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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 07-02-2016 - 10:32 -   Notícia original Link para notícia
Com dengue e zika, vendas de repelentes disparam 50%

Fábricas criam 3º turno e empresas recorrem à importação do produto


Mães que cuidam de filhos com microcefalia desde antes da epidemia no país relatam uma rotina marcada pela dificuldade de obter remédios, fraldas e outros itens básicos, conta



LUIZ ACKERMANNN o varejo. Apesar de o brasileiro não ter o hábito de usar o produto regularmente, farmácias registram alta de até sete vezes no volume de vendas de repelente


RENATA MARIZ. Nem uma vitória judicial põe fim ao drama. Há relatos de atrasos de até quatro meses na entrega de insumos para tratamento. A Colômbia anunciou que três pessoas morreram vítimas da síndrome neurológica Guillain-Barré associada ao zika. -BRASÍLIA- Em evidência desde que o Brasil anunciou uma epidemia inédita no mundo, com causas ainda em estudo, o drama da microcefalia faz parte da rotina de mães brasileiras há muito tempo. Algumas recorrem à Justiça na tentativa de ter acesso a itens básicos, como remédios e cadeira de rodas, fundamentais para o bem-estar dos filhos. As dificuldades experimentadas nos últimos 16 anos, desde que Luana nasceu, levam Gilcinea Rangel Pesenti a desabafar:


 Eu não engravidaria de jeito nenhum neste momento. É tudo muito difícil.


A explosão de casos de microcefalia, relacionados ao zika, leva Gilcinea a rememorar os primeiros meses com Luana. As recordações da carioca de 46 anos remetem ao final da década de 1990 e início dos anos 2000, quando ela enfrentou uma viacrúcis em busca de diagnóstico. Após peregrinar por consultórios médicos, com Luana no 7º mês de vida, veio o baque:


O médico disse que minha filha não ia andar, sorrir, falar. Eu disse que, independentemente disso, ela ia ser feliz. E é assim que sigo desde então.


Ao diagnóstico de microcefalia, somou-se a identificação de uma paralisia cerebral. Gilcinea não voltou a engravidar. Conta que precisava se dedicar a Luana, hoje uma adolescente de 16 anos. Funcionária de uma concessionária de energia, ela diz que "trabalha à beça" para garantir qualidade de vida à filha, que desde pequena vai à escola acompanhada de um cuidador.


Apesar da condição financeira favorável, os gastos são elevados. Há pouco mais de dois anos, ela acionou a Justiça para receber fraldas. São oito, em média, por dia. A família obteve decisão favorável contra a Secretaria estadual de Saúde. Mas nem sempre o fornecimento é regular. Ela conta que já ficou quatro meses sem receber o item, que, frisa, é fundamental para a saúde da filha, por diminuir crises de infecção urinária.


Não há dado sobre o número de famílias que convivem com microcefalia no Brasil, que só passou a ter notificação compulsória no fim de 2015, quando o aumento de casos levou o país a decretar emergência. Antes, a média nos registros oficiais, desde 2010, era de 150 por ano.


Vanessa Van Der Linden, neuropediatra do Hospital Barão de Lucena, em Recife, não tem dúvidas da subnotificação. Ela crê que os registros, antes da epidemia, só ocorriam em centros especializados. Além do tipo congênito, que ocorre antes do nascimento, há a microcefalia pós-natal, que pode se desenvolver por doença genética, trauma ou outras causas ambientais.


A extensão das sequelas varia conforme a área lesionada. Quanto mais grave o caso, mais difícil o acesso a serviços, lamenta Teresa Costa d'Amaral, superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD). Segundo ela, as dificuldades são enormes, até na rede privada. Faltam especialistas, prática de estimulação precoce e vagas.


Em levantamento, feito a pedido do GLOBO, ela identificou quatro famílias com casos de microcefalia que foram auxiliadas pelo IBDD para ir à Justiça. Não há dados centralizados sobre a demanda nos tribunais brasileiros. Mas Teresa diz não serem poucas as ações judiciais, com base na experiência de receber mães "desesperadas".


Para Shayenna Karine da Costa Brasil, o ônibus é o meio de transporte mais usado. Muitos motoristas não param ao avistarem a cadeira de rodas de Brenda. A menina de 11 anos nasceu prematura, abaixo do peso, com microcefalia e outras malformações. Contrariando prognósticos, começou a andar aos 6 anos. Hoje, cantarola canções de ninar, mas não recuperou a visão.


