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Valor Online ( Empresa ) - SP - Brasil - 16-07-2015 - 09:34 -   Notícia original Link para notícia
Dois lados do espelho

Habituados a taxas de crescimento invejáveis, empreendedores, investidores, lojistas e profissionais ligados ao mundo dos shoppings centers enfrentam uma crise diferente de todas as anteriores. Embora não estejam sozinhos nesse embate, já que boa parte das razões que viraram o jogo vem da desaceleração da economia brasileira, que afeta outros setores, esses templos de consumo têm uma peculiaridade: o impacto da crise varia conforme o grau de maturidade dos empreendimentos.


Os centros consolidados, bem localizados, com um público fiel e endinheirado, passam quase ao largo das dificuldades, porque estão ligados a grandes grupos que, além de já terem colocado o pé no freio de novos projetos, lançam mão de um arsenal cada vez maior de novidades para manter o vigor dos negócios. Os mais novos, recém-inaugurados, ou em fase de maturação, sofrem com taxas de ocupação insuficientes, principalmente quando não estão ligados a grupos experientes; funcionam em regiões onde faltam consumidores e lojistas para tanto shopping e o público visitante é das classes C/D - que mais sofrem com o aumento da inflação, a queda da renda e a falta de confiança no mercado de trabalho. Uma parcela da população que, segundo Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) representa um terço dos visitantes de shopping.



"É a pior crise desde o Plano Real", diz o consultor Luiz Alberto Marinho, da GS&BW, especializada em varejo. Naquela época, compara, a inflação era alta, faltava dinheiro e as pessoas buscavam uma fórmula mágica para saldar suas dívidas. "O que se vê hoje é uma crise que afeta consumidores, lojistas, investidores e regiões do país de formas diferentes e o modo de lidar com ela é um mistério para todos os empreendimentos, sejam eles novos ou consolidados", afirma.


O desafio, segundo Marinho, é entender que os consumidores mudaram muito e a saída é descobrir formas de satisfazer suas expectativas. "As pessoas que entraram no mercado de consumo não estão dispostas a abrir mão do que já conquistaram e a forma de fazer isso não é deixar de gastar; é reorganizar suas prioridades", analisa.


As estatísticas da Abrasce dão uma pista do que está acontecendo. As áreas de lazer, entretenimento, conveniência e serviços vão de vento em popa. Cresceram perto de 20% em 2014 e continuam bem. As vendas de vestuário, ao contrário, já andam negativas em algumas regiões do país. Ou seja, o fluxo de pessoas não deve cair, mas as vendas do que sempre foi tradicional nos shoppings, sim, especialmente se o desemprego aumentar.


"Enquanto a taxa está na casa dos 6%, o consumo não cai tanto; o problema é se crescer", diz Humai. Mas, apesar de um mês de maio "tenebroso", as previsões da associação para o ano não são ruins, até porque o segundo semestre é sempre melhor. "Se comparada a 2010, quando o setor cresceu 23%, a perspectiva de fechar 2015 com uma alta próxima da inflação, de 8,5%, é modesta. Mas os shoppings estão deslocados da indústria, de outros setores e têm um mix que favorece o equilíbrio e nos dá vantagens sobre o varejo tradicional."


"Com renda em queda as famílias tendem a postergar suas compras de bens de consumo duráveis e semi-duráveis, que são o forte dos shoppings", avalia o economista Rodrigo Bagi, da consultoria Tendências. Menos compras significam menos faturamento para o lojista e para o empreendimento, que tem sua rentabilidade atrelada ao faturamento.


Um estudo feito pela Cielo acrescenta mais uma preocupação: entre janeiro e maio deste ano as vendas nominais do varejo de rua aumentaram 7,9% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto as vendas dos shoppings cresceram apenas 4,7%. "Pesam a favor da rua os melhores resultados dos supermercados e drogarias, e, contra os shoppings, as quedas nas áreas de vestuário e bens duráveis", explica Gabriel Mariotto, gerente de inteligência da Cielo.


Apesar das incertezas, as sondagens da Abrasce indicam que as inaugurações previstas para este e o próximo ano deverão acontecer. Mas, se nada mudar, projetos para os anos seguintes vão demorar. "Nos próximos anos a tendência é que surjam shoppings específicos, em nichos e em cidades também especificas e, mais do que tudo, deve ocorrer uma expansão dos centros atuais", diz André Germanos, diretor de Mercado de Capitais da Cushman & Wakefield.


