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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 26-07-2015 - 10:53 -   Notícia original Link para notícia
Brasil, Grécia e o Superávit

Estamos cada vez mais parecidos com a Grécia no campo das finanças públicas, e os eventos recentes apenas consolidam mais esta triste conquista da presidente Dilma Rousseff.


A primeira e mais perturbadora das semelhanças já existia na conta de juros que cada governo paga anualmente a seus credores: o Tesouro Nacional do Brasil pagou 5,6% do PIB em juros em 2014, mais do que Grécia e Itália, que pagaram 4,2% e 4,5% do PIB, respectivamente.


A dívida grega é quase o triplo (na faixa de 175% do PIB), mas é bem mais barata e longa que a brasileira, que está em cerca de 65% do PIB. Como os juros praticados no Brasil se aproximam do triplo do que paga a Grécia, fica explicada a semelhança na conta final.


Os juros são muito mais altos no Brasil porque os gregos são bem mais ricos que os brasileiros. É simples. Estimativas para a riqueza (ou o capital) se popularizaram com o trabalho de Thomas Piketty, e permitem supor que a riqueza dos gregos está entre três e quatro vezes o seu PIB, talvez mais, de modo que seria necessário que algo como metade dela estivesse investida em papéis de seu próprio governo, para que os gregos carregassem uma dívida de 175% do PIB.


O mesmo vale para a Itália, Japão e outros países ricos, para os quais dívidas grandes, relativamente ao PIB, não se mostram tão pesadas.


Já no Brasil, onde a riqueza deve estar na faixa de um PIB, dificilmente mais, uma dívida na faixa de 65% do PIB significa que cerca de 2/3 da riqueza dos brasileiros estariam alocados em papéis do governo, o que é bem mais pesado do que se observa na Grécia.


A patologia brasileira é conhecida como "dominância fiscal" e apenas se cura, abstraída a feitiçaria, reduzindo dívida via superávit primário. No Brasil, como na Grécia, é preciso haver algo como 3% do PIB de superávit primário, ou algo parecido, para que a razão dívida/PIB se estabilize, ou entre em declínio, tanto mais acentuado quanto maior for o crescimento.


O Brasil já seguiu a receita durante toda uma década depois de 1998, quando firmou seu acordo com o FMI (que foi mantido até 2005). Nesses anos o superávit primário médio foi de 3,34% do PIB e o crescimento médio anual foi de 3,15%.


É difícil entender as razões pelas quais os gregos tanto esperneiam para produzir esforços fiscais desta ordem, a serem constituídos gradualmente até 2018, senão pela preguiça em fazer o dever de casa. A lógica parece semelhante à que presidiu o anúncio desta semana, pelo qual o governo brasileiro desistiu de um superávit primário de 1,2% do PIB e fixou uma meta de 0,15% para 2015. Antes dessa decisão era possível dizer que o Brasil seguia o bom senso e as recomendações que a Europa fazia à Grécia. Agora, inesperadamente, recuamos para a posição grega.


É verdade que a economia está em recessão, e que isso atrapalha as metas fiscais, mas o fato é que não há nada mais patético que um doente que não quer se tratar, ou que quer debater medicina com o médico.


No Brasil, como na Grécia, as eleições jogaram papel essencial no curso dos eventos. No nosso caso, parece até que a irresponsabilidade que se praticava era de quem imaginava perder, mas ganhou. No caso deles, inventou-se um plebiscito que o governo ganhou e foi a pior coisa que podia ter acontecido. Em ambos os casos foram "Vitórias de Pirro", aquelas nas quais os custos da vitória são piores que os da derrota.


Para o Brasil, a política fiscal praticada após 2009, e com especial ênfase na reta final do primeiro governo Dilma Rousseff, entrará para os anais do estelionato eleitoral na mesma cava do inferno onde se localiza o praticado nas eleições de 1986, a partir do prolongamento do congelamento de preços fixado pelo Plano Cruzado. As únicas diferenças estão em que o truque foi fiscal, praticado mediante "pedaladas", e não diretamente nos preços, e se deu em câmara lenta.


Uma vez esgotada esta mágica desse "neochoque heterodoxo", tudo começou a dar errado e os níveis de aprovação do governo despencaram: ninguém gosta de ser feito de trouxa. As revelações sobre os escândalos apenas agravaram o quadro, e a presidente se encontra diante de um risco muito concreto de perder o seu mandato não por incompetência econômica, mas por desrespeitar uma lei. Nem o presidente, e principalmente ele, ou ela, pode fazer isso.


Na Grécia, a democracia teve o seu santo nome invocado de forma meio torta quando o primeiro-ministro Alexis Tsipras malversou a ideia de consulta popular com sua "jogada" de convocar um plebiscito sobre o que fazer sobre a negociação com a Europa. Não há sentido em se fazer uma "decisão democrática" sobre o dinheiro dos outros.


O fato é que a esmagadora maioria dos gregos quer ficar na União Monetária, e ficou confusa com a pergunta do plebiscito. Tentou-se que a consulta se tornasse uma espécie de embate internacional entre a austeridade e o desenvolvimento, ou uma reafirmação da soberania grega. Mas não era mais que uma esperteza mal concebida e que saiu pela culatra. O governo precisou fazer uma forte campanha pelo "não", que acabou prevalecendo, mas o "voto" mais importante foi o executado com o bolso, pelo qual os gregos correram aos bancos para tirar seu dinheiro antes que o governo resolvesse mesmo recriar uma moeda nacional grega. Em consequência da corrida, o governo se viu forçado a implementar algo semelhante ao nosso Plano Collor e a criar para si uma sinuca de bico de proporções trágicas. Tsipras volta "vitorioso" para a Europa que lhe informa que a porta da saída é serventia da casa e que as condições negociais ficaram piores, enquanto que, em casa, os bancos estão fechados e a população em pânico. Que trapalhada!


Sem dúvida, na ideia de "Vitória de Pirro" é interessante a afinidade entre Tsipras e Dilma Rousseff. A verdade sobre a economia não apareceu com clareza nas eleições brasileiras de 2014, mas mesmo antes de consumada a vitória eleitoral, Dilma já estava refém de seus erros anteriores, e avançou em negociações com bom senso ao demitir seu ministro heterodoxo e trazer Joaquim Levy. Agora parece hesitar.



Os gregos não querem voltar para a dracma, pois não são malucos, assim como os brasileiros não querem inflação via esse keynesianismo vagabundo da escola Mantega-Varoufakis. Ambos os países tiveram o bastante em matéria de invencionices, e agora querem caminhos convencionais, receitas confiáveis e padrões internacionais. É isso o que Levy representa, e enfraquecê-lo será outro tiro no pé, talvez mortal.


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