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Estadão ( Economia ) - SP - Brasil - 12-07-2015 - 12:25 -   Notícia original Link para notícia
A Grécia e a Europa são perdedores

José Roberto de Mendonça de Barros


12 Julho 2015 | 03h 00



No plebiscito de domingo passado, ganhou o não. Os gregos, entre o certo (mais austeridade que não vai resolver nada, só piorar as coisas para sua população) e o incerto (existirá algum acordo, dada a nova proposta grega? Sairá o país do bloco do euro, de forma organizada, como propõe o ministro Schäuble, ou desorganizada?), preferiram este último caminho. Perderão todos os lados. 




Meu ponto básico é simples e está assim expresso: não se pode ter países muito diferentes usando a mesma moeda e mantendo identidades e instituições nacionais. Isso é sabido há muito tempo, com as discussões em torno das "áreas monetárias ótimas". A razão central é que, se aparece algum desequilíbrio mais profundo em alguma região, não existe o mecanismo da desvalorização do câmbio para recolocar o equilíbrio macroeconômico. O ajuste tem de ser feito pela chamada desvalorização interna (desemprego, com queda no custo unitário do trabalho). Se houver, ademais, dívida com não residentes, temos de adicionar à "desvalorização interna" também transferência de recursos para amortizar os passivos. Ora, também sabemos que há um limite a partir do qual se torna impossível a sociedade aceitar maiores transferências. É o que parece estar acontecendo hoje na Grécia, onde, apesar de uma extraordinária queda no PIB, a dívida não para de subir.



Isso é bem conhecido com base na famosa análise de Keynes ("As consequências econômicas da paz") sobre as reparações de guerra impostas à Alemanha após a 1.ª Guerra Mundial. Ali, o grande economista argumentava, com enorme força e brilhantismo, que não se pode extrair recursos para pagamentos de dívidas de países acima de um certo ponto. A sociedade simplesmente não aceita. Aliás, as reparações de guerra alemãs nunca foram realmente pagas, seja pela desorganização da hiperinflação de 1923, seja pela ajuda americana na segunda metade dos anos 20, seja pelo simples repúdio, decorrente da ascensão de Hitler ao poder nos anos 30. 



Acho que a Grécia hoje é claramente um caso no qual caberia a análise de Keynes, dado que desde 2008 o PIB caiu mais de 25%, o desemprego subiu para mais de 25% da população ativa (50% entre os jovens) e a dívida subiu de 142% para 175% do PIB nos últimos cinco anos.



Entretanto, se os gregos têm razão quanto à insuportável transferência que lhes é pedida, são culpados de uma inacreditável leniência e populismo com relação ao descalabro fiscal, excesso de consumo e poucos investimentos nos tempos de bonança que se seguiram à sua entrada no euro, em 2001. O ministro Lampreia tratou disso com muita fineza na última terça-feira aqui no Estado, no artigo "Os inacreditáveis talentos gregos". Transcrevo, a propósito da leniência fiscal, um pequeno trecho: "Há 50 motoristas para cada carro oficial e 1.763 pessoas protegem as águas do Lago Kopais, embora tenha secado em 1930".



É fácil perceber que a Grécia perderá qualquer que seja o resultado das negociações com as autoridades europeias. 



Mas por que perde também a Europa? A meu juízo, cada dia fica mais claro que o experimento da União Europeia e, especialmente, do euro, embora numa primeira fase tenha resultado numa melhora de padrão de vida para todos, hoje só tem um ganhador: a Alemanha. Em grau maior ou menor, todos os outros parceiros estão em crescente dificuldade, e sem grandes perspectivas de melhora.



Os gráficos abaixo ilustram muito bem o grave dilema europeu. No primeiro deles, mostro o juro dos títulos soberanos de diversos países europeus. Pode-se ver que antes do euro havia uma clara discriminação de riscos, com Espanha, Portugal, Itália e Grécia pagando juros maiores que a Alemanha. Entretanto, de 2000 até a eclosão da crise financeira em 2008, os mercados precificaram todos os países com o risco alemão, gerando uma bolha de empréstimos gigantesca, que financiou muito consumo e aquisição de residências e pouco investimento em ganhos de produtividade e de competitividade. A crise trouxe de volta uma avaliação diferente de riscos, só que agora, como na Grécia, havia uma grande dívida a carregar, onerando bancos e Tesouros, o que exigiu uma intervenção vigorosa do Banco Central Europeu (BCE).



A falta de crescimento da produtividade se mostrou fatal. A rigor, apenas a Alemanha investiu em reformas e esforço para elevá-la persistentemente, o que é um grande mérito. Comparo o ocorrido na Alemanha com a Itália, no segundo gráfico: a diferença de desempenho é chocante. O resultado é que, desde a criação do euro, 45% da indústria italiana desapareceu. Recuperar essa diferença de competitividade sem a possibilidade de desvalorização da moeda é quase impossível, uma vez que a indústria italiana fica espremida entre o vizinho e a importação de manufaturas baratas da Ásia.



Chegamos agora ao ponto focal da análise: a resposta da zona do euro ao choque de 2008. No terceiro gráfico, pode-se ver o crescimento acumulado do PIB desde 2008: a Alemanha tem o melhor desempenho (5%), que ainda assim é bastante modesto. No sul da Europa, o desastre vai de -5% na Espanha até -25,8% na Grécia. O mesmo ocorre no emprego, como mostra o último gráfico: enquanto a Alemanha está em pleno emprego, o sul da Europa mostra um quadro desolador, mesmo após a melhora recente.



Passada a euforia inicial com a moeda única, o primeiro choque econômico acabou produzindo uma enorme divergência de desempenho, ao contrário da sonhada convergência, prometida pelos líderes do projeto europeu. Mesmo após cinco anos de austeridade, a verdade é que não há a menor perspectiva de grande melhora. O que temos são taxas de desemprego insustentáveis e apenas um grande ganhador, a Alemanha.



Essa constatação não tira os méritos produtivos dos alemães. Mas, sem o euro, jamais teríamos chegado nessa situação. E ela não é sustentável.



É por isso que, além da Grécia, e sem deixar de reconhecer o enorme progresso conseguido nas últimas décadas, a Europa é também perdedora neste momento. 



O crescimento dos partidos radicais (à direita e à esquerda), as dúvidas inglesas e a certeza dos poloneses e outros de ficar longe do euro são os melhores indicadores desse impasse.


















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