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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 08-08-2015 - 11:18 -   Notícia original Link para notícia
'A pasmaceira tem um custo para a sociedade'

Responsável pela compra do HSBC Brasil, o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi (que teria sido cotado para a Fazenda), diz que o dissenso político precisa ser superado para o avanço das reformas e a retomada do crescimento


"Problemas políticos geram energia para provocar calor, e hoje o país precisa de energia para provocar luz"


Luiz Carlos Trabuco, presidente do segundo maior banco privado do Brasil, diz que o país precisa superar o dissenso político e encontrar "os limites da convergência". Em entrevista a RONALDO D'ERCOLE e JOÃO SORIMA NETO, Trabuco afirma que a demora no ajuste fiscal e o impasse político prejudicam a sociedade. "A pasmaceira tem um custo." O senhor disse recentemente que o país sairá da estagnação no segundo semestre de 2016. Essa perspectiva se mantém?


Quando começou a discussão do ajuste fiscal, imaginava-se que ele poderia ocorrer em 2015. Mas isso é impossível. Se em 2015 fizéssemos tudo o que deveria ser feito, se aprofundaria o ajuste no primeiro semestre de 2016 e se teria outro respiro. Mas há o chamado dissenso entre os órgãos do governo e o Legislativo, que parece retardar um pouco esse processo. Agora, a sua retomada é inevitável. Uma pesquisa da KPMG desta semana, sobre o humor dos investidores, mostra que o Brasil está entre os três países de preferência, porque os bônus que oferece são concretos para um mundo que está atrás de taxas de retorno. Então, o capital que está investido aqui pode dar um retorno maior e mais seguro que em outros países. Mas precisamos botar isso para funcionar. A pasmaceira tem um custo, e o custo é diluído para toda a sociedade, mesmo para aqueles setores sociais que nada têm a ver com os dissensos que estão acontecendo.


Quanto do seu capital apostaria na retomada do crescimento em 2016?


Acho que um pouquinho menos de 50%. Agora, alguns ajustes foram feitos, como a equalização dos chamados preços relativos, que está em curso, tanto que a inflação incorporou (essas correções), e os fatores que deram origem a essa inflação corretiva (alta) não vão se repetir.


A presidente Dilma estaria disposta a conversar com os líderes empresariais para enfrentar a crise política. O senhor foi procurado?


Não, não fui.


Os bancos estariam propensos a se manifestar publicamente pela união do país, como Fiesp e Firjan?


O que o sistema bancário mais deseja é que o país e a economia funcionem dentro de bases sustentáveis para construirmos o longo prazo. É evidente que a curto prazo há dificuldades, e não vamos comemorar esse PIB em recessão. O que temos de fazer é criar as pontes necessárias entre o Estado e a sociedade para que se construa uma avenida de crescimento. E o apoio para a convergência a uma serenidade no trato disso é muito importante. Os problemas econômicos se resolvem, porque são matematização de certas variáveis que podem ser consertadas. Mas os problemas políticos, não. Eles são de ideias, de ideologia, de postura. É uma energia usada para provocar calor, e hoje o país precisa de energia para provocar luz.


O Bradesco trabalha com algum cenário de afastamento da presidente?


É um tema sobre o qual não tenho trabalhado, nem pensado. A rigor, pode até haver pensamentos pessoais e individuais, mas como não é o escopo da nossa atividade, não tem por quê.


Como o senhor avalia a gestão do ministro Joaquim Levy?


Em momentos de políticas de ajuste, ninguém pode ter a pretensão de ser amado, mas pode ter a pretensão de ser compreendido. Então a compreensão é necessária. Claro que, quando o PIB não ajuda e o ambiente político fica muito acalorado, há menor tolerância para coisas racionais que devem ser feitas. Nesse ambiente, há uma incompreensão dos motivos que ele apresenta, que são corretos, da busca do equilíbrios dos gastos versus receitas.


Que conselho daria a ele?


É hora de temperança, porque temperança é até uma das virtudes do Espírito Santo, uma das virtudes cardeais.


Como evitar que o dólar alto afete a inflação?


O câmbio mudar de patamar de forma ordenada, excluindo os fatores subjetivos da política, da lição de casa malfeita, é até saudável. Agora, overshooting não é bom para ninguém. Nem para o governo, nem para as empresas. Então, quando o dólar fica pressionado por dissensos políticos, acho que isso tem que ser administrado. E o Banco Central já sinalizou que o dólar mudou de patamar muito rapidamente, mais por um sentimento de temor, de medo de deterioração da situação. Câmbio é efeito, não causa. E nós temos de eliminar as causas. Como não existe milagre nisso, porque milagre é efeito sem causa, nós não podemos esperar milagres.


Se o controle da inflação avança e o câmbio está administrado, o nó continua na área fiscal?



O equilíbrio fiscal não pode ser descuidado. O problema fiscal é quando se gasta mais do que se arrecada. Isso, de forma permanente, leva a um passo atrás. A imagem que me vem é a da figura de dois animais amarrados por uma corda, cada um indo para um lado. Temos de encontrar os limites da convergência. Isso é fundamental. E o limite da convergência é impedir que o dissenso político passe a ter um custo para o cidadão, que precisa de emprego, de renda, e para o empresário, que precisa trabalhar. É isso que dá tranquilidade social.      