Moradora de Vargem Pequena, no Rio, Shayenna, de 27 anos, cuida da família com a ajuda de vizinhos e uma ex-sogra. Conta que não trabalha de carteira assinada porque não tem quem cuide de Brenda, mas faz bicos como cabeleireira, desde que possa levar a filha. Complementa a renda com o que ganha: um benefício de um salário-mínimo recebido em virtude da condição de Brenda. Ano passado, teve dificuldades de comprar o remédio anticonvulsivo e o talco usados pela menina.


 Tive que entrar na Justiça. O pior é que a gente ganha, mas o governo diz que não tem (o remédio). Não adianta lamenta.


A falta do remédio regular faz com que Brenda tenha crises e fique agitada. Shayenna relata, com tristeza, que a menina chora muito. Quando levanta, por não enxergar, derruba móveis e objetos. Ela sonha em poder não depender de "juiz nenhum" para dar o que a filha precisa. As epidemias de dengue e zika, que vêm sendo alvo de atenção e preocupação em todo o mundo, fizeram disparar as vendas de repelentes no Brasil, hoje o quarto maior mercado do mundo, atrás de Estados Unidos, Canadá e Argentina. O segmento registrou avanço de 50% em seu faturamento no ano passado, quando os casos das doenças dispararam em boa parte do país. Assim, de acordo com dados da consultoria Nielsen, as vendas subiram de R$ 145,4 milhões para R$ 217,4 milhões, o maior valor da história da categoria. E para 2016, o avanço deve continuar no mesmo ritmo, prevê a consultoria.


O aumento da demanda também pegou de surpresa os principais fabricantes do país. Como resultado, tiveram de aumentar a produção em suas fábricas com novos turnos para operar 24 horas por dia e aumentar a importação, como as versões em aerosol da Argentina. A força-tarefa das companhias se traduziu em 14,7 milhões de unidades vendidas no ano passado, alta de 32,5% em relação a 2014, quando foram comercializadas 11,1 milhões de unidades.


Apesar do consumo maior, analistas avaliam que o brasileiro ainda não tem a cultura de usar o produto. Segundo a Ceras Johnson, dona da marca OFF!, com base em dados da consultoria Kantar, só 6,4% dos consumidores compraram repelente ao menos uma vez no último ano, um percentual bem abaixo dos 30% verificados na Argentina.


VERSÃO PARA CRIANÇA E FAMÍLIA


Outro ponto destacado pelos especialistas é que ainda há muita desinformação sobre o uso do produto. Segundo as empresas, o repelente precisa conter os princípios ativos dietiltoluamida (DEET) e icaridina, capazes de espantar insetos. Além disso, cada tipo de produto contém uma quantidade específica dos princípios ativos em suas fórmula, fazendo com que a duração do combate ao Aedes aegypti varie entre duas horas, no caso das loções e sprays, e seis horas, para as versões em aerosol.


 É preciso engajar os consumidores sobre o uso do produto. Dos 20 repelentes mais vendidos no Brasil atualmente, 15 têm os princípios ativos DEET e icaridina. O que as empresas estão fazendo nesse momento é vender packs com versões para os adultos e crianças. Somente em São Paulo, no ano passado, as vendas subiram mais de 100% devido ao surto de dengue. Agora, com o zika, os números vão aumentar  disse João Otávio Silva, analista de mercado da Nielsen.


O período entre novembro e março representa 66% das vendas anuais, destacou Tatiana Ganem, diretora de Marketing da Ceras Johnson. Segundo ela, a fábrica de Manaus passou a operar com 100% de sua capacidade a partir de dezembro. E, para atender à demanda maior, a companhia aumentou a importação de produtos da Argentina.


Já tínhamos uma programação. Mas, com o zika, aumentamos a importação da Argentina a partir de dezembro. No início de dezembro, houve desabastecimento principalmente em farmácias, que concentram 60% das vendas no país. Como a epidemia tende a se estender, o mercado vai continuar crescendo a dois dígitos  afirmou Tatiana.


