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Isto é Dinheiro online ( Economia ) - SP - Brasil - 29-08-2015 - 12:48 -   Notícia original Link para notícia
Para onde vão os BRICS?

Na semana em que a China assustou o mundo, o Brasil entrou em recessão técnica, com a queda de 1,9% do PIB no segundo trimestre. Responsáveis por 57% do PIB mundial, os países emergentes estão em apuros


28/08/2015 20:00// Por: Márcio Kroehn e Gabriel Baldocchi


Da esquerda para a direita:Putin,Presidente da Rússia - Narendra Modi, Premiê indiano - Dilma Rousseff,Presidente do Brasil - Xi Jinping,Presidente da China - Jacob Zuma, Presidente da África do Sul ( foto: Montagem sobre foto de AP Photo/Ivan Sekretarev)


Agora é oficial: o Brasil está em recessão técnica. Na manhã da sexta-feira 28, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o dado que todos temiam, depois de uma semana nervosa por conta do colapso do mercado acionário na China, que derrubou as bolsas em todo o mundo: o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro recuou 1,9% de abril a junho deste ano, no segundo trimestre consecutivo de queda na atividade econômica. No primeiro trimestre, a queda havia sido de 0,7%. Foi a maior freada dos últimos cinco anos. Em relação ao mesmo período do ano passado, a recessão foi ainda maior: -2,6%. Caiu a produção da indústria (-4,3%), dos serviços (-0,7%) e, lamentavelmente, da agropecuária (-2,7%), setor que vinha ajudando a minimizar a crise nos últimos tempos. Na semana em que a presidente Dilma Rousseff admitiu que o governo demorou a perceber a gravidade da crise e disse que não tem "como garantir que a situação em 2016 será maravilhosa", o dado do IBGE mostrou que a situação já é horrorosa. Somente neste ano, mais de 500 mil brasileiros perderam o emprego.

A recessão no Brasil e a turbulência nos mercados financeiros da China evidenciam que os Brics, pela primeira vez, enfrentam uma crise na condição de bloco econômico unido e relevante. Quatro anos atrás, o economista inglês Jim O'Neill - que cunhou em 2001 a expressão BRIC ao juntar as iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China - ainda defendia o protagonismo do grupo nos negócios internacionais: "Dez anos depois, estou ainda mais ansioso para convencer o mundo de que os BRICS, juntamente com algumas outras estrelas em ascensão, são os motores de crescimento da economia mundial, hoje e no futuro". O fato é que, hoje, os BRICS (o S, de South Africa, foi incorporado ao acrônimo em 2010, com a entrada da África do Sul) estão em apuros e passaram a reduzir as taxas de crescimento do PIB global. Nem O'Neill imaginaria uma deterioração tão rápida de um muro que parecia mais sólido do que a milenar Muralha da China.

No início da década passada, o crescimento médio combinado dos quatro países iniciais girava em torno de 7% ao ano, mais que o dobro da expansão mundial. No entanto, em menos de quatro anos, cada um dos países passou a enfrentar desafios que já pareciam superados, como a crise geopolítica para os russos ou o descontrole das contas públicas para os brasileiros. Até os chineses, donos de crescimentos de dois dígitos, se mostraram perdidos. Juntos, os BRICS devem crescer somente em torno de 2% neste ano, diante da desaceleração acentuada da China e a recessão no Brasil e na Rússia. O impacto dessa freada é imenso, pois 57% do PIB mundial tem origem nos países emergentes, liderados, pelos cinco países dos BRICS (veja quadro na pág. 25).

Na segunda-feira 24, que passou a ser chamada de "Black Monday" após a queda de 8,5% da bolsa de valores de Xangai (o pior comportamento do pregão desde fevereiro de 2007), o governo do presidente Xi Jinping precisou injetar cerca de US$ 150 bilhões para estabilizar o mercado de ações. Pelo mundo, os índices desabaram, como o Dow Jones, da Bolsa de Nova York, que chegou a recuar 1000 pontos, na maior perda histórica registrada em um pregão, e o Ibovespa, no Brasil, que registrou queda de 6,5%. Os preços das commodities caíram ao menor nível desde 1999. Pelo tamanho do estrago e pela fuga de capitais observada, alguns economistas levantaram a hipótese de uma repetição vitaminada de crises anteriores, em especial a asiática do final da década de 1990. Mas há diferenças. "A crise de 1997 foi financeira, em que quatro países quebraram. A China não está quebrando", diz o ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira. "O que está quebrando é o mercado de ações chinês."

