Leitura de notícia
Isto é Dinheiro online ( Entrevistas ) - SP - Brasil - 21-05-2016 - 11:48 -   Notícia original Link para notícia
"Com reformas, o Brasil pode ser a nova fronteira de crescimento no mundo"

Pode chamar de economista, mas é difícil encaixar o carioca Paulo Guedes em uma definição. Ele falou com a DINHEIRO sobre a atual situação econômica do País 


Paulo Guedes, economista ( foto: Claudio Belli/Valor/Folhapress)


Pode chamar de economista, mas é difícil encaixar o carioca Paulo Guedes em uma definição. Hoje, o Ph.D em Economia pela Universidade de Chicago é sócio do empresário Júlio Bozano, na gestora de recursos Bozano Investimentos, onde os colegas referem-se a ele como "ministro". Não é exatamente uma brincadeira. No fim do ano passado, ele chegou a ser sondado, de leve, pela presidente afastada Dilma Rousseff para substituir Joaquim Levy. Banqueiro e empresário - foi um dos fundadores do banco Pactual e do instituto de ensino Ibmec -, consultado por políticos e polemista incorrigível, aos 66 anos Guedes continua sendo um crítico ácido da economia e da política brasileiras. É liberal de carteirinha, mas vai além. "Defendo que o Brasil se converta em uma grande sociedade aberta, que mescla a eficiência da economia de mercado com a solidariedade e a fraternidade", diz ele. Guedes apresenta dois pontos para explicar porque está otimista com a economia brasileira. Ele falou com a DINHEIRO:


DINHEIRO - Em dezembro passado, o sr. esteve com a então presidente Dilma Rousseff. Qual foi o tema da conversa?
PAULO GUEDES - Eu disse a ela que todos os erros do PT haviam sido cometidos pelos antecessores: congelamento de preços, intervenção no câmbio e nos juros. O problema é que o PT cometeu todos os erros ao mesmo tempo, e em uma intensidade muito maior.


DINHEIRO - E como corrigir esses erros? 
GUEDES - Eu disse à presidente não era verdade que o Brasil iria para o caos. Quem acredita na dinâmica de uma grande sociedade aberta sabe que uma sociedade não se suicida. O Brasil tem transparência, tem instituições que funcionam, tem uma mídia atuante. Nós não somos a Venezuela. Então, eu disse assim à presidente: vá ao Congresso e apresente dois eixos de atuação. Um é político e o outro é econômico. Começando pelo econômico: o modelo está esgotado, ponto. A discussão hoje vai muito além de subir ou baixar juros. Tem de passar pelas funções do Estado e pela qualidade dos gastos públicos.


DINHEIRO - Como chegamos nessa situação?
GUEDES - Vamos rememorar brevemente: quando os militares tomaram o poder em 1964, o Brasil consumia 18% do seu PIB em braços públicos. Aí, os militares colocaram seus braços armados para funcionar: Petrobras, Telebrás, Eletrobrás, Siderbrás, Portobrás, BNDES, os bancos públicos. Curiosamente, mesmo com uma agenda de direita, eles ampliaram brutalmente a presença do Estado na economia e os gastos públicos subiram para 25% do PIB. A economia cresceu, mas a renda não foi distribuída. Os militares investiram em máquinas e equipamentos, mas não em capital social. Assim, com a Constituição de 1988, foi natural que uma democracia emergente pedisse gastos sociais. Agora, para estender esse cobertor social você tinha que reformar o antigo regime, o que não foi feito. A democracia foi criando camadas adicionais de gastos nos orçamentos públicos. E precisamos mudar o foco da discussão.


DINHEIRO - Por onde começar a cortar?
GUEDES - A aposentadoria de um milhão de funcionários públicos tem um déficit maior do que a de 12 milhões de aposentados privados. Os salários no setor público são sete vezes maiores que os equivalentes no setor privado. Subsídios e desoneração fiscal elevaram os gastos públicos em todos os governos. O governo Sarney os elevou para 26% do PIB, o FHC ampliou para 32%, o Lula deixou com 36%, e agora estamos a 45% do PIB. São 36% de impostos mais um déficit de 9%. Isso demonstra políticas públicas erradas.


DINHEIRO - Há uma grande crítica aos gastos sociais.
GUEDES - Que é incorreta. Por exemplo, o gasto com juros da dívida é de R$ 500 bilhões por ano. O primeiro Bolsa Família foi lançado com R$ 10 bilhões. Logo, gastamos 50 programas do tipo Bolsa Família com juros. Não foi a Bolsa Família que explodiu o orçamento brasileiro. A falta de sincronia entre as políticas monetária e fiscal, em que o governo liberava os gastos e mantinha os juros altos para controlar a inflação foi muito mais danosa do que o Bolsa Família. O Plano Real é considerado uma grande obra de arquitetura econômica, mas, depois da reeleição do Fernando Henrique, o PSDB perdeu quatro eleições. Eles fizeram um trabalho extraordinário de estabilização, mas transferiram muita renda para os rentistas. Por que a população votou sem parar no PT desde então? Porque o Lula descobriu o óbvio: cuidar de pobre é barato. Beneficiar 40 ou 50 milhões de pessoas gastando apenas R$ 10 bilhões? É barato.


