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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 16-04-2017 - 11:04 -   Notícia original Link para notícia
Fraudes na previdência rural

Em quatro anos, 37 mil benefícios foram cancelados, com impacto de R$ 406,5 milhões



Em quatro anos, foram cancelados 37 mil benefícios irregulares, com impacto de R$ 406,5 milhões, segundo a Secretaria da Previdência. A aposentadoria rural responde por mais da metade do rombo da Previdência. -BRASÍLIA- Um dos itens da reforma da Previdência que mobilizaram muitos parlamentares - especialmente das bancadas do Nordeste, onde tem grande peso eleitoral - a aposentadoria rural responde, hoje, por mais da metade do rombo do regime geral de Previdência (INSS). Isso para pagar pouco mais de um terço dos 23 milhões de beneficiários. Acolhida pela Constituição de 1988, a modalidade virou alvo de fraudes. Nos últimos quatro anos, foram cancelados 37.012 benefícios irregulares, envolvendo a soma de R$ 406,5 milhões, segundo dados inéditos das Secretaria de Previdência, que consideram valores pagos indevidamente e a economia com gastos futuros. No período, foram realizadas 27 operações no campo pela força-tarefa, uma parceria da Polícia Federal com o Ministério Público. Numa única missão foram detectados 290 benefícios irregulares, dos quais 260 eram rurais.



A fragilidade e o alto grau de subjetividade das provas que o trabalhador pode apresentar para comprovar a atividade no campo são apontadas como uma das fontes do problema. Além de documentos emitidos por órgãos públicos (Incra, Funai), registros em programas sociais do governo, contratos de parceria e bloco de notas de venda de produtos fazem parte do rol de provas documentais até certidões concedidas por igrejas (batizados, crisma e casamento), fichas de hospitais e postos de saúde, cartão de vacina, matrículas e boletins escolares dos filhos, inscrição em cooperativas e filiação sindical. Não é à toa que 30,2% das aposentadorias rurais concedidas foram decorrentes de ações judiciais, quase o dobro das obtidas nas áreas urbanas.



A aposentadoria rural começou a ser paga antes da Constituição de 1988. Ela começa com o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (Funrural), criado na década de 1970, mas o benefício era de meio salário mínimo e a pensão era limitada a 30% do benefício principal.



BRECHAS LEGAIS FACILITAM IRREGULARIDADES



Para facilitar o processo, a legislação permite que sindicatos de trabalhadores rurais deem declarações de filiados para atestar atividade no campo e, assim, conseguir a aposentadoria rural. As entidades têm convênios com o INSS para descontar de seus associados, diretamente no contracheque, a contribuição associativa. No ano passado, foram repassados aos sindicatos e confederações R$ 37,5 milhões de 2,1 milhões de aposentados sindicalizados, de acordo com dados do INSS.



Há entidades que costumam cobrar antecipadamente dos trabalhadores a contribuição associativa para conceder a declaração de exercício no campo. Uma vez aposentados, eles acabam pagando a taxa sindical pelo resto da vida.



Depois de passar a vida trabalhando nas terras da família, Jorge Lázaro dos Santos, de 60 anos, procurou uma agência do INSS em Brasília para dar entrada na aposentadoria. Ele conta que reuniu toda a documentação, como comprovante de residência, escolaridade dos filhos e notas fiscais da comercialização de produtos e procurou o sindicato para obter a declaração de atividade na área rural. Lá, teve de pagar taxa antecipada pelo documento. Segundo ele, caso consiga a aposentadoria, terá de pagar R$ 112 a cada seis meses para o sindicato:



- Na rural (aposentadoria), estão exigindo esse dinheiro aí, mas não acho justo. A gente já ganha uma mixaria, que só dá para os remédios.



Para receber a declaração, o trabalhador apresenta documentos mais simplificados que os exigidos diretamente no INSS. A declaração não é obrigatória para requerer a aposentadoria rural nem é garantia de que o pedido será deferido, uma vez que a análise do processo é competência do INSS.



