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Estado de Minas Online ( Economia ) - MG - Brasil - 21-02-2016 - 11:42 -   Notícia original Link para notícia
Ela está de volta

Compra mensal de produtos essenciais é retomada pelas famílias, para fugir da inflação alta e administrar os gastos



Brasília - A alta inflação brasileira está fazendo as famílias retomarem velhos hábitos de consumo. As compras mensais - prática muito comum na década de 1980 e início dos anos 1990 - voltaram com tudo. Estocar mercadorias, principalmente alimentos não perecíveis, passou a ser a opção de donas de casa preocupadas com o orçamento doméstico. Tanto é assim, que as vendas dos supermercados estão se concentrando nos primeiros 15 dias do mês. Na segunda quinzena, em média, o movimento nas lojas chega a cair 70%. "Assim que meu pagamento sai, corro para o supermercado. Estoco tudo o que posso, de comida a produtos de limpeza. Assim, não corro o risco de ficar sem comida quando o dinheiro acabar", diz a aposentada Suzana Santos Silva, de 67 anos.

As compras de mês se intensificaram a partir do segundo semestre do ano passado, quando as famílias sentiram todo o baque no orçamento provocado pela forte alta das tarifas públicas, sobretudo as de energia elétrica. "De repente, o dinheiro começou a faltar. Passou a sobrar mês", critica a nutricionista Ângela Maria, 47. Temendo ficar com a despensa vazia por falta de recursos e da elevação de preços, ela encurtou as idas aos supermercados.

Primeiro, as compras quase que diárias se tornaram semanais. Depois, quinzenais. "Agora, compro tudo o que a casa precisa de uma única vez. Só volto outra vez ao supermercado no mesmo mês em caso de muita necessidade ou se encontrar boas promoções", relata Ângela. Pelos cálculos da Associação Paulista de Supermercados (Apas), que acompanha o movimento do principal centro consumidor do país, 40% do volume de vendas do setor estão concentrados nos 10 primeiros dias do mês.

Aos poucos, diz o gerente do departamento econômico e de pesquisas da Apas, Rodrigo Mariano, está se voltando ao quadro que prevalecia antes do Plano Real, quando de 60% a 70% das vendas se concentravam nos primeiros 10 dias. "É bem provável que o movimento se aprofunde ao longo do tempo, se a inflação não cair", avalia. "A alta dos preços é muito ruim para os consumidores, sobretudo os mais pobres", emenda. Em 2015, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 10,67%, a maior em 13 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).



Pobres mais sacrificados




Vendas nos supermercados agora se concentram na primeira quinzena]


A estabilidade de preços que vigora no país desde o fim da hiperinflação provocou mudanças profundas nos hábitos de consumo das famílias. Sem o fantasma das maquininhas de remarcação de preços e com uma moeda forte, as pessoas passaram a fazer compras mais frequentes, pois os salários pararam de perder valor sistematicamente, como antes, para a inflação. Com a alta recente do custo de vida, o consumidor volta a se preocupar. "Hoje, a situação é dramática", afirma a aposentada Elizabeth Fernandes, de 77 anos.

"Para comprar tudo o que preciso, preciso de R$ 1 mil. Há um ano, gastava cerca de R$ 500", diz Elizabeth. A aposentada ressalta que, mesmo cortando alguns itens do carrinho, as compras do mês abocanham 33% da renda familiar. "Por isso, assim que recebo minha aposentadoria, pago as as contas básicas de casa, como água e luz, e corro ao supermercado para comprar tudo o que for essencial", afirma.

Para o economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes, como as famílias estão muito endividadas, faz sentido que elas tentem preservar o poder de compra com a aquisição de bens essenciais em quantidade maior para guardar em casa. A inflação alta distorce toda a economia, torna a vida das famílias muito difícil, sobretudo a dos mais pobres, que não têm para onde correr.

A diarista Selma de Jesus, 38, segue a mesma cartilha. "Desde que passei a estocar mercadorias, consegui economizar", observa. Ela destaca que já conversou com os dois filhos. "Carnes, só compramos uma vez por semana. Agora, será arroz, feijão, ovo e salada. É o que a minha renda comporta." Os volumes de compras do mês já não variam muito de uma região para a outra, segundo o gerente de supermercados Givanildo de Aguiar.

Lojas situadas em bairros de classe média registram entre 58% e 63% do faturamento mensal na primeira quinzena do mês. Nos estabelecimentos em áreas mais pobres, a proporção varia entre 60% e 65%. "As pessoas têm reclamado muito dos reajustes, especialmente dos produtos importados ou que têm insumos cotados em dólar", ressalta.

Na opinião de Givanildo de Aguiar, a retomada de velhos hábitos da inflação é ruim, porque mostra que as pessoas estão perdendo a confiança na capacidade do governo de manter a casa em ordem.  "Quando as compras do mês acabam antes do planejado, é um transtorno. Há dias em que tenho que esperar meus filhos se alimentarem para ver se sobrará alguma coisa para mim e para o meu marido", relata a catadora de lixo Maria José de Jesus, 34.

"E pensar que, até alguns anos atrás, mesmo ganhando pouco, sobrava um dinheirinho para comprar uma ou outra coisa diferente. Hoje, se desviar do caminho, ficamos se comida", acrescenta. Maria José não esconde o desejo de voltar no tempo, quando ainda tinha esperanças de melhorar a situação da família. "Agora, a única coisa que nos resta é desilusão", reclama. (RC e IA)


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