A queda da bolsa chinesa era esperada. Havia uma bolha prestes a explodir pela falta de fundamentos. Entre junho de 2014 e junho passado, a bolsa de Xangai acumulou uma expressiva e anormal alta de 150%. Os chineses foram estimulados pelo governo a colocar suas economias no mercado de capitais. Em vez de educação financeira, receberam propaganda em excesso e crédito farto. A população comprou ações como se fossem fichas de um cassino e tinha como horizonte médio de investimento uma semana. "A bolsa da China é um cassino, que está além de qualquer bom senso", diz Stanley Pignal, editor de bancos da revista britânica The Economist. "A bolha era algo inevitável."

A exuberância da Bolsa de Xangai, que em julho registrou uma perda de US$ 3,5 trilhões em valor de mercado das empresas listadas, serviu de estopim para um questionamento global sobre a China, o mais poderoso sócio dos BRICS, responsável por 56% de um PIB combinado de US$ 24 trilhões. A desconfiança se acentuou no início de agosto, quando o Banco Central da China desvalorizou o remimbi para aumentar as exportações, em mais um sinal de debilidade do crescimento. Na última semana, cortou taxas de juros e liberou depósitos compulsórios dos bancos, em uma nova tentativa de estimular a economia e atenuar o sentimento de pânico. A dúvida dos economistas é se o novo patamar de crescimento chinês, estimado em torno de 5% ao ano, é confiável. O Fundo Monetário Internacional (FMI) ainda não revisou sua projeção, de 6,8% para 2015. Parte dos analistas e investidores vê indícios de manipulação do PIB, principalmente após a divulgação do dado do segundo trimestre, de 7% anualizados. A impressão geral é a de que a China é um trem descontrolado, com uma desaceleração mais rápida do que a prevista e, talvez, menor do que a meta estipulada pelo governo, de 7% para este ano (a coincidência entre o número divulgado e a meta oficial é um dos motivos que reforçam a  desconfiança).

A grande dúvida é se o governo comunista conseguirá garantir uma transição suave de um modelo econômico baseado em exportação e investimento para o consumo. Haverá um "pouso forçado" ou um "pouso suave"? Quando o dragão balança, o mundo inteiro sente, inclusive o Brasil. Há quinze anos, quando a economia chinesa crescia 12% ao ano, a contribuição para a formação de demanda global era de US$ 240 bilhões. Se confirmados os 7% de expansão para este ano, a China injetará US$ 700 bilhões no produto mundial, três vezes mais do que no passado recente. "A transição do velho modelo para um impulsionado pelo consumo das famílias é uma travessia que não pode colocar em risco o longo prazo", diz André Nassif, professor do MBA da Fundação Getúlio Vargas. "O governo chinês está ciente que um crescimento de 10% não é mais desejável."

O mundo está preocupado porque as maiores empresas são globais e têm na China um importante mercado consumidor. Os países desenvolvidos, como os Estados Unidos e os do bloco europeu, têm uma dependência menor em termos de comércio e exportações, algo em torno de 1%. Já os países emergentes dependeram da exuberância chinesa e do ciclo dourado das commodities para crescer. Quando se fala de exportação de matérias-primas, o Brasil é o principal interessado. A soja e o minério de ferro são dois dos principais itens exportados e a alta das cotações, na década de 2000, garantiu um período de bonança à economia brasileira. O bônus chinês criou uma dependência do parceiro asiático, com o peso de suas compras passando de apenas 2% do total das exportações, em 2000, para os 20% atuais (veja quadro na pág. 24), saindo de cerca de US$ 1 bilhão para US$ 40 bilhões. Em 2008, a China superou os Estados Unidos e Argentina como o principal importador do Brasil. Na quarta-feira 26, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, afirmou que o Brasil já perdeu R$ 12 bilhões devido à queda no preço das commodities neste ano, como reflexo da China. "O mundo inteiro tem os olhos voltados para a China. Só torço para que este viaduto de instabilidade não se agrave", disse Monteiro.


CADÊ AS REFORMAS?  O Brasil não pode, no entanto, se escorar na China para justificar seus erros internos. No período de bonança, as reformas estruturais foram abandonadas com a certeza de que a macroeconomia reduziria o peso de ajustes inevitáveis na carga tributária, na previdência, nas leis trabalhistas. Agora, como a atividade passou a andar para trás, o governo Dilma pena em ajustar as contas e cogita aumentar impostos (leia reportagem à pág. 18). A culpa da recessão não é dos chineses. É verdade que o país asiático exerce um importante papel na pauta comercial brasileira, mas não é fonte relevante de investimento direto. Hoje, países como Espanha e Holanda têm uma participação maior que a dos chineses. Há, porém, uma sinalização de que o Brasil passará a contar com o maior parceiro dos BRICS para financiar os investimentos necessários em infraestrutura. Em visita ao Brasil, no início deste ano, o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, fechou um pacote de US$ 50 bilhões em compromissos, visto como irreal por muitos analistas. Para Mangabeira Unger, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, o País deve aproveitar o momento para elevar a relação a outro nível. "Mandamos minério de ferro e soja e eles nos mandam todos os manufaturados de volta", afirmou. "Nós queremos mudar isso, queremos ser parceiros e um grande campo é o do compartilhamento de tecnologia."

