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Isto é Dinheiro online ( Negócios ) - SP - Brasil - 06-05-2017 - 12:11 -   Notícia original Link para notícia
A turbinagem da Volkswagen

A montadora alemã foi a mais afetada pela crise entre as quatro gigantes do mercado. Além disso, enfrentou problemas com fornecedores e foi acusada de fraude. Agora, traça um plano para reagir



Quando desembarcou no Brasil, há pouco mais de dois anos, o sul-africano David Powels, 55 anos, tinha, entre tantos objetivos profissionais, o projeto pessoal de perder quatro quilos. Poucos meses depois, o executivo superou, de longe, essa meta, ao emagrecer 11 quilos. A nova silhueta não foi fruto de uma dieta milagrosa. Tampouco veio da dificuldade de adaptação à culinária local. Mas, um ingrediente, com certeza lhe tirou o apetite: o desafio de liderar a subsidiária da montadora alemã em um dos períodos mais turbulentos da trajetória de seis décadas da companhia no mercado nacional.


Nos últimos anos, a Volks colecionou problemas que só agravaram os impactos da intensa desaceleração do setor automotivo, um dos mais afetados pela crise econômica. Os números traduzem esse cenário. Dos 3,7 milhões de veículos vendidos em 2013, essa indústria recuou para um volume de 2,1 milhões de unidades no ano passado. No mesmo intervalo, a companhia registrou a maior perda entre as quatro gigantes (Volkswagen, Fiat, Ford e GM) no País, saindo de 666 mil carros vendidos para 228 mil unidades.


Entretanto, quem olha Powels atualmente não enxerga nenhum sinal de abatimento. Ao contrário. Ele parece estar em ótima forma para comandar a reação da montadora no mercado brasileiro. "Acabo de recuperar dois quilos", afirma o executivo, bem-humorado e em bom português, carregado de sotaque inglês, à DINHEIRO. E a motivação para esse novo ânimo vem de um pacote de iniciativas que está sendo implementado na operação. A sensação é de que o pesado fardo dos últimos anos está ficando para trás. "O pior já passou. Tivemos tempos muito difíceis, por fatores fora do nosso controle, e outros que estavam sob nossa alçada. Mas, 2017, sem dúvida, marcará nossa virada de página."


No forno: com lançamento no segundo semestre, o polo hatch inicia a renovação do portfólio da marca (Crédito:Divulgação)


Um dos fatores que tiraram o sono de Powels começou a ser solucionado em agosto do ano passado, quando a Volkswagen rescindiu o contrato com o Prevent, grupo bósnio de autopeças que, entre 2012 e 2014, adquiriu sete operações no País. Boa parte desssas empresas integrava a cadeia de fornecedores da marca alemã. E o fato de ser o único fornecedor de componentes chave para a Volks teria sido usado para colocar a montadora contra a parede, com interrupções sistemáticas de entrega de peças, desde março de 2015. Com essa tática, a "parceira" supostamente exigiu, em todas essas ocasiões, a revisão dos preços pagos pelos seus serviços.


Na época, a DINHEIRO apurou que a montadora pagou R$ 230 milhões ao Prevent, além do que estava estipulado inicialmente em contrato. Oficialmente, a Volks deixou de produzir 150 mil veículos no período. Levando-se em conta o preço médio de R$ 48 mil dos carros da marca, o prejuízo estimado foi de R$ 7,2 bilhões nesse intervalo. "Casos como esse só acontecem a cada 50 anos", diz o executivo. Ele ressalta que todos os equipamentos em regime de comodato já foram recuperados e que dez novas empresas assumiram os contratos que antes estavam sob a responsabilidade do grupo Prevent. "Desde o início do ano, retomamos o nível normal de produção em todas as nossas fábricas", afirma Powels.


Outro problema também parece perto de uma solução na operação brasileira. Batizado de "Dieselgate", o escândalo global de emissões dos motores a diesel da empresa teve, segundo o executivo, poucos reflexos no País. Enquanto o grupo convive com imbróglios judiciais ao redor do mundo, no Brasil, onde os motores em questão estão restritos à picape Amarok, a companhia entrou com um recurso contra uma multa de R$ 50 milhões estipulada pelo Ibama. Ao mesmo tempo, anunciou no fim de abril um recall desses modelos no mercado brasileiro.


