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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 08-12-2015 - 10:36 -   Notícia original Link para notícia
Com trabalho, sem salário

Número de trabalhadores não remunerados cresce 18,6%, segundo Pnad 2014


Na crise, cresce o número de pessoas que trabalham sem remuneração, como ajudantes em negócios de familiares. No ano passado, o avanço foi de 18%. Havia 2,65 milhões nessa situação em setembro. Depois de quase dois anos trabalhando como auxiliar administrativa em uma empresa de tecnologia, Suellen Mendes Teixeira, de 24 anos, foi demitida em julho. Pouco antes, seu pai, Hernani da Silva, havia sido obrigado a dispensar uma funcionária do box do mercado popular da Rua Uruguaiana, onde vende roupas de ginástica e de praia. Desde então, Suellen trabalha entre duas a três vezes por semana na loja do pai. Mas sem remuneração.


- É mais uma ajuda. Meus pais ajudam a comprar fraldas e leite para o meu filho, e eu ajudo na loja. Quando meu pai precisa sair da loja para resolver alguma coisa, agora sou eu e minha mãe que ajudamos. Meu marido também está desempregado, e está difícil conseguir outro emprego - afirma Suellen.


Seu caso é exemplo de um fenômeno que já aparecia no ano passado, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014: o crescimento dos chamados trabalhadores não remunerados. Foram 397 mil pessoas a engrossar o grupo daqueles que trabalham pelo menos uma hora por semana, mas não recebem por isso. O número subiu de 2,127 milhões em 2013 para 2,524 milhões no ano passado. A alta, de 18,6%, é a primeira desde 2004, que é o início da série com os dados de todo o país, inclusive a área rural da Região Norte. Os números consideram as pessoas com 15 anos ou mais, que compõem o mercado de trabalho, de acordo com o IBGE.


TENDÊNCIA SE MANTÉM ESTE ANO A tendência também aparece nos dados da Pnad Contínua de 2015. Nesta pesquisa, esse trabalhador é chamado de familiar auxiliar, grupo que inclui apenas quem trabalha para ajudar alguém de seu domicílio. Ou seja, não são considerados nesses dados ajudas a instituições religiosas, beneficentes ou de cooperativismo, nem mesmo os estagiários e aprendizes, como no caso da Pnad anual. As duas pesquisas têm amostras diferentes.


No terceiro trimestre deste ano, esse contingente de trabalhadores chegou a 2,652 milhões, o que representa um incremento de 58 mil pessoas em relação ao mesmo período de 2014, pela Pnad Contínua. O aumento foi de 2,2%, o que o IBGE considera como estabilidade.


Nos dados da Pnad 2014, o aumento é ainda maior quando se incluem os trabalhadores na construção para o próprio uso e na produção para o próprio consumo: são 594 mil pessoas a mais, quase o mesmo contingente de novos desocupados na mesma comparação: 617 mil. Ao todo, eram 6,864 milhões de trabalhadores no país em 2014, considerando os não remunerados, aqueles na construção para o próprio uso e na produção para o autoconsumo.


- O aumento dos trabalhadores não remunerados ocorre no contexto de crescimento da informalidade, da mesma forma que avançaram os trabalhadores por conta própria. Embora 2014 ainda tenha registrado geração de empregos, já havia sinais de deterioração do mercado. O ano de 2014 foi o fim da linha - explica o professor do Instituto de Economia da UFRJ João Saboia.


Os dados da Pnad 2014 mostraram aumento de ocupados no país: foram 2,741 milhões a mais. Só que 82,7% dessas novas vagas (2,266 milhões) foram em ocupações informais, sem proteção trabalhista: conta própria, sem carteira assinada, não remunerados, trabalhadores na construção para o próprio uso e na produção para o próprio consumo.


- O aumento dos trabalhadores não remunerados compõe o quadro negativo de deterioração do mercado de trabalho em 2014 - reforça o professor de Economia da PUC-Rio Gabriel Ulyssea.


Os trabalhadores não remunerados geralmente dão apoio a outros integrantes da família. Pode ser um jovem que acompanha o pai eletricista quando ele presta serviços em residências, ou uma mulher que ajuda no negócio do marido, ou ainda quem trabalha em uma propriedade rural da família, por exemplo. A característica comum a essas pessoas é que elas não recebem salário por esses serviços.


- Se essas pessoas ocupadas sem remuneração fossem consideradas desempregadas, o desemprego seria maior. Pela classificação do Dieese, muitos desses trabalhadores não remunerados seriam incluídos no desemprego oculto, como trabalho precário - afirma o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio.


Quase um quarto - 73,9 mil de 397 mil - do aumento dos trabalhadores não remunerados entre 2013 e 2014 ocorreu na faixa entre 15 e 17 anos. Outra característica: apesar de o maior contingente de não remunerados ser de trabalhadores agrícolas, o aumento foi concentrado fora das áreas rurais. Dessas 397 mil pessoas, 287,5 mil, ou 73,5%, eram trabalhadores não agrícolas.


Já as mulheres são maioria entre aqueles que trabalham sem receber e representam quase o dobro dos homens nessa condição. Em 2014, eram 1,665 milhão de mulheres para 858 mil homens. Quando se observa a distribuição por estado, o Rio Grande do Sul é aquele com maior contingente: 278 mil pessoas. Em São Paulo, o número passou de 116 mil em 2013 para 191 mil no ano passado, uma alta de 64%.


Com 24 anos, Gabriela Ribeiro já trabalhou em lojas como vendedora, sempre recebendo religiosamente seu salário. Este ano, no entanto, começou a ajudar a atender clientes no box do padrasto na Rua Uruguaiana, ao lado da mãe. Nenhuma das duas recebe salário: o lucro com as vendas é direcionado para os gastos da casa, que incluem a faculdade de Administração de Gabriela.


- Eu estudo de manhã e venho para a loja todos os dias depois da aula. Só não venho aos sábados. Eu ajudo, e eles pagam minha faculdade - diz a jovem.


E esse aumento daqueles que trabalham sem ganhar dinheiro ocorre depois de um longo período de redução nesse contingente de trabalhadores, na esteira dos avanços do mercado de trabalho na última década. Em 2004, eram quase cinco milhões de pessoas (4,968 milhões) trabalhando sem receber, o dobro do montante de 2014. O indicador registrou nove quedas consecutivas desde 2005.



- É natural que esse grupo diminua ao longo de um período favorável para o mercado de trabalho. E, efetivamente, isso ocorreu entre 2004 e 2013. A queda nesse período é impressionante - destaca Saboia.


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