DINHEIRO - Mas a estabilização dos preços beneficiou os mais pobres, não?
GUEDES - Sim, mas qual o custo? O Plano Real manteve os juros na Lua e isso é um erro de muitos e muitos anos. Desde que eu virei economista, nos anos 1970, o Brasil está combatendo inflação com juros altos. Ele nunca fez uma reforma fiscal, que é a regra número um de qualquer programa bem sucedido de estabilização. As hiperinflações no mundo acabaram com a mudança de regime fiscal, não apenas com intervenção no lado monetário. Isso começou a ser feito apenas no segundo mandato do Fernando Henrique. E isso atrasa nossa vida até hoje. A dívida é um inimigo extraordinário da sociedade.


DINHEIRO - Por que a situação chegou nesse ponto?
GUEDES - Depois de um primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso com juros muito altos, depois do estouro do câmbio, depois que o País quase quebrou, nós fomos ao FMI e voltamos com a Lei de Responsabilidade Fiscal. O então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, lançou a âncora monetária, que era perfeitamente correta, e criou as metas de inflação. Mas o Fundo queria ter certeza de que haveria uma meta fiscal justamente para os juros não irem para a Lua e criar esse problema de hoje. É interessante que o único programa de um candidato presidencial mais liberal que teria havido, que o nosso, do Guilherme Afif Domingos, em 1989. Ele chegou a ter 10% de intenção de voto.


DINHEIRO - Como era esse programa?
GUEDES - Nós tínhamos feito as contas. Nosso programa incluía um BC independente, cambio flexível, e privatização. A ideia era, em seis meses, vender toda a participação que o governo tivesse em empresas. Nós somamos tudo e daria US$ 60 bilhões. Na época, a dívida pública federal interna, que hoje é de quase R$ 3 trilhões, era de US$ 57 bilhões. Dava para pagar a dívida e sobraria um trocado. E o Brasil poderia ter seguido o exemplo do Chile e ter dedicado 20% do PIB para Bolsa Família, para a saúde pública, e programas educacionais como o Prouni, que é bom.


DINHEIRO - E como destravar o crescimento?
GUEDES - Mudando o regime fiscal, que tem dentro dele o sistema tributário, as despesas públicas, o regime da Previdência e a legislação trabalhista. Tudo isso está interligado e é disfuncional. Passamos 20 anos elevando os gastos públicos. Com uma inflação de 10% ao ano, se o governo segurar os gastos nominais por dois anos, cortamos 20%. Agora, isso exige sacrifício. É preciso acabar com todos os aparelhamentos, revisar as aposentadorias excessivas e extinguir os privilégios. É preciso redesenhar o futuro do Brasil, pensando em onde queremos que o País esteja daqui a dez anos. Ter 40 impostos é um manicômio tributário. Tenhamos apenas cinco impostos - de renda, de exportação, de propriedade, sobre herança e ICMS - e ajustemos os gastos de acordo.


DINHEIRO - A Previdência é um problema. Como resolver?
GUEDES - É preciso de uma reforma previdenciária e não esse ajuste de mudar a idade mínima. Sabe o que é uma reforma de sistema? É o que foi feito no Chile, onde os encargos trabalhistas foram reduzidos a zero, os trabalhadores são sócios do sistema previdenciário. Tudo bem, foi uma ditadura que fez isso, mas os cinco governos social-democratas que vieram depois não mudaram quase nada. Por que? Porque isso transformou o Chile em uma máquina de crescimento. O país cresceu ao redor de 5% ao ano em média, nos últimos trinta anos. Porque ao invés do regime de repartição, há um regime de capitalização, ou seja os trabalhadores têm contas individuais, onde são depositadas suas contribuições  e esse saldo vai capitalizando. Eles são capitalistas.


DINHEIRO - O que o sr. achou da equipe econômica do presidente Michel Temer?
GUEDES - O Temer trouxe um time interessante. O Henrique Meirelles é um excelente executivo, o melhor que eles podiam arrumar. O Ilan Goldfajn tem uma formação ótima para ser presidente do Banco Central. O Mansueto Almeida, secretário de Política Econômica, é fiscalista, todos são fiscalistas e conhecem o assunto. Mas a atuação deles deverá ser gradualista, é aquela coisa à brasileira. Vamos ajeitar um pouco ali, vamos subir um pouco aqui, vai demorar mais para cair o juro aqui. Vai ser tudo feito com muita delicadeza. Lamentavelmente, temos de desarmar uma bomba de retardo, que é o colapso total do espírito animal. E gradualismo não reanima o espírito animal.


