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Estado de Minas Online ( Feminino e Masculino ) - MG - Brasil - 17-01-2016 - 04:00 -   Notícia original Link para notícia
Novo ano, novos desafios

Mais que uma loja de roupas, Ronaldo Fraga planeja abrir espaço para reunir outros atrativos



O estilista Ronaldo Fraga está de mudança para o Bairro Funcionários. A decisão de deixar a Savassi está ligada aos mais recentes rumos da moda. A nova loja, que deve ser inaugurada em março, não ficará restrita às araras de roupas. Fraga planeja um espaço multiuso, em que haverá lugar reservado para outros produtos que ele desenvolve, seguindo a percepção de que estilista não pode limitar seu trabalho ao vestuário. Em entrevista ao Estado de Minas, o estilista, que no ano passado completou 40 temporadas de desfiles, revela não ser apegado à moda e diz que se vê no futuro escrevendo histórias para . "É uma atividade que me dá muito prazer e tenho tido cada vez menos tempo."



 


Em 2011, você deu uma declaração polêmica
 dizendo que a moda tinha acabado. Continua a acreditar nisso?
Pelo menos a moda como conhecíamos, sim. Foram duas décadas de império absoluto da moda a partir dos anos 1980. Foi assim com a literatura na década de 1930, com o cinema na década de 1940, com a arquitetura na década de 1950, com o teatro na década de 1960, com a música nos anos 1960 e 1970. Agora o foco é a gastronomia. Não que a moda vai acabar, claro que não, principalmente no Brasil. O brasileiro tem gosto por moda e o desfile provoca uma mágica que só se iguala a novela e futebol. O lado positivo é que o mercado está exigindo uma profissionalização maior. Não dá mais para brincar, o negócio é sério. É hora de ser pensar principalmente na forma de comercializar a moda.

O que precisa mudar?
A moda está implorando para se libertar da roupa. É o que tenho feito nos últimos dois anos. Era um desejo antigo ilustrar e escrever livros, fazer figurinos, desenhar objetos para áreas diversas. Hoje a moda extrapolou o limite do estilista, por isso acho que o novo profissional que o mercado está buscando precisa ter um olhar mais amplo.

A crise é preocupante?
A crise me preocupa enquanto cidadão. Nunca trabalhei tanto, nunca vendi tanto, mas estamos vivendo uma crise política e ética e isso está se espalhando para o dia a dia do brasileiro. Embora possa parecer absurdo num país rico como o Brasil, já enfrentamos muitas crises econômicas e não vai ser a última. Isso se resolve, somos criativos. Mas a crise política e ética não, é uma mistura explosiva que está deixando marcas. Você não vê luz no fim do túnel.

Por que deixar a Savassi?
Não tinha do que reclamar. A loja fazia parte do caminho de peregrinação de quem vinha para o Inhotim e passava pelo Mercado Central, mas a história mudou. Se eu não saio para ir em loja comprar roupa, por que quero que as pessoas o façam? Então, em julho, falei com o proprietário do imóvel que ficaria até o fim do ano. Queria sair da vitrine de rua e retomar o formato da loja do Bairro São Pedro, que tinha cara de casa, tanto que trabalhava de porta fechada. Procurava um espaço que permitisse extrapolar a roupa e expor mais objetos, justamente porque entramos em um processo de mudança que vai redefinir toda a forma de comercialização da moda.

A decisão de mudar de endereço também tem a ver com os dois assaltos seguidos no fim do ano passado?
Os assaltos abreviaram a mudança. Imagina alguém quebrar a vitrine de uma loja, com alarme e câmeras, e limpar tudo, roupa, som, dinheiro, computador. Fiquei muito assustado. Estava viajando e pedi que fechassem as portas na hora. Acabou para mim, desencantei. Nesses oito anos, briguei pela Savassi, porque é a nossa referência para o Brasil. Ia esperar a outra loja ficar pronta, mas cansei.

A violência o desanima?
Você só vê o quão precários são os serviços públicos quando precisa deles. Mas seus filhos estudam em escola particular, a família tem plano de saúde, então o que chega até você? A violência. Isso me desanima, mas existem problemas maiores, que podem deixar marcas profundas, que é a crise ética. Nesse lugar, nos sentimos de pés e mãos atados, principalmente quando não se tem discussão para nada, tem imposição para tudo. Por isso, meu lema, mais do que nunca, é otimista só de raiva.

Fazer moda no Brasil é um desafio?
Não existe uma política que estimule a produção de nada no Brasil. Quando uma tecelagem como a Cedro, que é a única grande que sobrou em Minas, demite não sei quantos funcionários porque o que a bancava era o tecido que ela fornecia para o uniforme das Forças Armadas e o governo brasileiro passou a comprá-lo da China, tem alguma coisa errada. A nossa história passa pela indústria têxtil e é desenhada pela memória têxtil. O rei de Portugal permitiu que a primeira fábrica de tecidos do Brasil fosse instalada em Minas para vestir o grande contingente de escravos. O governo sinaliza que é um péssimo negócio produzir no Brasil, mas não podemos desanimar.

A passarela ainda o empolga?
Tem algo na moda que me fascina, independentemente de ser desfile, que é você enxergar poesia resistente em terreno árido. É olhar para algo que lhe causa indignação, como a onda desenvolvimentista do Brasil nos últimos 10 anos, que jogou toda a memória no chão para verticalizar, um tema que poderia ser espinhento, e fazer a coleção (de outono-inverno 2015) "Cidade sonâmbula". Como homem do meu tempo, não vou me calar. É no meu ofício que imprimo minha visão de mundo. Fazer roupas é muito mais que uma forma de ganhar dinheiro e isso que fez com que tivesse fôlego para 40 desfiles.

