PL que cria banco de dados sobre bicicletas recebe apoio, desde que seja de uso restrito da polícia e não gere imposto.
Embora elogiada por ciclistas em audiência pública nesta quinta-feira (7/4/16), a criação de um cadastro de bicicletas no Estado para coibir roubos levantou preocupações quanto ao sigilo de informações e quanto a um possível ônus que possa recair sobre os proprietários dos veículos. Prevista no Projeto de Lei (PL) 3.256/16, a proposta do cadastro foi discutida na Comissão de Esporte, Lazer e Juventude da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a pedido do autor, deputado Lafayette de Andrada (PSD).

Thiago Drews Elias, representante da equipe Brou Aventuras, de ciclismo de alta performance, disse esperar que iniciativas de cadastros não venham a servir, no futuro, para a geração de impostos sobre a bicicleta como o IPVB, nome que usou em alusão ao IPVA que incide sobre a propriedade de veículos automotores.

Frederico Lanna Amaro, da ONG Arca Ama Serra e da Mountain Bike BH, também apontou que a maior ou menor adesão a um cadastro como o proposto, de caráter facultativo, dependerá de garantia dada ao proprietário de que o registro não lhe trará nenhum ônus e de que o cadastro será de uso restrito da polícia. Segundo ele, esse sigilo é importante uma vez que o cadastro traria informações pessoais dos donos, como nomes, endereços, contatos e valores do bem. "Portanto, não deve ser de acesso público", insistiu ele.

Dadas essas garantias, Frederico disse apoiar a proposta, mas manifestou dúvidas sobre se um cadastro seria eficaz para localizar as bicicletas furtadas com a mesma rapidez com que atuam os criminosos, já que ladrões e interceptadores costumam desmontar rapidamente as bicicletas para a venda de peças. Nesse sentido, ele defendeu providências complementares, com o estudo de outras medidas, como a criação de um canal direto com a polícia, por exemplo via redes sociais, para comunicar roubos e agilizar a localizacão dos veículos.

No entendimento de Frederico, medidas de desoneração que permitissem reduzir o valor da bicicleta poderiam ao mesmo tempo incentivar seu maior uso e tornar o roubo menos atrativo. "A bicicleta virou objeto de desejo pelo valor, tanto que muitos buscam modelos importados fora", argumentou.

O projeto - Conforme o projeto, o cadastro deverá conter os dados da bicicleta que constam da nota fiscal de compra, o nome, o CPF, o endereço e os dados de contato do proprietário, bem como cópia da nota fiscal de compra. O cadastro será facultativo e de iniciativa do proprietário.

Comprovação de compra gera dúvidas

Diretor da Câmara Setorial Duas Rodas - Grupo Bike da Câmara de Dirigentes LojistasCâmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDLCDL/BH), Pedro Lopes da Trindade Filho defendeu que a bicicleta, para efeito do cadastro, tenha o comprovante da propriedade efetiva por meio da nota fiscal, para o caso de compra no País, e de comprovante de pagamento dos impostos, se for trazida de fora.

Segundo ele, que é lojista do ramo e também ciclista, essas medidas poderiam coibir um mercado clandestino, mas que atua também à luz do dia. O representante da CDLCDL afirmou que a prova estaria em sites que vendem pela metade do preço peças que muito provavelmente são resultado do desmonte de biciletas roubadas, assim como é possível ver anúncios na internet de venda de bicicletas inteiras a um quinto do valor real. "Bicicletas que custam R$ 10 mil são anunciadas por R$ 2 mil ou até por menos e certamente foram roubadas", ilustrou.

Por outro lado, ciclistas como Thiago defenderam que a exigência da nota fiscal da bicicleta num primeiro momento seja melhor estudada e detalhada para a criação do cadastro. Isto porque, segundo ele, é comum entre adeptos do esporte ou simples usuários comprarem bicicletas usadas de amigos ou conhecidos de seu círculo e sem comprovação de compra ou origem.