DINHEIRO - Essa seria a solução para a crise econômica. E no campo político?
GUEDES - Meu segundo conselho para a presidente Dilma foi: vá ao Congresso e declare exaurido o modelo político e eleitoral em vigor. Diga que há acusações de práticas não-republicanas faz tempo. Diga que há suspeitas sobre vários pontos, como a aprovação da emenda que permitiu a reeleição do Fernando Henrique Cardoso e as manobras para garantir a governabilidade de Lula, seu antecessor, sem falar nos presidentes da Câmara e do Senado. Diga que há suspeitas, inclusive, sobre o financiamento da sua campanha. Há algo de muito errado quando os principais interlocutores e representantes da sociedade estão sob suspeita, ou sendo investigados. Por isso eu sugeri à presidente dar 90 dias ao Congresso para apresentar uma proposta de reforma política, que incluiria o fim da reeleição, cláusula de barreira para acabar com os partidos de aluguel, e algo novo: a cláusula de desempenho.


DINHEIRO - O que é isso?
GUEDES - É uma maneira de acabar com a compra de sustentação parlamentar no varejo. Funciona assim: o partido decide, organicamente, se é contra ou a favor de determinada pauta do governo. Se for favorável, ele vota em bloco, sem a contrapartida de cargos ou verbas, e fica responsável por tocar o projeto. Assim, quem for a favor da reforma da Lei dos Portos assume o Ministério dos Portos, por exemplo. Acaba o toma-lá-dá-cá com deputados que, seis meses depois, terão de ser comprados de novo para aprovar outro projeto. Caso o partido seja contra, ele faz oposição ao projeto. E há outro ponto, é preciso descentralizar os gastos públicos.


DINHEIRO - Por que?
GUEDES - Parodiando o cantor Milton Nascimento, o dinheiro público tem de ir onde o povo está. O regime militar centralizou tudo na esfera federal e em seus braços armados - BNDES, bancos públicos e empresas estatais. E deixou o povo sem nada. Quando entraram os civis e tentaram redistribuir por decreto com o Plano Cruzado, levaram à hiperinflação por despreparo. Hoje, temos uma concentração absurda de poder e de recursos no governo federal, quando esse dinheiro deveria estar mais perto do povo. O orçamento público tem de ser melhor dividido. O prefeito e o governador deveriam ter recursos para educação, saúde. Vamos mandar 50% para os prefeitos, 30% para os governadores e só deixar 20% para o governo federal. Será que é sensato deixar as decisões de gastos de R$ 4 trilhões apenas nas mãos do ministro Guido Mantega? Está errado. Essa concentração é a maldição do velho regime militar.


DINHEIRO - Por que a descentralização resolve?
GUEDES - A virtude de uma democracia é a gestão descentralizada das políticas públicas. Mais Brasil, menos Brasília. Os governadores têm de ser vistos como executivos das unidades de negócio de uma empresa, então um bom presidente é o que descentraliza. A concentração corrompeu a economia brasileira, derrubou a taxa de crescimento, parou o processo de distribuição de renda, tornou as transferências de renda insustentáveis. Esse é o caminho que a China abandonou há 20 anos, é o caminho que a Venezuela ainda segue. O PT tem grandes méritos, como o de trazer os pobres para o orçamento público, ou tentar a descentralização do poder com o orçamento participativo, mas se perdeu miseravelmente no caminho.


DINHEIRO - O sr. está otimista? O Brasil está maduro para isso?
GUEDES - Estou otimista, sim. Hoje, parece que estamos no caos. Há um ano parecia pior, mas então eu tive a certeza de que o Brasil é uma sociedade aberta em construção. Há pessoas de bem, a mídia está aí, o Judiciário declarou sua independência. O movimento que começou com o Joaquim Barbosa segue com o Sérgio Moro. É claro que há criaturas do pântano rondando, tentando um recuo para as sombras. Elas estão lá, mas eu aposto na dinâmica de uma sociedade aberta, que envergonha e expulsa a criatura do pântano. Com isso, as práticas vão sendo aperfeiçoadas e as instituições vão prevalecendo. O momento da virada foi a independência do Judiciário, que era omisso, era cúmplice. Mas os magistrados hoje são jovens, que passaram em concurso público, não têm rabo preso e estão cumprindo sua vocação republicana. E a mídia está fazendo um trabalho extraordinário. Quem achou que o Brasil era a Venezuela, achando que ia empurrar o problema para lá, fez um cálculo errado. Agora, o Brasil tem de avançar rumo à sociedade aberta, algo que mescle a eficiência de mercado com a fraternidade e a solidariedade. Esse conceito está além da esquerda e da direita.


DINHEIRO - Isso funciona no Brasil?
GUEDES - Evidente que sim. O que mais criou riqueza nos últimos anos não foi o capitalismo, mas o humanismo. O capital intelectual, a liberalização dos fluxos de comércio e de pessoas. O sistema é virtuoso e melhorou a vida de milhões de chineses, indianos, paquistaneses. Esse pessoal está criando uma nova classe média. Não vejo porque isso não pode acontecer no Brasil. Com reformas aqui e juros perto de zero, o Brasil seria uma fronteira de crescimento, com muito dinheiro vindo do exterior para financiar esse crescimento. Se houver esse choque em direção à nova sociedade aberta e tivermos R$ 500 bilhões para investir em saúde e educação, poderemos atrair, por exemplo, bilhões de reais para criar fábricas de oxigênio na Amazônia e preservar a floresta. Temos de ter essa visão.


Nenhuma palavra chave encontrada.
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.