Máximo Lima, sócio fundador da HSI, uma gestora brasileira de fundos de private equity que investiu R$ 1,8 bilhão nos 13 shopping centers de seu portfólio, também aposta na redução da velocidade de novos projetos. "Trazer lojista para o shopping é uma competição ferrenha", diz. "É um quebra-cabeça, um jogo de pôquer, com blefe dos dois lados", acrescenta Humain.


Na avaliação de Lima o negócio ainda é bom para quem está em regiões metropolitanas adensadas ou em novas fronteiras. "No Centro-Oeste a economia avança acima da média nacional", afirma Fernando Maia, CEO da Sala Malls, que não tem dúvidas sobre o retorno dos R$ 450 milhões que serão aplicados pelo grupo, junto com um grupo de investidores na abertura de quatro shoppings em Goiás, Mato Grosso e Distrito Federal até 2016.


As pessoas que entraram no mercado de consumo não estão dispostas a abrir mão do que já conquistaram


No grupo dos shoppings maduros, porém, não há nenhum novo shopping a vista. O Sonae Sierra Brasil, por exemplo, só pensa em novos projetos para 2019. "Por enquanto, vamos crescer via expansões", informa José Baeta Tomás, presidente do grupo que é dono de dez shoppings - três dos quais foram abertos entre 2012 e 2013 e, apesar do aumento da concorrência, tem conseguido uma ocupação acima da média do mercado, segundo o executivo. Em comparação com os primeiros três meses do ano passado, o Sonae aumentou vendas totais (9,5%) entre janeiro e março deste ano. "O segundo trimestre apresenta uma realidade diferente, mas estamos bem posicionados", diz.


Aliansce e Iguatemi se mostram igualmente cautelosos. A Aliansce não inaugurou nenhum shopping nos últimos quatro anos. "Já víamos o mercado com preocupação e paramos de desenvolver, por isso não temos nenhuma obrigação de investimento que possa vir a penalizar o caixa da empresa", diz Renato Rique, presidente do grupo que tem 19 shoppings, administra outros 14 e vendeu 8,7% a mais no primeiro trimestre deste ano do que no mesmo período do ano passado.


Até expansões têm sido revistas. "Já adiamos algumas e antecipamos outras, menores, porque entendemos que há um excesso de oferta de loja em shoppings recém-inaugurados", afirma Rique. Segundo ele, o principal motivo do bom posicionamento do grupo, apesar da crise, foi a disciplina em fazer shoppings relevantes em grandes mercados.


O discurso do Iguatemi é parecido. Com 17 empreendimentos, a empresa também está mudando sua estratégia de crescimento. "Avançamos muito de forma orgânica nos últimos anos, fazendo novos shoppings, novas expansões e agora estamos com um ritmo mais lento, olhando outras formas de crescimento", diz Cristina Betts, vice-presidente de RI e finanças da Iguatemi Empresa de Shopping Center.


Entre as opções avaliadas está a compra de participações de outros players minoritários nos shoppings do grupo e a transformação de algumas propriedades em uso misto. "Como estamos em regiões muito boas podemos usar o excesso de potencial construtivo para fazer torres comerciais, residenciais e hotéis", diz.


Com um portfólio homogêneo, voltado para o público de renda média e alta, e um mix que promete grifes inéditas onde quer que vá, a Iguatemi diz não ter enfrentado problemas na sua safra do interior. "A gente sabe o que quer, qual cidade, qual tamanho, qual perfil. Nossos shoppings abertos em Ribeirão Preto, Sorocaba e São José do Rio Preto são um sucesso", afirma a executiva.


Apesar de esperada, a interiorização dos shoppings não deu assim tão certo para muitos investidores. Como Sorocaba, onde foram abertos nada menos do que sete shoppings, outras cidades receberam mais empreendimentos do que comportam. Em Limeira, onde não cabem mais do que dois, existem três. O mais novo deles, o Nações Limeira, do grupo WTorre, sofre com a localização, perto da rodovia, apesar de ter os demais atributos considerados essenciais ao sucesso.


Inaugurado em 2013, tem uma taxa de ocupação de lojas de apenas 51% e pode vir a contar com um novo sócio, informa a gerente de marketing do shopping, Paula Cabrini Batista. "Estamos resolvendo a questão do acesso, oferecendo condições vantajosas com descontos e carências nos aluguéis para atrair lojistas e investindo em ações que aumentem a visitação, como um outlet de automóveis no estacionamento e shows com grupos regionais", diz. É assim, dando asas à imaginação, que a indústria de shopping centers deve atravessar 2015.


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