Segundo a executiva, a empresa, que em outubro lançou uma versão de aerosol para o público infantil, passou a investir em outros produtos para ajudar no combate ao mosquito:


 Nas marcas Raid e Baygon, investimos em versões elétricas com pastilhas e líquidos. São aquelas versões que você coloca na tomada e consegue até programar a duração do uso do produto de acordo com a quantidade de mosquitos.


Outra gigante do setor, a Reckitt Benckiser  dona de Repelex e da SBP teve de aumentar o abastecimento no Brasil em 30% a partir de novembro. Segundo Holly Garbett, porta-voz das marcas, a explosão da dengue somada à associação do zika com os casos de microcefalia e também com outras complicações, como a síndrome de Guillain-Barré, promoveram um impulso na venda da categoria.


 A se confirmar as expectativas dos órgãos de saúde, que preveem uma epidemia ainda pior este ano, a categoria deve superar os resultados de 2015, principalmente porque, apesar de avanços científicos, não há ainda outros meios de combate disponíveis além da prevenção e proteção contra o mosquito. Por isso, estamos trabalhando muito para que não faltem produtos e para que eles continuem chegando a todo o Brasil  disse Garbett.


A Profarma, dona das redes Drogasmil/Farmalife e Tamoio, constatou uma demanda maior em relação à capacidade de entrega dos fabricantes.


 A demanda já vinha num crescente. Em novembro, dobrou. Em dezembro, quatro vezes mais que a média dos três meses anteriores. Os fabricantes atenderam dentro do possível porque a demanda foi acima da capacidade de estoque na época contou Ivan Engel, diretor comercial de varejo da Profarma, reconhecendo que houve momentos em dezembro em que os repelentes desapareceram das prateleiras.


NO AUGE, PRODUTO RACIONADO


Com a alta, o produto chegou a 1% do faturamento total do grupo em dezembro e janeiro, bem acima da fatia habitual de 0,2%.


 O abastecimento do varejo está melhor, embora ainda irregular. No pico de demanda, proibimos a reserva de produtos para clientes. E chegamos a limitar o volume vendido por pessoa. E só reajustamos o que o fabricante nos passou  disse Engel, alertando para a importância de manter preços num momento de epidemia.


Em dezembro, a Raia Drogasil multiplicou as vendas de repelentes por sete, na comparação com o último mês de 2014. Com isso, vem negociando com fornecedores para melhorar o prazo de entrega do produto.


O Exposis, repelente fabricado pelo Laboratório Osler-Paris, um grupo franco-brasileiro, é o mais disputado entre os repelentes à venda no varejo e tem a icaridina como princípio ativo.


 Nunca vi uma curva de demanda neste nível. Como há muitas dúvidas sobre o zika, a demanda explodiu, após os indícios da relação com o surto de microcefalia, no fim de novembro  contou Paulo Guerra, diretor geral do grupo no Brasil.


Nos últimos dois meses, continua ele, a produção e as vendas do Exposis foram 28 vezes maiores que em dezembro de 2014 e janeiro de 2015. Até novembro, o Osler produzia apenas em uma unidade em Saracuí (SP).


Desde dezembro, iniciamos a produção em outras duas unidades: em Vinhedo (SP) e Palhoça (SC). Isso só foi possível porque o governo e a Anvisa facilitaram o processo para a expansão de produção de repelente no Brasil, dando prioridade aos processos do setor  lembrou Guerra, que destacou que 90% das vendas da Osler acontecem no Brasil.


Outro desafio na expansão da produção é o fato de que os princípios ativos usados na fabricação de repelentes no Brasil são importados, o que limita a agilidade em responder à demanda.


Com a explosão do consumo, marcas menos tradicionais no varejo estão ganhando espaço nas gôndolas. É o caso da Xô Insetos, fabricada pelo Grupo Cimed, antes posicionada no segmento de farmácias independentes. Com as epidemias de dengue e zika, chegou às grandes redes. Ano passado, ampliou a produção em 110%.



Foi preciso abrir o terceiro turno de produção em nossa fábrica em Pouso Alegre (MG). O ano de 2015 representou uma mudança no consumo do produto, que antes era sazonal. Já temos um novo produto em fase de registro, que deve chegar ao mercado em dois ou três meses  disse Priscilla Florêncio, gerente de produtos da marca, lembrando que o volume de vendas subiu mais de 320% em 2015.


Palavras Chave Encontradas: Criança
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