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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 23-07-2015 - 09:08 -   Notícia original Link para notícia
Tesourada na meta fiscal do governo

Economia prevista para o ano cai a 0,15% do PIB, e proposta abre brecha para déficit


Ministro da Fazenda
Ministro do Planejamento "A gente não está mudando de rumo. Estamos ajustando as velas porque o tempo mudou" Joaquim Levy "Estamos reduzindo a nossa meta, mas não estamos ampliando o gasto" Nelson Barbosa


- BRASÍLIA- Não adiantou resistir. A equipe econômica teve de se render à realidade do baixo crescimento e da queda nas receitas e anunciou que vai propor ao Congresso uma forte redução da meta de superávit primário ( economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 2015.


GIVALDO BARBOSAContas refeitas. Os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, chegam para anunciar as novas metas do governo


O projeto de lei que será enviado ao Legislativo, nos próximos dias, prevê a redução do esforço fiscal do setor público de R$ 66,3 bilhões ou 1,19% ( percentual ajustado) do Produto Interno Bruto ( PIB) para R$ 8,7 bilhões, ou 0,15% do PIB. O texto ainda terá uma cláusula prevendo que, caso algumas receitas não se confirmem, o governo poderá fazer um abatimento de R$ 26,4 bilhões no resultado primário. Na prática, isso permite ao governo terminar o ano com um déficit primário de R$ 17,7 bilhões nas contas públicas. Ou seja, ao invés de economia, pode haver rombo nas contas públicas.


Junto com a redução da meta, o governo anunciou um contingenciamento adicional de R$ 8,6 bilhões no Orçamento. Em maio, a equipe econômica já tinha feito uma tesourada de quase R$ 70 bilhões nos gastos, mas, com o agravamento da recessão e a queda aguda das receitas, esse corte ficou insuficiente. Na avaliação de receitas e despesas do terceiro bimestre, a previsão de receitas para o ano caiu R$ 46,7 bilhões e a de despesas obrigatórias aumentou R$ 11,4 bilhões, num total de R$ 58,1 bilhões, em relação ao último relatório.


SEM LICENÇA PARA GASTAR


Segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a revisão da meta fiscal não é uma licença para gastar:


- Uma reavaliação da meta não é uma indicação do abandono do ajuste fiscal, que está tudo resolvido, que é uma licença para gastar. Na verdade, o nosso compromisso é de continuar a garantir a disciplina fiscal para reduzir a dívida pública.


As mudanças de meta não ficaram apenas em 2015. O governo também vai sugerir que a Lei de Diretrizes Orçamentárias ( LDO) seja modificada para reduzir a meta fiscal dos anos de 2016 ( de 2% para 0,7%) e de 2017 ( de 2% para 1,3%). Para 2018, ela foi mantida em 2% do PIB. Com isso, o governo foi obrigado a fazer o que Levy não queria: alongar o ajuste fiscal.


Com um esforço menor, a dívida bruta, principal indicador de solvência observado pelo mercado financeiro internacional, só cairá em 2017 e deve terminar o mandato da presidente Dilma Rousseff em 65,6% do PIB. Com as metas anteriores, a projeção era que a queda ocorresse já em 2016. A previsão era que o endividamento terminasse 2018 em R$ 61,9% do PIB.


Mesmo assim, Levy - que resistira à redução da meta de 2015, mas teve que se curvar à realidade - fez questão de dizer que o ajuste não acabou. Ao lado do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, ele afirmou que o governo teve de se adaptar a um novo cenário no qual as receitas ficaram muito aquém do esperado.


- A gente não está mudando de rumo. Estamos ajustando as velas porque o tempo mudou. Vamos trabalhar para superar essas metas. Essa meta é piso para nós. Alguns dizem que essa não era a meta preferida por mim. Não era preferida por nenhum de nós. Nosso objetivo é trabalhar para podermos superar essas metas - disse Levy, mencionando, em vários momentos, que o governo "vai cortar na carne".


Barbosa, por sua vez, disse que o governo tem feito um esforço para aumentar a receita que envolve várias iniciativas.


- Achamos que essa é a meta adequada para o atual cenário econômico... Há uma frustração de receita em relação ao esperado inicialmente. Estamos reduzindo a nossa meta e não estamos ampliando o gasto. Na verdade, estamos ampliando o corte.


A previsão de aumento das despesas no montante de R$ 11,4 bilhões, segundo Barbosa, em parte decorre das mudanças que o Congresso fez nas medidas do ajuste fiscal. Os gastos com seguro- desemprego ficarão R$ 3,9 bilhões acima do previsto e, além disso, foram aprovadas no Congresso despesas extraordinárias de R$ 3,5 bilhões que não estavam previstas.


Perguntado sobre as divergências na equipe econômica sobre a meta fiscal, Levy brincou e arrancou risos da plateia. Segurou o braço do colega do Planejamento e disse:


- Nelson, fecha os ouvidos porque eu vou contar a minha história.


DÓLAR SOBE A R$ 3,226


O presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), advertiu que o governo terá "dias difíceis" até aprovar no Congresso texto com a nova meta.