'Para nós, era o momento de encurtar distância' 


O anúncio de que o HSBC deixaria o país provocou uma fuga de pelo menos R$ 6 bilhões de seus fundos. Mas o diretor-presidente do Bradesco diz que esse fluxo já foi revertido


"Queremos uma integração civilizada, queremos fazer integração de banco, e não simplesmente a incorporação ou desaparecimento" "Quando o Brasil estiver dando certo, vamos ter outras margens e, nesse cenário, a escala é fundamental"


O anúncio da saída do HSBC provocou saques de cerca de R$ 6 bilhões até junho. Como reverter esse movimento?



MARCOS ALVES Luiz Carlos Trabuco Cappi Mudança para clientes. Trabuco diz que, com o sucesso do ajuste e a retomada do crescimento, clientes poderão ter benefícios e margens menores


Esse valor está correto. Isso foi originado quando o banco informou, de maneira pouco usual, que encerraria as atividades no Brasil, o que refletiu em clientes e funcionários. Mas, quando o HSBC anunciou que era um processo de venda, a situação se normalizou. Após comunicado do Bradesco, informando a aquisição da totalidade do HSBC, esse fluxo já é positivo.


Como reter os clientes?


Esta retenção é basicamente feita pelos funcionários, no relacionamento com os clientes. Nós já fizemos reunião com as lideranças do HSBC e passamos um vídeo aos funcionários mostrando a oportunidade que têm no Bradesco. A retenção dos talentos é mais importante que a retenção de clientes. Porque manter os clientes é uma consequência do trabalho dos gerentes.


Mas haverá ajustes nos quadros de funcionários?


No processo de integração, queremos uma coisa civilizada, organizada, queremos fazer integração de banco e não simplesmente a incorporação ou o desaparecimento. Nós temos um nível de terceirização maior que o deles, que têm muito mais serviços internalizados. Eles têm uma empresa, que nós não temos, para fazer o back office. A maior parte é de funcionários em Curitiba. Ela pode ser turbinada para fazer o nosso back office. Nessa empresa também há desenvolvimento e manutenção de software, com centenas de pessoas. Em grande parte, no nosso caso, isso é terceirizado. Então, esse trabalho também poderia ser feito por lá.


Por que o HSBC interessava tanto ao Bradesco?


Em síntese, a complementariedade da aquisição é muito grande para o banco. No caso de agências, por exemplo, tínhamos uma defasagem no Sul e Sudeste, e custa caro abrir agência nova. O HSBC nos oferece 500 agências no Sul e Sudeste. Agora, só isso não poderia justificar tudo o que foi feito. O HSBC era praticamente o último ativo em oferta e, em outras mãos, poderia dar escala ao terceiro banco do país ou aumentar muito a escala do primeiro. Então, para nós, era o momento de encurtar distância. Encurtar distância do lado de quem está numa posição de liderança e aumentar a distância do outro lado. Mas para que isso agora se os juros no Brasil são caros, a política monetária é estreita, o custo de capital ainda é alto? Estamos olhando para a frente. Quando o Brasil estiver dando certo, nós vamos ter outras margens e, nesse cenário, a escala é fundamental.


Não que precisássemos de escala. Temos 27 milhões de correntistas, oito mil agências, e (com o HSBC) aumenta-se 10% na rede de atendimento e 20% no negócio. Então, aceleramos nosso crescimento. É evidente que, com a economia saindo do tempo duro, indo para o tempo maduro, você acelera muito a possibilidade de ganho. Vai chegar um momento em que haverá uma inflexão na economia, e, quando isso acontecer, a taxa de retorno vai ser exponencial. E aí teremos o bônus de uma consolidação do mercado (bancário) já feita.


O Bradesco estava interessado principalmente no cliente


de alta renda do HSBC?


O segundo ponto da sinergia é a complementariedade do perfil de clientes. Nosso modelo de negócio é o seguinte: na pirâmide entram milhões de clientes que vão subindo na vida, e fazemos a segmentação. O HSBC, quando comprou o Bamerindus, optou pelo varejo elitizado, mais voltado para média e alta renda. Clientes de alta renda, no conceito dele, são entre 400 mil e 500 mil. No nosso, chegam a 1 milhão.


Para o cliente, esse ganho de escala traz benefício?


Quando o Brasil der certo, você não terá o nível de depósito compulsório atual, que chega a quase 50% das captações. Quando isso acontecer, você não vai ter o volume de crédito direcionado, em que a autoridade diz onde o banco tem de aplicar parte do que capta. Também não vamos ter a cunha fiscal que absorve de 23% a 24% de todo o spread. Também, quando o Brasil der certo, você não vai ter Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF. Esse é um tributo que existe no Brasil pelas necessidades fiscais, mas algum dia não vai existir. Quando tudo isso acontecer, você vai ter menores margens a favor do cliente.


O senhor conduzirá a integração do HSBC junto com o processo de sua sucessão no comando do banco. Como será isso?


Tenho um mandato até março de 2017, quando completo 65 anos. E aí estarei com quase 50 anos de empresa. Tenho esse grau de contribuição à empresa, de dedicação, e nesta fase da vida quero exatamente dar o que tenho de melhor no tempo presente. O que quero é desenvolver pessoas, talentos. Por isso, tenho tido um olhar muito próximo com o crescimento do capital humano, que é fundamental para ter processos sucessórios. Porque quando a empresa tem de buscar pessoas fora do seu ambiente, significa que ela não conseguiu desenvolver a chamada prata da casa. E a prata da casa tem de ser polida diariamente.


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