Com os dois entraves equacionados, a Volks busca uma rota mais estável no Brasil. A produção é um dos focos. A empresa tem implantado medidas para reduzir custos e ganhar competitividade em suas quatro fábricas no País. Uma das vias é a capacitação dos funcionários, especialmente em novas tecnologias. Essa estratégia já está trazendo resultados. A fábrica de São Carlos (SP) acaba de vencer uma concorrência global para exportar motores com tecnologia TSI à operação do México. Trata-se de motores turbinados, que proporcionam alto desempenho mesmo em motores de baixa cilindrada, como os famosos 1.0, com baixo consumo de combustível.


Com o contrato, a unidade que já havia recebido um aporte de R$ 460 milhões, em 2015, atraiu um investimento adicional de R$ 50 milhões. O projeto prevê a entrega de 250 mil motores até 2020. Eles irão equipar os modelos Jetta, Golf e Golf Variant. Essa é a primeira vez que a fábrica exportará motores completos. Até então, além de abastecer os modelos no Brasil, a fábrica já destinava blocos para a produção de motores na Europa. A exportação de veículos também tem gerado bons números.


Made in Brazil: A fábrica da montadora instalada em São Carlos (SP) acaba de vencer uma concorrência global para exportar 250 mil motores, até 2020, para a operação mexicana. (Crédito:Divulgação)


No primeiro trimestre, a Volks Brasil embarcou 47,9 mil unidades para o exterior, o que representou um salto de 102% sobre o mesmo período de 2016. No resultado consolidado do ano passado, o volume total foi de 107 mil carros. "Para esse ano, estamos projetando 150 mil unidades", diz Powels. Desde setembro, o executivo acumula o comando da Volks no País com o cargo de CEO da América do Sul. Recém-criada, a unidade se divide entre Brasil, Argentina e um bloco de 26 países. Essa última ponta é o próximo foco de atenção. "Temos uma participação de apenas 2% nesse bloco. Queremos ampliar essa fatia para 7% em até dez anos."


No mercado interno, um dos principais movimentos é a renovação do portfólio. O primeiro passo dessa estratégia é a nova geração do Polo hatch, que chegará ao País no segundo semestre. Em 2018, será a vez do sedã Virtus. Os dois modelos serão produzidos na fábrica da montadora em São Bernardo do Campo (SP). Entre outros lançamentos, o cronograma inclui um SUV, uma das poucas categorias a registrar crescimento recentemente no mercado brasileiro e, na qual, a marca alemã ainda possui pouca presença. A falta de novidades é um dos pontos que contribuíram para a turbulência da Volks no Brasil. A grande dependência do Gol, campeão de vendas durante mais de duas décadas no País, é destacada.


"O Gol chegou a representar 40% das vendas locais da marca. E a crise teve um impacto muito maior nessas categorias de entrada", diz Carlos da Silva, consultor da IHS Automotive. Ele ressalta ainda a renovação feita por rivais como Ford e GM, e o fortalecimento de concorrentes como Hyundai e Honda no período. "O azar da Volks foi ter pego o fim de um ciclo de seu portfólio no auge da crise, com o agravante de problemas com fornecedores", afirma Paulo Garbossa, diretor da consultoria ADK. Contudo, ele observa que esse cenário pode beneficiar a empresa. "Eles já perderam tudo o que tinham a perder. Com os novos modelos, a Volks vai estar preparada para a retomada do mercado."


Powels observa que os novos modelos vão reforçar os recursos digitais, de conectividade e trarão um design mais relevante para os brasileiros. A tecnologia é também um ponto chave para implantar uma nova cultura na empresa. A companhia instalou, por exemplo, painéis digitais em suas fábricas, que veiculam notícias corporativas e dados do sistema de produção. Desde janeiro, mais de mil conteúdos foram divulgados nesse canal. Na segunda-feira 8, a montadora lança também um aplicativo para aprimorar a comunicação com os funcionários, entre outros recursos disponíveis. "Precisamos mudar a imagem de uma empresa lenta, velha e conservadora", diz o executivo. "E o mercado só vai perceber essa nova abordagem quando ela refletir, de fato, o que acontece dentro da nossa casa."




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