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Diário do Comércio online - BH (MG) ( Opinião ) - MG - Brasil - 14-05-2016 - 00:00 -   Notícia original Link para notícia
Editorial - Um país dividido (I)

O cenário político-econômico do País ficou ainda mais tumultuado com o resultado da sessão do Senado do dia 11. É verdade que aprovação da abertura do processo de impeachment da presidente Dilma era esperada, levando-se em conta a vontade do bloco de parlamentares representantes do centro e da direita brasileira, numa ferrenha luta contra o que pode significar um governo mais à esquerda. Esse resultado reforçou a pauta do momento: a crise econômica e política em que o País submergiu. De fato, de um lado, os dados estão aí, claros e irrefutáveis: aumenta a recessão, aumenta a inflação, cai o Produto Interno Bruto, registram-se aumentos consecutivos das taxas de juros, inclusive dos juros da dívida pública, do número de falências; cresce o desemprego, cai o consumo e aumentam as ameaças aos direitos dos trabalhadores e à inclusão social. O impeachment foi autorizado. A presidente foi afastada. Temos agora um presidente interino. Mas é preciso entender o que está acontecendo por detrás de tudo isso, se quisermos realmente mudar.

E, nesse quadro, o País está dividido. Não se pode afirmar que a maioria quis esse desfecho, só que a minoria teve a seu favor o poder da mídia e ficou parecendo maioria. Divididos estão também os empresários. A Fiesp de um lado, com o apoio de entidades de classe e alguns segmentos do setor produtivo (como, em Minas, a Associação Comercial, a Federaminas e alguns sindicatos associados à Fiemg) apoiando o impeachment e acreditando que ele trará a retomada da confiança dos investidores no País, além de resolver todos os demais problemas. E, muitos outros, como a própria Fiemg, reconhecendo os estragos causados pela política de Dilma, mas buscando um entendimento entre as forças econômicas e sociais para traçar um plano estratégico que possa estimular o investimento privado na economia, principalmente na infraestrutura e a trazer de volta o crescimento e o bem-estar do País, construindo "um país ético e sério, capaz de resgatar em nossa juventude o desejo perdido de participar da vida pública ," como disse Olavo Machado no artigo "'Uma chance para o Brasil". Cumpre ressaltar que o que mais precisamos é de uma indústria competitiva, de um mercado sólido e de consumidores com poder de compra que estimulem a competitividade das empresas.

Afinal, "Quem faz a riqueza de uma nação é o setor produtivo, empresários e trabalhadores, disse recentemente (DC, 19/04/16) o presidente da -BH, .

No entanto, a retomada do desenvolvimento socioeconômico e do equilíbrio político não será fácil. Sobretudo com um governo sob a batuta do ex-vice-presidente Temer, que também não reúne as condições necessárias para assumir a Presidência e reunificar o País.

O caminho a ser escolhido requer um exame mais acurado da nossa história recente, principalmente por parte do empresariado ? falo daquele segmento dono do capital nacional, da indústria, do comércio, dos serviços e de parte da agropecuária brasileira ?, atores centrais nessa retomada, que não deixam de ser também um dos setores mais prejudicados pelo desequilíbrio das forças econômicas que vêm se desenhando há anos. Em primeiro lugar, é bom deixar claro que não "foi um modelo político que gerou um modelo econômico insustentável". Ao contrário, foi um modelo econômico mundial insustentável, baseado nos princípios neoliberais que dominam o mundo do capital desde a década de 70, aliado a um modelo político nativo também insustentável (número exagerado de partidos, governo de coalizão obrigando a um sistema de troca de favores totalmente pervertido, classe política quase inteiramente subjugada por seus interesses pessoais) que nos levou a tal situação.

O governo Dilma foi apenas uma peça no xadrez, embora algumas de suas políticas e o seu modo de conduzir a governança tenham prejudicado a situação e impedido a correção dos rumos.

O fato é que não se pode esquecer que a economia brasileira, nesse mundo globalizado, está profundamente moldada pela economia mundial, e que seus desacertos foram, em parte, pautados pela escolha de medidas nitidamente neoliberais. O famoso tripé econômico (metas de inflação e taxas de juros elevadas, câmbio flutuante, superávit primário crescente), adotado há anos, não nos deixa mentir. Sabe-se perfeitamente que o novo padrão de acumulação de capital, de caráter neoliberalista (= papel mínimo do Estado, total liberdade do mercado, privatização de estatais essenciais à economia e à soberania do País, e, sobretudo, o predomínio do capital financeiro, entre outros traços) foi globalizada. E nesse contexto, não custa lembrar, como, depois da reorganização da economia mundial a partir do Consenso de Washington, o Consenso das Commodities, por volta dos anos 2000, reforçou o papel dos países periféricos como exportadores de produtos primários: minério e produtos agrícolas. O chamado "boom das commodities" foi bastante favorável para o Brasil, enquanto os preços das matérias-primas e produtos agrícolas foram bons. Deu lugar ao agronegócio, considerado o sustentáculo da economia brasileira, que alcançou elevada produtividade graças às pesquisas da Embrapa e ao avanço da produção de defensivos e maquinários sofisticados, bancados com recursos públicos e estímulos dos governos petistas. Mas o governo não aproveitou o momento para fazer as reformas econômicas necessárias: incentivar a indústria, ativar os investimentos públicos e privados, aumentar a taxação das grandes fortunas e heranças, multiplicar empregos de alto rendimento. Ao contrário, seguiu o caminho traçado pelo grande capital internacional.

Esse foi o quadro que marcou a segunda década do século, com as consequências que enfrentamos hoje.

*Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich


Palavras Chave Encontradas: Bruno Falci, CDL
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