De que forma você espera contribuir para o mundo em que vive?
Tenho feito muitos projetos que unem o Brasil da indústria com o Brasil do feito a mão e é esse lugar da moda que faz meus olhos brilharem, é onde me sinto útil. O último foi o das Sereias da Penha. Fui convidado para desenvolver um projeto em uma comunidade de pescadores em João Pessoa. Lá tem um peixe de águas profundas que não conhecia, o camurupim, que chega a dois metros de comprimento e desova nas águas doces da Paraíba. A escama dele, que parece madrepérola, era descartada no lixo. Muito mais que gerar emprego e renda para o grupo de artesãs, a ideia era fixá-las naquele lugar porque a praia, embora linda e maravilhosa, é estigmatizada pela violência. Só que as incorporadoras portuguesas e espanholas não pensam assim. Estão comprando terreno a preço de banana para construir resorts. Apresentei a coleção no São Paulo Fashion Week e a repercussão foi maravilhosa. As mulheres começaram a receber e-mails com encomendas do Canadá, Suíça, Austrália e Japão. Por isso falo que o compromisso civil do design é funcionar como ponte nessa distância oceânica entre o Brasil da indústria e o Brasil do feito a mão. Se a indústria realiza o pensamento criativo, esse Brasil feito a mão imprime identidade e alma. Passada a euforia da globalização, o novo luxo é o genuíno, que seja produzido aqui, que traga a história daqui e fortaleça a memória daqui. É isso o que as pessoas querem cada vez mais consumir. Agora fui convidado a fazer projeto semelhante na Etiópia, África do sul e Moçambique.

Por que a sua marca nunca desfilou na Minas Trend?
Tenho muito orgulho de ter trabalhado no início, como diretor-criativo, porque ali estava sendo implantado um salão de negócios que deu certo, quando todos os outros fecharam, e hoje é referência no país. Mas não vejo minha marca lá. Estou muito mais focado no varejo que no atacado. Cheguei a ter mais de 200 pontos de vendas, mas eram muito susceptíveis a crise. Lojistas que se tornavam amigos tinham dificuldade de me pagar porque tinham que vender, então sofria com o negócio do outro, sem falar que a conta não fecha no Brasil. Você tem 60 dias para pagar o tecido, mas em 60 dias não produz a roupa. Optei por manter uma loja sempre com novidades e agora vou colocar no ar uma loja virtual, que vai ser lançada junto com novo espaço. As pessoas vão poder entrar na loja de qualquer lugar do mundo, escolher as peças na arara, comprar e receber em casa.

Você nunca teve vontade de ampliar o seu negócio?
Venho de uma época em que o prazer era ter uma grande confecção. Quando me lembro da confecção maravilhosa que o Renato Loureiro teve, da fábrica da Patachou, da Comédia... Quando penso na história recente do Grupo Mineiro de Moda... nenhuma delas existe mais. Muito mais que marcas de roupa, eram a cultura e a memória de um ofício em Minas e no Brasil. Tive um galpão no Bairro União e aluguei o do lado para aumentar a produção. Cheguei a ter 120 funcionários, hoje tenho 25 que produzem o mesmo daquela época. O que me manteve no mercado foi justamente ter um olhar difuso e entender quando era a hora de retrair. Agora quero voltar a minha estrutura de ateliê, de ter um cuidado maior com a qualidade da confecção, que vem se perdendo, de modo geral. Resisti à proposta de vender a marca, de ter sócio. Sempre quis ter autonomia.

Já pensou em investir mais em roupas sob medida?
Sou muito procurado por noivas. Faço vestidos, mas poucos, porque você precisa ter tempo de dedicação. Sem contar que hoje mão de obra é um grande problema. Alguns pilotistas estão comigo há 15 anos e estão se aposentando. Não vou encontrar outras no mercado.

Quais os caminhos possíveis para a moda?
Ao contrário do que todo mundo pensa, o maior investimento do governo chinês no setor de confecção de moda não foi em produção nem em tecnologia, foi em capital humano. O país tem investido em design e planeja daqui a 15 anos ser reconhecido como criador, a última fronteia que falta atravessar. Os estilistas que se formam na Bunka Fashion College de Tóquio e na Royal Academy of Fine Arts da Antuérpia, que considero as melhores escolas de moda do mundo, imediatamente são contratados por empresas chinesas. Eles vão conseguir, porque o Japão na década de 1950 era a China de hoje e, copiando, aprenderam a fazer e imprimiram uma marca. O Brasil padece disso. Até Cuba tem charutos, mas não temos produto nenhum que imprime a nossa alma. O mundo caminha para isso. Você pode fazer camisetas de malha no Peru, sapato em Portugal, jeans na China, mas o pensamento tem que sair do país. É o que se vê em etiquetas na Europa. Hoje tem produto desenhado na Inglaterra e produzido na China.

Como você define o momento atual da sua carreira?
Não sou de parar para pensar nisso. Em abril, completei 20 anos desfilando. Passou num piscar de olhos. Parece que ontem estava estudando em Londres e Nova York e voltando para um país em que, quando se falava em identidade da moda brasileira, associavam a traje típico. Não sei se isso mudou muito, mas o fato é que o tempo passou. Tenho uma inquietação que faz parte da minha personalidade. Sou inquieto em relação a tudo, ao meu trabalho, à forma como faço meu trabalho, à forma como comercializo meu trabalho, e hoje não é diferente. Tem muito para ser feito.


Palavras Chave Encontradas: Criança
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