Técnicos do governo afirmam que há entidades sérias e que a participação dos sindicatos no processo de obtenção da aposentadoria, bem como a permissão para desconto da contribuição sindical na folha, estão previstos na legislação em vigor. No entanto, as operações já identificaram fraudes envolvendo sindicatos. Os casos são repassados ao Ministério Público Federal para providências.



Entre as fraudes recorrentes estão falsificação de documentos de identidade, registro civil, documento de comprovação de atividade no campo, filiação a sindicatos e declarações falsas "com eventual participação de integrantes de sindicatos de trabalhadores rurais", informou a Secretaria de Previdência. Elas são mais comuns nos benefícios de aposentadoria, pensão por morte e salário-maternidade. Há também a ação de quadrilhas especializadas. A força-tarefa identificou benefícios fraudados com empréstimos consignados. Se, por um lado, há brechas legais para fraudes, de outro há trabalhadores rurais que enfrentam problemas para obter o benefício. Burocracia, falta de informação e dificuldade para reunir provas são os maiores entraves.



É o caso de Maria da Conceição Pereira dos Santos, de 61 anos, que tenta a aposentadoria desde dezembro, mas não conseguiu iniciar o processo:



 Trabalhei com enxada, em plantação, criando galinha, olha os meus dedos como são calejados. Mas nunca foi de carteira assinada, e o patrão já morreu. Saí da roça, porque não estava aguentando mais e porque comecei a ter diabetes.



Acompanhando dona Maria, Otacílio Araújo recorreu à Defensoria Pública e aguarda a concessão da aposentadoria. Ele conta que trabalhou por 20 anos na roça, mas destes, só cinco foram de carteira assinada. Com o auxílio da Defensoria, ele conseguiu comprovar outros 15 anos trabalhados.



'GOVERNO NÃO CONHECE ESSES TRABALHADORES'



A aposentadoria rural é concedida aos trabalhadores (pequenos produtores e pescadores artesanais) aos 60 anos de idade (homem) e 55 anos (mulher). A legislação prevê contribuição correspondente a 2,1% da comercialização anual de produtos. Mas o recolhimento não é obrigatório. Para requerer o benefício, é preciso comprovar o exercício de atividade rural por 15 anos, com documentos e até testemunhas, quando o caso vai para a Justiça.



O problema é que o governo não tem controle. Por isso, pretende criar na reforma da Previdência uma contribuição, correspondente a 5% do salário mínimo. O objetivo, segundo o assessor especial do Ministério do Planejamento, Arnaldo Lima, é criar um banco de dados para identificar e monitorar o histórico desses trabalhadores.



- O governo não conhece esses trabalhadores, fica sabendo da existência deles somente na hora em que o benefício é solicitado - disse Lima, acrescentando que, quando o beneficiário morre, a viúva tem que entrar na Justiça para receber a pensão.



Lima destacou que, mesmo após aprovada a reforma previdenciária, será preciso instituir lei para criar a contribuição dos segurados rurais. A reforma não vai retroagir, se o trabalhador já tiver exercido atividades no campo por dez anos, por exemplo, antes das mudança, ainda poderá atestar isso via documento e declaração. A aposentadoria rural continuará sendo subsidiada, porque o valor cobrado desses trabalhadores não cobrirá a despesa com a aposentadoria no futuro, principalmente diante do processo de envelhecimento da população.



O texto da reforma não vai alterar as regras para homens do campo, que poderão se aposentar aos 60 anos. Para os demais, a idade mínima depois da transição (de 20 anos) será de 65 anos para requerer o benefício. Para as mulheres da área rural, a idade subirá de 55 anos para 60 anos no fim do período. O governo aceita tempo menor de contribuição no campo para solicitar a aposentadoria, que poderá ser de 20 anos. Na regra geral, será de 25 anos. O tempo mínimo hoje para todos os trabalhadores é de 15 anos.





Colaborou Karla Gamba, estagiária, sob supervisão de Geralda Doca


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