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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 28-08-2015 - 09:22 -   Notícia original Link para notícia
Volta da CPMF abre polêmica

Parlamentares e empresários repudiam medida. Governo quer arrecadar até R$ 84 bilhões


Proposta do governo prevê alíquota de 0,38% e cobrança por quatro anos. Objetivo é arrecadar R$ 84 bilhões anuais. Para especialistas, porém, volta do imposto do cheque provocaria mais inflação



ANDRÉ COELHO Polêmica. Levy, após encontro com os senadores Eunício Oliveira e Renan: nova CPMF sofre resistência


O governo decidiu enviar ao Congresso na segunda-feira proposta para recriar a CPMF, que vigoraria por quatro anos com alíquota de 0,38%. A volta do imposto sobre transações bancárias sofreu duras críticas de parlamentares e empresários. O presidente do Senado, Renan Calheiros, disse que é "um tiro no pé". Eduardo Cunha, da Câmara, também condenou. Para Paulo Skaf, da Fiesp, se for para subir impostos, o ministro Levy deveria "arrumar a mala e ir para casa". Entidades repudiaram a proposta. O governo espera arrecadar R$ 84 bilhões, a serem divididos com estados e municípios. Com isso, conseguiu apoio de governadores como Pezão e do prefeito do Rio, Eduardo Paes. A proposta de recriação da CPMF, o imposto do cheque, recebeu duras críticas no Congresso e do empresariado. Ainda assim, o governo vai insistir na ideia e deve encaminhar ao Congresso, já na próxima segunda-feira, um projeto de emenda constitucional (PEC) propondo a volta do tributo em caráter temporário, para vigorar quatro anos. A proposta, a ser enviada junto com o projeto de lei orçamentária de 2016, prevê alíquota de até 0,38%, percentual que era cobrada em 2007, quando a contribuição foi extinta.


Ao propor a divisão das receitas geradas pela CPMF com estados e municípios, o governo espera receber apoio dos governadores, e alguns já se manifestaram favoráveis à criação do tributo. A presidente Dilma Rousseff acionou ontem o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), para que organizasse um encontro com os outros oito governadores da região em Fortaleza. O encontro deve ocorrer em um jantar esta noite, depois de cumprida a agenda de Dilma no estado, que inclui a entrega de unidades do Minha Casa, Minha Vida.


Repaginada, a CPMF deve ganhar um novo nome: Contribuição Interfederativa da Saúde (SIS) e será destinada aos gastos com saúde. A ideia é arrecadar entre R$ 80 bilhões e R$ 84 bilhões por ano.


Para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aumentar tributos neste momento é um "tiro no pé". Ele disse que o Brasil não está preparado para conviver com elevação da carga tributária.


- Tenho muita preocupação com criação de imposto, criação de imposto, criação de imposto - enfatizou Renan. - Não dá mais. Elevar novamente a carga tributária, mas com a economia em retração, não. É um tiro no pé, não é recomendável. O Brasil não está preparado para voltar a conviver com isso. Estamos numa crise econômica profunda e qualquer movimento nesta direção pode agravar a crise, aumentar desemprego e retração da economia.


SKAF DIZ QUE IDEIA É RIDÍCULA


O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), também se posicionou contra a proposta. Para ele, nem quando o governo tinha uma base mais consistente e a economia mais forte, conseguiu aprovar a medida.


- É um tema negativo para o governo. O governo terá um desgaste neste debate de tal natureza, sem colher resultados, não sei se vale a pena para ele - afirmou.


Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), chamou de "ridícula" a ideia de recriar a CPMF.


- Se o ministro Levy não souber fazer nada além de aumentar impostos, é melhor ele arrumar a mala e ir para casa, porque assim vai levar o país ao caos - afirmou.


Segundo Skaf, não há ajuste fiscal que avance, se a economia estiver despencando:


-E o governo aumenta mais os juros com o argumento de que é para conter a demanda. Que demanda? O governo não está enxergando que a economia terá uma retração de quase 3%, que 1,5 milhão de pessoas vão perder o emprego, e o que precisa para aumentar a arrecadação é estimular a economia como fez a China.


Segundo fontes do governo, a recriação da CPMF foi articulada pelos ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Saúde, Arthur Chioro com a presidente Dilma Rousseff. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, preferia que o ajuste fosse feito pela redução de despesas. Levy vinha pressionando o Planejamento a fazer cortes mais duros. Técnicos da Fazenda chegaram a reclamar da elaboração de um Orçamento "preguiçoso".


