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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 06-09-2015 - 11:21 -   Notícia original Link para notícia
Com empurrão do BNDES

Apoio do banco a estados quando repasses da União minguaram agravou crise fiscal


"Pode-se dizer que o crédito acessível e barato do BNDES introduz uma indisciplina orçamentária" Claudio Frischtak
Economista da consultoria Inter.B


Análise dos 20 maiores clientes que tomaram empréstimo junto ao BNDES entre janeiro de 2012 e março de 2015 mostra que os estados, outrora menos dependentes do banco, assumiram posição de destaque na lista. Seis dos 20 maiores tomadores são governos estaduais, para os quais foi destinado quase um quarto do volume de crédito contratado por esse grupo no período: R$ 31,3 bilhões, de R$ 133 bilhões. Nos três anos anteriores (2009-2011), os estados sequer apareciam entre as 20 principais operações. Por trás desse salto está a política do governo federal de incentivar empréstimos do BNDES a governos estaduais, à medida que os repasses da União minguavam. O resultado foi a expansão do endividamento dos estados, o que acabou contribuindo para que muitos fossem pegos de calças curtas quando a economia travou no fim do ano passado, fazendo-os mergulhar numa crise fiscal.



Se considerado o setor público como um todo, os empréstimos somaram R$ 65,4 bilhões, ou 49% do total contratado pelos 20 maiores clientes. Além dos estados, estão no bolo Petrobras, sua subsidiária na Holanda (Petrobras Netherlands), Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. A Finep, apesar de ligada ao governo federal, foi excluída da conta, pois o crédito repassado pelo BNDES vai para o setor privado. Da mesma forma que a política adotada pelo governo federal levou a uma dependência maior dos estados em relação ao banco de fomento, a concentração dos recursos do banco no setor público também reflete um esforço coordenado pela União de dar tratamento diferenciado pelo BNDES às estatais Petrobras e Eletrobras desde 2008, quando eclodiu a crise econômica global, dizem especialistas.


- A partir de 2012, houve uma política deliberada do governo federal de estimular BNDES, Caixa e Banco do Brasil a emprestarem para estados. As finanças da União davam sinais de piora. O governo reduziu repasses para estados e municípios e os estimulou a se endividar - diz Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.


CRÉDITO FARTO TURBINA ENDIVIDAMENTO


Esse crédito farto, diz, ajudou a elevar o endividamento dos estados e reduziu o desempenho do primário (receita primária, que inclui tributos e transferências, menos despesa primária, que exclui juros) dos estados. Este é um importante indicador para saber se as contas públicas estão em ordem. Em 2011, estados e municípios tiveram superávit primário de 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2014, houve déficit de 0,2% do PIB.


- O empréstimo não é contabilizado como receita, mas, quando o governo começa a gastar o dinheiro que tomou, esses recursos entram na rubrica despesa. Por isso, o superávit primário cai - explica.


Para Mansueto, o problema não é o BNDES emprestar para estados, mas a magnitude dos empréstimos em tão pouco tempo. Entre 2012 e março de 2015, seis estados - São Paulo à frente - aparecem na lista dos 20 maiores. O Rio está em oitavo. Nos três anos anteriores (2009-2011), o estado que mais havia contratado foi Pernambuco, na 25ª posição (R$ 1,7 bilhão). São Paulo (R$ 1,1 bilhão) ficou em 43º lugar, e o Rio, em 70º (R$ 719 milhões).


Boa parte dos novos empréstimos foi enquadrada no Programa de Apoio ao Investimento dos Estados e Distrito Federal (Proinveste), lançado em julho de 2012 para promover investimentos e compensar perdas sofridas com medidas de desoneração fiscal e a queda na arrecadação do Fundo de Participação dos Estados. O programa foi encerrado em setembro de 2013, com desembolsos de R$ 18,5 bilhões. As condições financeiras eram vantajosas: TJLP (hoje em 6,5% ao ano) mais 1,1% ao ano. O custo financeiro está abaixo da inflação, de 9,56% nos 12 meses encerrados em julho, segundo o IPCA.


- Pode-se dizer que o crédito acessível e barato do BNDES introduz uma indisciplina orçamentária. E acaba mascarando problemas, tanto de estados como da Petrobras, e desestimulando a busca de outras fontes - diz Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B.


O estado de São Paulo foi o que mais contratou junto ao BNDES a partir de 2012. Foram dez operações, no total de R$ 11,3 bilhões. Entre elas, a linha 6 do metrô e a modernização de hidrovias. O Rio foi o segundo estado que mais tomou crédito (R$ 6,2 bilhões), com operações ligadas à linha 4 do metrô.