Membro do grupo Pedala BH, Vinicius Mundi Zucheratto e Figueiredo também concordou que é preciso aperfeiçoar a proposta quanto à comprovação da propriedade. Mas defendeu como necessária a adoção de medidas que possam vincular a bicicleta ao seu dono junto aos órgãos de segurança, como forma de proteger o cidadão de sua propriedade. "Hoje há no mercado biciletas de alta tecnologia e valor expressivo", lembrou.

Na mesma linha, o representante dos ciclistas jovens de Minas Gerais, Doorgal Gustavo Sad Lafayette Andrada, apoiou o projeto lembrando que o ciclismo é um esporte caro. "Quando um jovem compra a bicicleta ele não quer perdê-la, e se perde, quer recuperar", afirmou ele.

Autor diz que ônus não é o objetivo

O deputado Lafayette de Andrada apoiou o uso reservado do cadastro à polícia, como reivindicado na audiência, e lembrou que o mercado de bicicletas ainda não evoluiu como o de automóveis, que hoje já trazem o número de chassi reproduzido em muitas das peças, dificultando desmontes e auxiliando a identificação de roubos. "Vamos então usar o que existe a nosso favor no caso das bicicletas e aperfeiçar o projeto. Nem de longe o objetivo é uma futura tributação, e sim a segurança, até porque o cadastro é facultativo", esclareceu ainda o deputado.

O parlamentar considerou válidos os questionamentos feitos sobre o cadastro e disse que eles poderão servir para aprimorar a proposta. Adiantou, inclusive, que poderão ser construídas regras de transição para uma primeira fase de implantação do cadastro, de forma a diferenciar bicletas novas e usadas para fins de comprovação da propriedade. E ainda um campo para o registro de venda do veículo a terceiros.

Primeiro passo - O deputado Douglas Melo (PMDB) também endossou as argumentações dos ciclistas, mas frisou que o mais importante, no seu entendimento, é criar mecanismo para evitar a comercialização de veículos roubados e o desmanche, que acabam formando uma rede criminosa. "Portanto, criar um cadastro é um primeiro passo, pois hoje está fácil roubar e vender", pontuou.

O deputado Fred Costa (PEN), por sua vez, disse ser o autor de um projeto por ele protocolado na ALMG em 2015 e análogo ao discutido na audiência. Na sua avaliação, o tema é importante, diante da tendência de aumento do uso de biciletas também como meio de transporte. Mas é também polêmico, disse ele, caso venha a colocar em risco o proprietário que não tenha como provar ser o dono do veículo, mas que agiu de boa fé.

Polícia aprova iniciativa e entidade faz alerta

A major PM Flávia Rosana Munhoz Pereira Santos, chefe da Assessoria de Estratégias Operacionais da Polícia Militar de Minas Gerais, disse que a criação do cadastro deve sim facilitar o trabalho preventivo da PM e considerou a proposta importante. Segundo ela, hoje a polícia já faz o acompanhamento das ocorrências envolvendo bicicletas e procura estabelecer estratégias para inibir os roubos. "O cadastro será uma ferramenta valiosa para uma resposta mais rápida e adequada aos ciclistas", espera ela.

Na opinião do delegado Eric Brandão, da Regional da Polícia Civil do Barreiro, em Belo Horizonte, um cadastro oficial poderá auxiliar em muito o trabalho das polícias. Ele afirmou que há uma iniciativa semelhante por meio de um site particular e admitiu que a falta de dados dificulta a devolução de bicicletas recuperadas e também a localização de interceptadores.

Ainda que apoiando a iniciativa do cadastro, o presidente da Liga Mineira de Ciclismo, Demerson Furtado Pulis Gomes, alertou que de qualquer forma os roubos envolvendo bicicletas precisam sempre de uma resposta mais rápida da polícia em função do perfil oportunista dos ladrões. "Eles não chegam de carros ou motos que possam vir a ser identificados; normamente estão a pé, roubam e já saem pedalando", afirmou.

Ainda segundo Demerson, os atletas têm sido os mais prejudicados, pois geralmente treinam sozinhos e em bicicletas mais caras. Ele defendeu mais patrulhamento da polícia nos horários de maior concentração dos treinos, que, segundo informou, são no início da manhã e das 18 às 21 horas, e colocou a entidade à disposição da polícia para mapear pontos e horários de pico de ciclistas.

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