Chioro defendeu a criação de uma contribuição que garanta mais recursos para a saúde.


- O que a diferencia da CPMF é que é exclusiva para a saúde. Em segundo lugar, ela é interfederativa - afirmou o ministro.


A recriação da CPMF é uma bandeira do PT para financiar a saúde, sob a alegação de ser um imposto "limpo, transparente, não cumulativo e não regressivo".


- Os governadores estão pressionados e sem recursos em caixa. Isso é uma situação vivida de norte a sul do país. Repartir uma eventual contribuição seria uma forma de garantir que esses governadores trabalhem para que os deputados de seus estados aceitem discutir a recriação da CPMF - afirmou um ministro ao GLOBO.


Ministros da coordenação política, por outro lado, consideraram um erro a volta do tributo no momento em que o governo enfrenta uma crise de governabilidade e a taxa de popularidade mais baixa da História. Essa ala do governo preferia que o Orçamento tivesse uma projeção de receitas maior, apostando em uma retomada do crescimento econômico, e que, depois, fosse feito um bloqueio de recursos.


- A dinâmica da política está sendo levada pouco em conta - disse um ministro.


UM TERÇO DO ORÇAMENTO DA SAÚDE


A CPMF nasceu como uma contribuição para a saúde, mas depois passou a ser usada em outras áreas também. Ainda assim, o Ministério da Saúde sustenta que, entre 1997 e 2007, a CPMF representou um terço de seu orçamento. E em 2007, a pasta perdeu R$ 40 bilhões com a extinção da contribuição. Em 2015, caso a contribuição ainda existisse, o ministério informou que teria uma verba extra de R$ 80 bilhões.


De acordo com técnicos do governo, as receitas a serem geradas pela CPMF ajudam a resolver a maior parte do rombo do Orçamento do ano que vem. Não significa, no entanto, que não será preciso fazer cortes significativos na proposta. Isso porque, no ano que vem, o esforço fiscal previsto é de 0,7% do PIB, bem superior ao 0,15% de 2015.


- Tem de ser mantido o esforço pela qualidade do gasto - disse um integrante da equipe econômica.


Retorno da CPMF vai aumentar carga tributária para 36% do PIB 


Cálculo é de especialista da FGV. Setor produtivo prevê mais recessão


"É uma falta de responsabilidade de Levy e Barbosa. Eles deveriam ser processados por assédio fiscal" Fernando Zilvetti Professor de Tributação da FGV-SP


-SÃO PAULO, BRASÍLIA E CAMPOS DO JORDÃO - A volta da CPMF, com uma alíquota próxima aos 0,38% cobrados à época de sua extinção, deve retirar mais R$ 40 bilhões por ano da economia e elevar a carga tributária do país de 35% para 36% do Produto Interno Bruto (PIB). A projeção é do advogado e professor de Tributação e Finanças Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Fernando Zilvetti. Segundo ele, se aprovada, a medida trará mais pressão sobre a inflação:


- A ideia de restituir a CPMF é mais uma tentativa do governo de repassar a conta da sua incompetência na gestão pública para o contribuinte. É muito triste para quem está tentando reconquistar a confiança dos investidores. No dia seguinte ao reconhecimento de que ele, governo, é responsável pela crise, passa-se mais uma conta aos cidadãos.


'ASSÉDIO FISCAL'


Para o tributarista, os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) deveriam ser processados por "assédio fiscal".


- É uma falta de responsabilidade dos agentes de política fiscal, Levy e Barbosa, que, em vez de cortar gastos, extinguir ministérios e cargos comissionados, fazem o contrário e aumentam ainda mais a carga tributária. Eles deveriam ser processados por assédio fiscal - afirma.


Fábio Klein, analista de finanças públicas da Tendências Consultoria, vê na volta da CPMF uma "situação de desespero" da equipe econômica, já que as despesas estão crescendo em termos reais (acima da inflação) enquanto a receitas caem a um ritmo maior do que o PIB. De janeiro a julho, diz, as despesas do governo avançaram 0,4% além da inflação, ao passo que a receita encolheu 2,7% em termos reais.


- O governo está desesperado para encontrar meios de controlar suas contas, pois há uma retração fortíssima de receitas com despesas que, mesmo com os ajustes já feitos (como nas pensões previdenciárias e no seguro-desemprego), crescem acima da inflação. Essa é a realidade e a razão do desespero - diz.