E são esses os estados mais próximos do limite imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal para a relação entre dívida líquida (tudo o que o estado deve menos o que ele tem em caixa e outros recursos, como aplicações financeiras) e receita corrente líquida (arrecadação com tributos e repasses, menos deduções previstas em lei, como transferências constitucionais). Pela lei, essa relação não pode passar de dois. Em abril de 2015, São Paulo estava com 1,47, e o Rio, com 1,78.


RIO E SP NÃO REVELAM PESO DO BANCO


Nem Rio nem São Paulo revelaram o peso do BNDES em seus financiamentos. O governo paulista disse que o BNDES foi escolhido para financiar esses projetos "pela competência técnica" e que foram firmados empréstimos com outras instituições a partir de 2012, como o Banco Mundial. O Estado do Rio informou que também celebrou contratos de financiamento do metrô com a Agência Francesa de Desenvolvimento e o Banco do Brasil, e ressaltou que "o bom desempenho dos resultados primários do estado foi o que permitiu ter acesso ao mercado de crédito nacional e internacional".


Além do Proinveste, o BNDES criou o Propae, para compensar as perdas com o fim da "guerra dos portos", em que os estados davam benefícios fiscais para atrair empresas interessadas em importar produtos por seus terminais portuários. Santa Catarina, por exemplo, conseguiu, em 2013, R$ 3 bilhões pelo programa, para "financiar projetos de infraestrutura e, assim gerar condições de atrair empresas para o estado", diz o diretor de captação de recursos e da dívida pública do estado, Wanderlei Pereira das Neves.


- Houve um relaxamento fiscal - afirma Amir Khair, ex-secretário de Finanças do município de São Paulo, para quem o maior problema é a origem dos recursos do BNDES. - Quando o Tesouro transfere dinheiro para o BNDES, ele emite títulos (a juros de mercado), endividando o país. Mas recebe de volta uma remuneração menor (pela TJLP, hoje em 6,5% ao ano).


Depois da crise global de 2008, o Tesouro fez sucessivos aportes no banco, para estimular o crédito barato e, assim, minimizar os efeitos da crise. A Petrobras foi uma das mais beneficiadas pela política anticrise. Uma resolução do Conselho Monetário Nacional de 2008, por exemplo, excluiu os empréstimos à estatal do limite de exposição do BNDES ao setor público. Entre 2009 e 2011, a petrolífera liderou o financiamento no BNDES (R$ 21,4 bilhões). Entre 2012 e março de 2015, caiu para o terceiro lugar (R$ 12 bilhões), atrás de Norte Energia (concessionária da hidrelétrica de Belo Monte) e Vale. Mas, se somado o crédito a sua subsidiária no exterior, a Petrobras Netherlands (R$ 9,8 bilhões), manteria a liderança.


- Isso é uma distorção. A Petrobras teria condições de captar recursos no exterior, a taxas baixas - diz Frischtak.


Procurada, a Petrobras alegou estar em período de silêncio devido a uma emissão de debêntures (títulos da dívida).


MAIS RECURSOS PARA PEQUENAS


O BNDES negou que o fácil acesso ao crédito tenha mascarado as contas públicas ou contribuído para a indisciplina fiscal dos estados. Frisou que "programas como o Proinveste contribuíram para a manutenção dos investimentos de estados e municípios no período de crise financeira". E argumentou que, para refletir a real finalidade de seus financiamentos, a análise "deve abranger o total dos recursos liberados e não apenas os relativos aos 20 maiores clientes", pois isso "distorce a contribuição do banco para os diversos setores e portes de empresas". Nessa análise global, diz, os desembolsos para o setor público corresponderam a 15% do total em 2014, 2013 e 2012. O BNDES ressaltou ainda que, entre 2012 e 2014, o total desembolsado para micro, pequenas e médias empresas foi mais do que o dobro do valor destinado ao setor público.


Para o economista Antonio Correa de Lacerda, da PUC-SP, a dependência em relação ao BNDES - seja pública ou privada - deve-se ao fato de ele ser a única fonte de crédito de longo prazo no país. Ele argumenta que só haverá financiamentos competitivos quando a taxa básica de juros, hoje em 14,25% ao ano, cair.


- Os bancos preferem aplicar em títulos públicos a oferecer crédito a taxas competitivas ao setor produtivo, pois o retorno é alto e há garantia do Tesouro.



Para Frischtak, o fortalecimento do mercado de capitais passa pela retração do BNDES. Com a decisão do banco este ano de elevar taxas e condicionar o percentual de crédito em TJLP à emissão de debêntures, haverá diversificação de fontes de financiamento no Brasil.      


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