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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 15-07-2015 - 09:26 -   Notícia original Link para notícia
Sem vendas e sem vagas

Comércio pode fechar 2015 com saldo negativo de empregos, o que não ocorre desde 2003


"As demissões no setor mostram que as empresas estão bem pessimistas com o futuro " Daniel Sousa Professor de economia do Ibmec-RJ


-RIO E SÃO PAULO- O varejo brasileiro está vendendo cada vez menos e demitindo cada vez mais. O IBGE informou ontem que o volume de vendas no setor recuou 0,9% em maio, na comparação com abril, e 4,5%, frente ao mesmo mês do ano passado, justo no mês no Dia das Mães, data que só perde para o Natal em faturamento do setor. Com desempenho tão ruim, comerciantes estão cortando vagas como nunca: nos primeiros cinco meses do ano, fecharam 159.315 empregos com carteira assinada, de acordo com o balanço mais recente do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. É triplo do saldo negativo do mesmo período do ano passado. Economistas alertam que se trata de um ciclo vicioso: o ritmo fraco leva à onda de demissões, que piora o mercado de trabalho que, por sua vez, esfria mais as vendas. Já há quem preveja que o setor encerrerá este ano com saldo negativo de empregos, o que não acontece desde 2003.


FABIO ROSSICrise. Sem conseguir bater a meta, a vendedora Ana Maria foi demitida no mês passado de uma rede de varejo, junto com 16 colegas


De acordo com a projeção do economista André Gamerman, da Opus Gestão de Recursos, se o ritmo de contratações e demissões no comércio for idêntico ao registrado entre junho e dezembro do ano passado, o saldo líquido de vagas (admissões menos demissões) fechará 2015 positivo em 11 mil vagas. O resultado já representaria uma forte desaceleração, uma vez que, no ano de 2014, o varejo criou 180.814 empregos.


- A tendência é clara de piora (nos primeiros cinco meses do ano). Isso nos leva a crer que é bem provável destruição de postos de trabalho no comércio este ano - avalia Gamerman.


Carlos Thadeu de Freitas, economistachefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), explica que as demissões do varejo são consequência de outros setores. Apesar dos empregos temporários no fim do ano, o economista também prevê queda na geração de empregos:


- O comércio está fechando as portas e demitindo porque não está vendendo. Não vende porque não estão comprando, porque as pessoas estão ganhando menos. E ainda tem os juros, que dificultam financiamentos.


Os números dos subgrupos do setor mostram relação direta entre o desempenho das vendas e o ritmo de contratações. De acordo com o IBGE, foi no grupo de automóveis que o volume de vendas mais encolheu em maio, frente ao mesmo mês do ano passado: 22,2%. Já a CNC revela que, no acumulado em 12 meses, o ramo automotivo foi o que mais eliminou postos de trabalho: saldo negativo de 19.888.


O mesmo ocorre com o segmento de móveis e eletrodomésticos, cujas vendas caíram 18,5% frente a maio de 2014. As lojas da área fecharam 12.184 vagas no período de 12 meses.


Enquanto isso, as vendas dos supermercados caíram abaixo da média. Em maio, o recuo foi de 2,1% em relação a 2014. Já o setor farmacêutico aumentou as vendas em 1,8%. Quando se olha o desempenho das contratações, os dois segmentos também estão na contramão da crise: em 12 meses, supermercados abriram 69.910 vagas, e as farmácias, 18.099.


- Existe uma correlação entre essas variáveis (vendas e emprego). Quando as vendas sobem, o pessoal ocupado sobe. Mas é difícil falar quem puxa quem. Normalmente, quando o comerciante vende mais, contrata mais gente - explica o economista Raone Costa, da Catho Fipe.


A vendedora Ana Maria Gonçalves, de 50 anos, vivenciou na prática o impacto da queda nas vendas sobre o emprego. No mês passado, ela foi demitida das Casas Bahia, onde trabalhava há mais de 13 anos. Segundo ela, o motivo para o desligamento - que incluiu mais 16 colegas - foi a baixa produtividade.


- As vendas estavam bem mais fracas. Não estava esperando ( a demissão), até porque minha produtividade caiu quando tirei licença médica por 15 dias, e a meta não mudou. Não tinha como bater a cota - conta Ana Maria.


A Via Varejo - dona das Casas Bahia e do Ponto Frio - não confirmou a ocorrência de demissões nas lojas. A empresa informou ter um quadro de 65 mil funcionários e trabalhar com uma taxa de rotatividade de 25%, que, segundo a companhia, está abaixo da média do setor.


- A tendência é que isso se torne um ciclo recessivo. Com mais demissões, as vendas caem ainda mais. As empresas no Brasil resistem a demitir porque o custo é alto, e encontrar mão de obra de qualidade é difícil. Logo, as demissões no setor mostram que as empresas estão bem pessimistas com o futuro - diz o professor de economia do Ibmec RJ, Daniel Sousa.