Para o diretor de políticas e estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes, a decisão prejudica a competitividade da indústria e "é um contrassenso".


- É muito mal vinda. Distorce a competitividade. É um contrassenso na medida em que, de um lado, estão buscando eliminar a cumulatividade do Pis/Cofins e, de outro, recria a CPMF. Isso mostra uma dificuldade enorme do Brasil de ter um sistema tributário de classe mundial e que a elevação da carga no Brasil é anticrescimento - analisa.


Humberto Barbato, presidente da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), diz que, "no atual nível de atividade, tirar mais dinheiro da produção para jogar na máquina pública é, sem dúvida, querer diminuir ainda mais o ritmo da economia".


-É a típica medida anticíclica - ironizou ele, completando: -Precisamos fazer a economia girar, e isso (a CPMF) faz a economia desacelerar ainda mais. Não faz nenhum sentido e é inaceitável que se pense numa hipótese como essa nesse momento.


'MERCADO DE CAPITAIS DESTRUÍDO'


Já o presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, disse não ver razão para a volta do imposto.


- A CPMF, quando foi adotada no passado, destruiu o mercado de capitais. Espero que o governo, se adotar novamente a CPMF, tenha sensibilidade para olhar para trás e ver o que aconteceu - disse, durante o Congresso Internacional de Mercados Financeiro e de Capitais.


Para José Velloso, presidenteexecutivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), "é muita burrice" cogitar a volta da CPMF. Segundo ele, num contexto de forte recessão, desemprego e inadimplência em alta, recriar um imposto com tantos "vícios" deveria ser impensável:


- É um tributo injusto, que pune os mais pobres. Para a indústria é cumulativo, e as empresas que já têm tantos problemas para pagar as obrigações tributárias, pagarão ainda a CPMF sobre todas elas. É uma atitude burra que só vai piorar a recessão.      


Governadores querem recursos para a saúde 


Muitos são a favor da CPMF, desde que ela seja repartida com estados e cidades


-BRASÍLIA E RIO- Vários governadores se manifestaram a favor da CPMF, desde que ela seja dividida com estados e municípios e destinada, principalmente, a investimentos em áreas como a saúde. O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, é um deles. Para ele, a contribuição poderia ser um caminho para custear o Sistema Único de Saúde (SUS):



ANDRÉ COELHO Pezão. O governador do Rio defende que CPMF ajude a financiar o SUS


- Saúde custa caro, cada vez mais precisa de recursos. Acredito que o país tem de encontrar uma fonte para custear o setor.


Pezão diz ser favorável à volta da CPMF se houver garantias legais de que esses recursos serão compartilhados com estados e cidades, o que, segundo ele, está nas mãos do Congresso Nacional.


Para Eduardo Paes, prefeito do Rio, a CPMF é um "imposto simples, que dispensa fiscalização". Mas faz uma ressalva:


- A gente não pode ter mais uma vez criação de impostos com a concentração da arrecadação na União. A União já arrecada 70% dos impostos no Brasil. Então, não é ruim voltar a CPMF, mas isso tem de seguir com equilíbrio para não aumentar a carga tributária.


O governador de Minas, Fernando Pimentel, acredita que, se a CPMF for dividida com cidades e estados, ela ajudará a resolver "uma iminente crise financeira" desses entes:


- Não vejo nenhuma contradição. Vejo que, neste momento, pode contribuir para ajudar a resolver o problema financeiro da União, estados e municípios.


Rodrigo Rollemberg, governador do Distrito Federal, diz que "todos os estados enfrentam esse problema" (do financiamento da saúde) e defende a CPMF como alternativa. O governador do Maranhão, Flávio Dino, engrossa o coro dos que defendem que os recursos sigam para a saúde, mas quer que a discussão vá além:


- Defendo um cesta de alternativas que incluam também o reajuste da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para bancos, imposto sobre grandes fortunas (acima de R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões) e regulação do seguro DPVAT.


OUTRO LADO


Já o governador pernambucano, Paulo Câmara, declara-se contra aumento de carga tributária, mas diz ser necessário analisar quais setores serão beneficiados. Ele defende que a CPMF seja uma "alternativa a favor do Brasil, não só uma medida paliativa". Ricardo Coutinho, da Paraíba, porém, é taxativo.


- Sou contra. O governo tem de ter capacidade de investimento - afirmou.


O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o prefeito da capital paulista, Fernando Haddad, e o governador de Alagoas, Renan Filho, não retornaram as ligações da reportagem.      


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