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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 13-05-2017 - 07:33 -   Notícia original Link para notícia
A lei dos espetinhos Reimont

Prefeitura e vereadores preparam nova legislação para a venda de alimentos nas ruas


"A proposta corrige distorções não apenas em relação à comida. A lei atual ainda prevê, por exemplo, que ambulante pode vender ficha para orelhão"


Quem nunca matou a fome com um salsichão, churrasquinho ou queijo de coalho comprado numa barraquinha que atire o primeiro palito. Mergulhada na informalidade, a gastronomia das ruas parece estar a caminho de uma nova regulação. Em iniciativas paralelas, a prefeitura e a Câmara Municipal finalizam propostas para regular a venda de uma série de produtos, do cachorro-quente à vodca.


PABLO JACOBAutorizada. O churrasquinho da Jô, em Vila Isabel: "Não é certo falar 'comida de rua'; é 'gastronomia de rua', diz a vendedora. Ela fez um curso de manipulação de alimentos e ganhou uma licença do município para trabalhar


No caso da Câmara, a ideia é criar regras para a comercialização de diversos alimentos não industrializados, como crepe, misto-quente, tapioca e churros. Além disso, um grupo de vereadores quer ampliar a variedade de bebidas que podem ser vendidas legalmente, como caipirinha e açaí. Hoje, ambulantes só têm autorização para oferecer água, cerveja e refrigerante. Pela proposta, a venda de bebidas que não são preparadas em fábricas continuará proibida nas praias ou com uso de carros de som. Se for aprovado, o projeto, que entrou na pauta de votação na semana passada, poderá mudar uma legislação sobre o comércio ambulante que está em vigor desde 1992.


TESTE EM MADUREIRA


Pelo lado do Executivo, uma comissão criada pelo prefeito Marcelo Crivella promete concluir no fim deste mês uma proposta sobre o mesmo tema. A equipe não revelou detalhes do plano. De acordo com a assessoria de imprensa de Crivella, ainda não está definido se o projeto será enviado à Câmara ou passará a valer por decreto. O que já está fechado é que, antes de entrar em vigor, a nova legislação será testada com um grupo de ambulantes da Avenida Ministro Edgard Romero, em Madureira.


Em relação ao churrasquinho, vale dizer que não é primeira vez que o poder público tenta tirá-lo da clandestinidade. Em outubro de 2015, vereadores derrubaram um veto do então prefeito Eduardo Paes a um projeto de lei que autorizava a concessão de licenças em toda a cidade. Na época, Paes justificou sua decisão dizendo que a iniciativa da Câmara oferecia "riscos sanitários", e frisou que a venda da iguaria necessitava de uma ampla legislação específica. Com a derrubada do veto, ele quis evitar um desgaste e acabou recorrendo a um artifício que já havia usado para cadastrar as baianas do acarajé e legalizá-las: declarou o churrasquinho um patrimônio cultural do Rio.


O churrasquinho foi liberado. Mas, passados 19 meses, a prefeitura só liberou inscrições para vendedores de 11 bairros, todos na Zona Norte (incluindo Andaraí, Tijuca, Maracanã, Méier e Vila Isabel). De acordo com a Secretaria municipal de Fazenda, apenas 40 licenças foram distribuídas.


O vereador Reimont (PT), que coordena as discussões na Câmara para mudar a legislação do comércio de rua, afirma que muitos ambulantes que trabalham sem licenças aguardam a aprovação de regras mais flexíveis.


- O que a Casa propõe nada mais é do que aquilo que se oferece nas ruas da cidade. A sociedade evoluiu. A proposta corrige distorções não apenas em relação à comida. A lei atual ainda prevê, por exemplo, que ambulante pode vender ficha telefônica para orelhão - diz Reimont.