- A redução para 0,15% é uma redução absurda. Ao mesmo tempo que reduz para 0,15%, está cortando mais no Orçamento. E já tem uns três meses que se sabe que não vai cumprir a meta. Então, deveria ter tido essa atitude há mais tempo. O mercado sabe fazer conta - disse.


Cunha ressaltou que será preciso analisar todos os vetos que estão previstos na pauta do Congresso.


- Pressupõe votar os vetos antes e tem vetos aí que podem dar mais problemas do que a própria redução da meta. Tem o veto do fator previdenciário, o veto do Judiciário... Vetos enormes a serem votados.


Os mercados já haviam fechado quando o governo anunciou a redução da meta. Mas, na expectativa de que isso ocorresse, o dólar comercial atingiu a maior cotação em quase quatro meses: R$ 3,226, alta de 1,63%. Já a Bolsa de Valores de São Paulo recuou 1,08%, aos 50.915 pontos.


Transparência e mais riscos


Para analistas, revisão pode ajudar a recuperar credibilidade, mas ameaça grau de investimento do país


A redução da meta de superávit primário pode colocar em risco a manutenção do grau de investimento pelo Brasil, mas também pode ajudar a equipe econômica a recuperar a credibilidade perdida em anos anteriores, segundo avaliação de economistas ouvidos pelo GLOBO. Em comum, todos veem o novo número, 0,15% do PIB, mais realista com o cenário econômico atual, de forte redução da arrecadação de impostos.


Na avaliação de Newton Rosa, economistachefe da SulAmérica Investimentos, a mudança na meta ocorre devido ao quadro econômico:


- Muitas das medidas de ajuste fiscal adotadas no início do ano não surtiram o efeito desejado, seja por conta das modificações no Congresso ou pelo ritmo de implementação. O importante é que se está reduzindo a meta não para gastar mais, mas porque houve uma frustração de receitas, e não há como acomodar isso via corte de despesas.


A nova meta está até abaixo da projeção dos economistas e mostra uma postura mais transparente por parte da equipe econômica. No entanto, alertam os especialistas, a chance de rebaixamento da nota de crédito do Brasil, e até a perda do grau de investimento ficou maior, uma vez que o mais importante nessa avaliação é a trajetória da relação entre a dívida e o PIB. O Brasil tem selo de bom pagador nas três grandes agências de classificação de risco. Na Standard & Poor's e na Fitch o rating soberano só está uma nota acima do grau especulativo, e na Moody's, a duas - esta última está preparando a sua reavaliação da nota do Brasil.


- A comunicação do governo em relação ao tamanho do problema na economia ficou mais transparente. Mas cresceu a chance de que a perspectiva da nota brasileira seja considerada negativa e não estável pela Moody's. Isso porque o governo espera que a relação dívida/ PIB comece a cair apenas em 2017 e, mesmo assim, essa expectativa é questionável - explica Fábio Klein, especialista em administração pública da consultoria Tendências.


Para o estrategista- chefe do banco japonês Mizuho do Brasil, Luciano Rostagno, embora a transparência seja altamente positiva, a mudança drástica é uma indicação ruim ao mercado.


- Não adianta ser transparente, mas não entregar o que promete - diz Rostagno, para quem a perda do grau de investimento levará o país a uma recessão mais profunda e prolongada.


Para Luiz Eduardo Portella, sócio gestor do Modal Asset Management, o anúncio teve mais pontos negativos que positivos. O mercado financeiro até estava resignado com um ajuste menor, mas a magnitude da revisão surpreendeu. Para ele, a redução da nota de crédito do Brasil pelas agências Moody's e Fitch já está certa e, agora, há o temor de uma revisão negativa de perspectiva - sinalização das agências de que pode haver novo rebaixamento.


- A gente ficou bem decepcionado. Além de reduzir a meta para 0,15% neste ano, deram espaço para ter mais um déficit no ano ( assim como em 2014) - diz.


Paulo Eduardo Nogueira Gomes, economista- chefe da AZ FuturaInvest, reforça:


- Perder o grau de investimento é uma ameaça grave e real que paira sobre o Brasil mais a partir de agora. Acredito que o país possa ficar no limite, mas para isso o governo vai precisar reverter as expectativas dessas agências, que olham a perspectiva para a evolução da relação entre dívida e PIB.


Outro ponto negativo da mudança é a sinalização de que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sofreu mais uma derrota, perdendo força na condução da política econômica. Rostagno lembra que a mudança vem logo após uma pesquisa mostrar a alta reprovação do governo, o que dá margem para alguma ingerência política:


- Em meio à situação delicada em que o país se encontra, o governo tem dificuldades de corrigir os erros do primeiro mandato da presidente Dilma, que levaram a essa situação de risco de perda do grau de investimento.


Para o economista da MB Associados, Sergio Vale, a única coisa boa da mudança foi antecipar uma discussão que permearia o segundo semestre.


- Nós trabalhávamos com 0,6% desde o início do ano. Esse 0,15% mostra como a situação é mais difícil. Mostra também a dificuldade do ministro Joaquim Levy, que está cada vez mais isolado e enfraquecido - observa


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