Os benefícios colhidos na alta do ciclo das commodities retornam  na forma de riscos, no período de baixa. Segundo cálculos do banco Itaú, uma queda de 10% no preço das commodities provoca um recuo de 1,2% na taxa de investimento do País, por exemplo. Para o economista-chefe do banco Santander, Maurício Molan, o período de ajuste chinês deve continuar influenciando as cotações de commodities. "Se o crescimento chinês não é de 7%, os preços talvez não estejam tão ajustados", afirma Molan. "A tendência ao longo dos próximos anos é de que continuem baixando, fazendo que ocorra uma reprecificação, não um colapso."  A boa notícia, para o Brasil, é que a mudança do modelo de crescimento chinês deve ter um impacto menor nos produtos agrícolas. O mantra repetido pelos exportadores diz que os chineses não deixarão de comer. Ao contrário, é possível que um esperado aumento de renda interna estimule a demanda por alimentos. "A questão mais importante, para nós, é a migração da população do campo para a cidade", afirma Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa). Cinco anos após abrir o mercado para o frango brasileiro, a China já é o quarto maior comprador  do produto.

No ranking de importância entre os países dos BRICS, o Brasil deverá perder a segunda colocação para a Índia, em menos de uma década. Ao contrário de seus pares, os indianos estão promovendo uma série de reformas internas para se tornar um país mais atrativo para os investidores e sustentar o seu crescimento acima de 7%. Neste ano, os indianos vão registrar uma expansão maior que a dos chineses, pela primeira vez. Com infraestrutura precária, a Índia continua como um dos principais destinos das commodities, principalmente o minério de ferro. Nesse plano de expansão da Índia, os russos terão sua importância reduzida, como o Brasil. A instabilidade geopolítica na Europa, com as sanções impostas após a invasão da Criméia, e a competição do gás de xisto (shale gas) americano com o petróleo impõe grandes desafios aos russos nos próximos anos. "O grande obstáculo é que esses países repitam o passado e o presente no futuro", diz o economista Marcos Troyjo, diretor do BRICLab, um centro de estudos na Universidade Columbia. "Suas economias precisam ser mais dinâmicas e abandonar vícios como o capitalismo do Kremlin, a burocracia indiana e o compadrio brasileiro."

Independentemente do ajuste em suas economias, os BRICS entenderam que possuem força e relevância para ser protagonistas nas principais discussões mundiais, da Organização Mundial do Comércio ao Conselho de Segurança da ONU. Em 2010, a África do Sul foi convidada para fazer parte do bloco para confirmar a participação de um grande país emergente nos quatro continentes economicamente mais relevantes. Neste ano, os cinco países criaram o Novo Banco de Desenvolvimento, também chamado de Banco dos Brics, para ter uma válvula de escape em momentos de dificuldade. Com sede em Xangai e a primeira presidência entregue para o indiano Kundapur Kamath (o brasileiro Paulo Nogueira Batista ocupará a vice-presidência), esse banco terá um fundo de apoio de US$ 100 bilhões e um capital inicial de US$ 50 bilhões - embora seja muito menor do que o de outras organizações de fomento, a expectativa é de que acordos com os bancos asiático e angolano (ex-africano) de desenvolvimento permitam estruturas diferenciadas de empréstimo.

Os BRICS parecem estar passando por uma crise de identidade e de troca de modelo de crescimento. Essa, pelo menos, é a conclusão que Troyjo e seus estudos no BRICLab apontam. Os cinco países estariam deixando para trás o padrão 1.0 do conceito lançado por O'Neill, há 14 anos, para um modelo 3.0. "Os BRICS estão num processo de reinvenção e reestruturação", diz Gabriela Santos, estrategista global do banco JP Morgan. "Eles precisam encontrar um modelo mais competitivo e deixar de depender dos modelos econômicos do passado, com base nas commodities e no excesso de crédito." Isso, porém, vai depender do caminho que os países escolherem seguir, como demonstra o receio do pai dos BRICS. "Hoje eu poderia ser tentado a chamá-lo apenas de  'IC'", disse recentemente O'Neill. "Se os próximos três anos forem uma repetição dos últimos três anos para Brasil e Rússia, em 2019 eu com certeza poderei." O grupo vai ter de provar que o soluço foi, de fato, passageiro.


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