aconchego Carioca, cuja primeira unidade foi aberta na Praça da Bandeira, vem refazendo as contas e apostado em promoções para superar a crise. Já demitiu oito funcionários no restaurante da Praça da Bandeira e quatro no do Leblon. Ela também negocia a redução do preço do aluguel das duas filiais. Há dois meses, começou a trabalhar com o serviço de delivery e diz que a "nova receita" tem dado certo.


- O Aconchego tem 15 anos, e nunca passamos por uma crise. Então, estamos tendo que rebolar. Nessa situação, aprende-se a valorizar pequenos hábitos, pequenos cuidados com os clientes, por exemplo. Quando eu sair dessa crise, vou ser uma administradora melhor. Tudo tem um lado positivo - disse a chef.


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