EM SP, PIOR RESULTADO DESDE 2008


Com a perspectiva ruim para este ano, a estimativa é que o setor leve até dois anos para voltar a crescer. Em São Paulo, o comércio varejista deve demitir cerca de 150 mil pessoas este ano, segundo a previsão do Sindicato dos Comerciários da capital. Segundo dados da entidade, em 2014 as homologações chegaram a 121,8 mil. O presidente do Sindicato, Ricardo Patah, disse que a média mensal de rescisão na entidade é de 12 mil contratos.


- O que pode estancar um pouco a queda nos postos de trabalho no comércio é a melhora da economia que, por enquanto, não acreditamos que aconteça no curto prazo - disse Patah.


Segundo ele, as empresas do setor não devem aderir ao Plano de Proteção ao Emprego (PPE), pois, os empresários são conservadores e "não gostaram" da cláusula de estabilidade do emprego.


- Podemos entrar numa década perdida - diz o sindicalista.


Dados da Federação do Comércio de São Paulo ( Fecomércio) mostram que, de janeiro a maio, houve 235,22 demissões na região metropolitana de São Paulo. O saldo entre contratações e dispensas está negativo em cerca de 20 mil pessoas, o pior desde 2008, quando a federação começou a computar o dado. Ou seja, o comércio nunca demitiu tanto.


- Infelizmente esse número vai piorar. Até 2017 não acreditamos que o comércio aumente seu faturamento - afirma Vitor França, economista da Fecomércio.


Pressão máxima


Equipes reduzidas e queda nas comissões aumentam desafio do comércio


"Se o vendedor ganhava R$ 2 mil com comissão e está ganhando agora R$ 1.600, vai colocar as mãos para o céu" Roberto Kanter Professor da Fundação Getulio Vargas e especialista em varejo "Houve época em que o cliente pedia um cartão de crédito, e ele ficava pronto em até 45 minutos. Hoje, o foco é a redução da inadimplência" Carla Galo Consultora de varejo


Acombinação entre queda no volume de negócios e aumento de demissões impõe aos comerciários uma tarefa árdua. Vender mais, com uma equipe menor, assombrada pelo temor do desemprego e diante de uma queda na renda - já que parte do salário da categoria é composto por comissões. Em um cenário como esse, dizem especialistas, lojistas e comerciários precisam trabalhar juntos para manter o clima em alta, à espera do fim da crise.


Economistas ouvidos pelo GLOBO evitam estimar o peso exato das comissões na média salarial dos vendedores, embora confirmem que a queda nas vendas tem impacto direto na renda dos funcionários.


- É um ciclo comum. Se a loja vende menos, a comissão vai cair - afirma o economista Roberto Kanter, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em varejo.


'ACREDITAR NA RETOMADA'


Para Kanter, no entanto, manter o emprego deve ser a principal prioridade de quem está na ativa atualmente:


- O que vai acontecer hoje é que uma boa parte dos vendedores vai pensar se estará empregado no mês seguinte. Se ele ganhava R$ 2 mil com comissão e está ganhando R$ 1.600, vai colocar as mãos para o céu. É melhor do que ser mandado embora.


A consultora de varejo e especialista em marketing Carla Galo destaca que o setor vem de um período de fartura e, agora, precisa se adaptar.


- A questão era o crédito fácil. Houve uma época em que o cliente pedia um cartão de crédito, e ele ficava pronto em até 45 minutos. Hoje, o foco é a redução da inadimplência - afirma.


Para Carla, que trabalha com palestras motivacionais, manter o otimismo é importante quando o ritmo de vendas piora. Ela defende, por exemplo, que as metas das lojas sejam mantidas, mesmo que isso signifique maior pressão sobre a equipe:


- O empresário tem que acreditar na retomada e crer que é possível fazer a roda da economia girar. Imagina se faço uma reunião com meus colaboradores e digo: "vamos baixar a meta porque o Brasil está em crise". Todo mundo vai se acomodar.


A especialista dá algumas dicas para aliviar a tensão na hora de bater metas. Vale desde pensar em brindes para equipe até ações mais simples, como melhorar o relacionamento entre a chefia e a equipe, conversar mais. Carla conta que já visitou um pequeno supermercado em que os funcionários se dispuseram a fazer um mutirão para reformar a loja quando foram informados da possibilidade de demissões. Resultado: o dono do estabelecimento desistiu de fazer os cortes.


- Costumo falar que é preciso ter a mente aberta, espinha ereta e coração tranquilo. Ou seja, ficar atento à oportunidade, cuidar da saúde e ter calma, respirar fundo - orienta.


OSCILAÇÃO DO MERCADO


Se a pressão e o temor pelo desemprego aumentam o estresse no varejo, especialistas destacam que a crise tem hora para acabar, já que a economia anda em ciclos. O economista Raone Costa, da Catho Fipe, destaca que a alta do desemprego tem um efeito colateral bom: aliviar as contas do empregador:


- É importante notar que esse ciclo não vai até o fim. Enquanto o mercado de trabalho fica pior para o trabalhador, fica melhor para o empregador. Isso chega a tal ponto que a situação ficará tão boa para o empregador que ele consegue empregar muitas pessoas. O mercado de trabalho funciona como um pêndulo. As crises servem para isso. O problema é que a gente está no meio de movimento.


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