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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 14-05-2017 - 09:07 -   Notícia original Link para notícia
De olhos bem abertos para manter as contas em dia

Planejamento financeiro é crucial para enfrentar armadilhas de consumo, dizem especialistas


"Educação financeira é uma grande oportunidade de mudança de vida para qualquer pessoa. Ela te dá as ferramentas para realizar os sonhos" Laura Coutinho Professora e educadora financeira


Equilibrar as contas é uma tarefa cada vez mais complicada. Não bastasse o peso da crise e dos juros sobre o orçamento, escapar das armadilhas do neuromarketing - que estimula as compras por impulso - é uma missão quase impossível. Para mudar o cenário de 60 milhões de brasileiros com dívidas, educar para um consumo consciente pode ser a única saída. É preciso estar atento para manter os gastos dentro do orçamento, mas também observar se os direitos do consumidor estão sendo levados em conta, além de considerar o impacto sobre o meio ambiente. O planejamento é um dos pontos abordados na Semana Nacional de Educação Financeira, que termina hoje.


FERNANDO LEMOS


- A manipulação do marketing hoje, com a ajuda da neurociência, fala diretamente ao inconsciente. Essa profissionalização do varejo faz do consumidor uma presa fácil. O primeiro passo é tomar consciência dessa manipulação. Depois, entender a diferença entre desejo e necessidade, e estabelecer prioridades. O exercício da cidadania, de fato, se dá quando o consumidor consegue exercer no mercado um controle de qualidade - ressalta a psicóloga Rita Martins, professora da Faculdade Hélio Alonso (Facha) especializada em marketing e comportamento do consumidor.


Relatos de compras por impulso apareceram com frequência em pesquisa feita com consumidores das classes B e C pela especialista em finanças pessoais Graziela Fortunato, professora da Escola de Negócios da PUC-Rio (IAG).


- São muitas facilidades e estímulos para compras, em uma sociedade cada dia mais doente e sem preparo para consumir. E estudos provam que angústia e tristeza levam a consumir o dobro. As pessoas dividem em dez vezes, veem o valor da parcela em relação ao do produto e se esquecem de que há muitas outras prestações para pagar - alerta Gabriela.


CARTÃO, UM GRANDE PROBLEMA


E o cartão de crédito tem forte peso nas compras por impulso. Não é à toa que eles respondem por quase metade dos pedidos de renegociação de dívida encaminhados ao mutirão on-line, realizado na última semana pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, via o portal de intermediação de conflitos Consumidor.gov.br.


- O cartão de crédito é sempre um problema. Primeiro a pessoa não consegue quitar e paga o mínimo, depois não consegue pagar o mínimo, entra no rotativo e já está feito. Não por acaso, mudaram as regras do rotativo agora. O consumidor precisa ser resgatado antes que fique inadimplente - defende Daniele Cardoso, coordenadora do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), que reúne dados dos Procons.


A educadora financeira Laura Coutinho, que ajudou a elaborar o material didático do Programa Nacional de Educação Financeira do governo federal, sugere que se pense na imagem da balança para entender o caminho para o equilíbrio financeiro.


- O consumo está em um prato, de um lado da balança, e a poupança, do outro. Na base está a renda, o salário. Esses dois pratos estão sempre em movimento. A gente não vive numa ilha, há fatores externos como inflação, a forma como funciona o sistema financeiro, que agem sobre as nossas contas sem que possamos fazer nada. O que precismos é cuidar da questões pessoais, do orçamento e do planejamento do consumo - explica a educadora.


É nessa vertente que Laura trabalha, desde 2015, com cerca de 1.300 alunos do ensino médio do Ciep Ayrton Senna, nas proximidades da Rocinha. O currículo abrange das armadilhas psicológicas do varejo aos impactos ambientais, passando pelos direitos do consumidor e corrupção. No fim do ano passado, um grupo de estudantes desenvolveu uma pesquisa, respondida por 500 alunos, que foi apresentada na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).


Os resultados mostram que os jovens têm pouco conhecimento financeiro. Mais da metade, por exemplo, não foi capaz de responder sobre o poder de compra do seu dinheiro depois de um ano de investimento e diante do impacto da inflação. Cerca de um terço não soube responder sobre a incidência de multa nas contas pagas fora do vencimento. Mas 58,60% apontaram a garantia de um futuro melhor para família como objetivo de poupança, e 40% marcaram também os estudos.


- Educação financeira é uma grande oportunidade de mudança de vida para qualquer pessoa. Ela te dá as ferramentas para realizar os sonhos. O que se percebe hoje é uma grande desesperança. Quando a gente mostra que é possível traçar metas e o caminho, isso revoluciona - diz Laura, destacando o trabalho feito pelos alunos em vídeo e em rap sobre o tema.


TER INFORMAÇÃO ACESSÍVEL


O engenheiro civil Giovanni Cossenzo despertou recentemente para a necessidade de se educar financeiramente. Sem grandes problemas no tema, ele foi chamado a mudar de postura pela gerente da agência onde tem conta bancária.


- Na correria cotidiana, eu deixava esse assunto de lado, e minha mulher também. A iniciativa da organização financeira foi uma recomendação da minha gerente, por conta da crise. Sempre fiz alguns investimentos, mas precisava me organizar melhor. E isso fez toda a diferença - admite Cossenzo.


Especialistas dizem que a educação financeira e para o consumo consciente devem vir de berço. O advogado Sérgio De Regina, de 55 anos, conta que fez a lição de casa com os dois filhos e hoje colhe os frutos.


- Quanto se gasta é muito mais importante do que quanto se ganha. Sempre frisei a importância de comprometer apenas 30% do salário com dívidas. Felizmente, percebo hoje que eles organizam bem as próprias finanças - conta.


Diógenes Donizete, coordenador do Programa de Apoio ao Superendividado do Procon-SP, acredita que os brasileiros vão sair mais amadurecidos, do ponto de vista financeiro e de consumo, da crise atual.


- Nossa estabilidade era recente, e as pessoas não se prepararam para um momento como este. Ninguém fez reserva. Hoje, cerca de 60% das pessoas que nos procuram são o que chamamos de superendividados passivos, que ficaram nessa situação por causas externas. Desse grupo, 20% perderam o emprego, outros 19% tiveram redução de renda. Sou otimista, acho que as pessoas vão aprender, é preciso discutir o orçamento em família - afirma Donizete.


O professor de Direito do Consumidor Ricardo Morishita defende que não só os consumidores precisam mudar, mas as empresas também:



- Devemos reinterpretar o que o Código de Defesa do Consumidor fala sobre informar o cliente. Não basta ter um monte de dados disponíveis em sites e panfletos, é preciso tornar essas informações úteis e acessíveis ao consumidor. E isso é fundamental quando falamos em educação financeira.


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