Hoje, para obter uma autorização da prefeitura, um ambulante deve, entre outras exigências, fazer um curso de manipulação de alimentos, no qual ele aprende como acondicionar produtos em caixas térmicas. Josenilde Monteiro Lima, a Jô, é uma das poucas pessoas que foram às aulas e ganharam uma licença definitiva. Há três anos, Jô trabalha de terça-feira a sábado na esquina do Boulevard Vinte e Oito de Setembro com a Rua Major Barros, em Vila Isabel.


- Sou conhecida por causa da qualidade do meu espeto. Não é certo falar "comida de rua"; é "gastronomia de rua". Uso gelo artificial por exigência da Vigilância Sanitária, e só transporto as carnes quando estão congeladas. O churrasquinho é a cara do carioca, merece todo o cuidado - garante Jô.


A ambulante vende espetinhos que custam até R$ 7, dependendo do tipo da carne e dos acompanhamentos. Ela calcula que fatura, em média, R$ 300 por dia, e conta que chega a levar R$ 500 para casa ao fim de uma noite de bom movimento. Mas Jô afirma que o tempo das vacas gordas já passou, pois a crise financeira também vem atingindo - como faz questão de frisar - a gastronomia de rua.


Hoje não há uma estimativa oficial de quantos ambulantes vendem comida pela cidade. Quando a atividade finalmente for regulamentada, os vendedores terão que se candidatar a vagas em pontos estabelecidos pela prefeitura, mediante pagamento de uma taxa anual que irá variar de R$160 a R$321. Pela legislação em vigor, há um limite de 18 mil pontos na cidade para o comércio ambulante em geral, que inclui a venda de produtos não alimentícios. No entanto, segundo a prefeitura, cerca de 30% das vagas não estão ocupadas.


DECRETO PARA FOOD TRUCKS


Se as regras para ambulantes não pegaram, o mesmo não se pode dizer em relação aos food trucks, que se espalharam pela cidade antes mesmo de a atividade ser regulamentada pelo município. A venda de alimentos nesses veículos é regulamentada por um decreto de 2015, que a trata como uma atividade comercial específica. Para estacionar em áreas públicas, o dono de um food truck precisa pagar uma taxa mensal de R$ 700 à prefeitura. Além disso, devem seguir regras que incluem a padronização das dimensões dos veículos: são sete metros de comprimento, dois e meio de largura e três de altura, no máximo.


Nenhum food truck pode permanecer estacionado numa rua ou praça após o encerramento das vendas. Por outro lado, não há uma regra para a distribuição de mesas e cadeiras: tudo depende do espaço disponível. Os comerciantes que trabalham com esses veículos também são obrigados a seguir regras de higiene, que proíbem a exposição de alimentos sem proteção contra poeira e insetos.


Apaixonado por barraquinhas e food trucks, o cineasta Sérgio Bloch fez um documentário sobre o tema e é um dos autores do "Guia carioca de gastronomia de rua". Segundo o especialista, a comercialização de alimentos em áreas públicas do Rio começou no período colonial, "pelos escravos de ganho". Com autorização dos donos, eles saíam das casas para vender produtos como doces, salgados e café. O lucro era dividido meio a meio com o senhorio. Muitos usaram o dinheiro para comprar suas cartas de alforria.


Bloch defende a legalização dos ambulantes, mas ele acha que a imposição de regras sanitárias pela prefeitura não é suficiente para garantir a qualidade dos produtos.


- A comida de rua tem uma característica diferente daquela que é servida em um restaurante. Normalmente, uma pessoa passa todos os dias pelo mesmo lugar, indo e voltando do trabalho, e vê sempre uma barraquinha. Ninguém para ali durante anos se não houver um bom produto. Se alguém comer e passar mal, fala para todo mundo - argumenta o cineasta.


O chef francês Roland Villard diz que a comida servida nas ruas deve ser tratada como "mais uma opção gastronômica do Rio":



- Como toda atividade gastronômica, há opções interessantes nessa área. A gastronomia de rua também pode ter qualidade. Muitas vezes, ela se transforma na única opção para matar a fome depois de uma determinada hora. Isso acontece aqui, no Rio, e em outras grandes cidades de todo o mundo, inclusive Paris.


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