Leitura de notícia
Valor Online ( Brasil ) - SP - Brasil - 06-07-2015 - 08:43 -   Notícia original Link para notícia
Levy teme que incerteza paralise empresas e eleve custo do ajuste


Para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, os aumentos recentes da taxa Selic pelo BC têm sido "coerentes"


O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está preocupado com o risco das crescentes incertezas paralisarem as empresas e teme que isso possa vir a aumentar o custo do ajuste. Ele desconversa quando o assunto é a mudança da meta fiscal de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. Diz que a arrecadação está sendo prejudicada pela desaceleração econômica e que há "indícios" de que algumas companhias possam estar adiando o pagamento de impostos para proteger o caixa diante da menor previsibilidade na política.


Levy defende o governo e diz que tomou as medidas necessárias para evitar uma crise, mas que é preciso "estar atento para o país não entrar em um desequilíbrio fiscal estrutural que traga insegurança". "Nenhum ajuste é fácil", reconhece, "mas as condições para a retomada do crescimento se apresentam, especialmente havendo rápida e eficaz conclusão das medidas legislativas. É um recomeço, e daí o risco das incertezas, crescendo, paralisarem o processo de planejamento das empresas e aumentarem o custo para fazer o que precisa." E acrescenta que "privilégios podem custar caro aos próprios beneficiários, quando atrasam a retomada da economia."


A seguir, a entrevista concedida, parte por escrito e parte por telefone, ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor.


Valor: O Congresso tem aprovado aumento de gastos a cada semana. Foi a mudança do fator previdenciário, a indexação dos benefícios ao reajuste do salário mínimo e o reajuste salarial enorme para o Judiciário. Falta a exata percepção de que o país está em crise e recessão?


Joaquim Levy: A explicação convencional é que estaria faltando liderança congressual, e os presidentes das casas não teriam como interferir, especialmente quando parlamentares de alguns dos maiores partidos da base do governo têm tido uma ação menos coesa. É difícil julgar se esse é o caso. Talvez, como o governo evitou uma crise maior no começo do ano, ao reorientar a economia, ainda haja um sentimento entre algumas pessoas de que se pode continuar gastando sem consequências. Isto, apesar da Presidente da República vir insistindo que as políticas de mais gasto estão esgotadas, até pela falta de recursos.


Valor: Passados seis meses de governo, o Sr. conseguiu evitar o pior - a perda do grau de investimento -, mas não conseguiu viabilizar o ajuste fiscal desejado, o governo não recuperou a confiança dos agentes privados e ressurge o risco de novo rebaixamento do rating. Por quê, na sua avaliação?


Levy: A situação fiscal continua a preocupar e estamos no meio de uma travessia em relação à economia, com impacto na vida de todos. Os problemas do ano passado, agravados pelo receio da falta de energia e a necessidade da Petrobras reagir a novas condições de mercado, tiveram um efeito na atividade econômica, que persiste. Além disso, alguns setores estavam muito embalados nas políticas ditas anticíclicas, com benefícios fiscais e crédito a taxas subsidiadas, e estão ainda a se reorganizar. Superar tudo isso será um trabalho de paciência, persistência, diálogo e persuasão. Porque agora o caminho não é estimular a demanda, mas facilitar a ampliação da oferta. Eficiência, baixar custos e buscar maior produtividade são a chave para um crescimento sustentável, onde os salários sobem e o emprego aumenta. Vamos continuar mostrando o caminho com, por exemplo, o envio brevemente da proposta para o novo PIS-COFINS, que já está sendo discutido com o setor privado e deve simplificar a vida de muitas empresas.


Valor: Nunca se consegue, no país, cortar ou rediscutir o gasto público. Parece que predomina a percepção de que o Estado pode tudo e ficam todos - empresários, políticos e o próprio governo - à espera do que o Tesouro nacional tem para oferecer. Como sair desse ciclo?


Levy: Você fala de um sentimento de que cabe ao governo resolver tudo: da cultura ao futebol, à siderurgia e até na agricultura, apesar do justo orgulho desse setor. Pode ser, mas não é universal. O que precisa é foco em melhorar o jeito com que as coisas são feitas, para alcançarmos a excelência com o mínimo de recursos. As pessoas já percebem que o mais importante não é o governo "ajudar", mas haver oportunidades, menos entraves em todos os níveis. Essa é a cabeça para continuarmos na trajetória do desenvolvimento.


Valor: Sobra aumentar impostos. Vira e mexe alguém quer reviver a CPMF, taxar mais a herança e grandes fortunas. O governo vai propor alguma dessas ideias?


Levy: Para arrumar a economia pós boom das commodities não é bom começar acreditando em apenas aumentar a carga tributária. Temos que olhar o gasto, para que o peso dos tributos não seja excessivo. Até uns 300 anos atrás, o mundo dos negócios era em geral subalterno ao mundo do poder, das grandes corporações do Estado, dos militares, clérigos, etc. A grande mudança dos séculos XVII em diante foi o sapateiro, o profissional, o empreendedor e o trabalhador passarem a ter maior proeminência e poderem se proteger contra o excesso de impostos. Essa mudança foi contemporânea, se não promotora, do progresso científico, social e econômico visto a partir daí. Assim, é preciso estar atento para o país não entrar em um desequilíbrio fiscal estrutural que traga insegurança, mas entender que apenas aumentar impostos não terá o condão de resolver os problemas do Brasil. Temos que começar a avaliar a expansão dos gastos obrigatórios determinados pela lei, inclusive renúncias fiscais, como a dispensa de empresas pagarem a contribuição patronal, que força o Tesouro a sustentar a Previdência Social. Privilégios podem custar caro aos próprios beneficiários, quando atrasam a retomada da economia.


"A aposta é encurtar a travessia e discutir agora ajustes estruturais para diminuir o custo à população"


Valor: Com a queda real das receitas já não seria a hora de ter uma meta fiscal mais realista para 2015? Se revista a meta deste ano teria que rever para 2016 e esticar o ajuste para 2017?


Levy: A desaceleração da economia tem diminuído a arrecadação. Além disso, há indícios de que o receio de menor previsibilidade na política esteja levando algumas companhias a proteger seu caixa, adiando o pagamento dos impostos. Ou seja, há outros fatores afetando a arrecadação, inclusive a frequência com que se aprovaram refinanciamentos de débitos fiscais [REFIS] nos últimos anos. Mas estamos enfrentando a situação, não só melhorando o acompanhamento das grandes empresas, mas também tomando ações para, por exemplo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) voltar a funcionar, agora em novas bases. Aliás, mesmo durante o período que ele ficou fechado, o CARF não ficou parado, e encaminharam-se quase R$ 70 bilhões de casos já julgados que estavam parados lá. Temos também valorizado ações que geram receitas e abrem setores para o investimento privado, como é o caso da Caixa Seguridade e do IRB. Evidentemente, a Lei de Responsabilidade Fiscal indica a importância de cortar gastos quando a receita corre o risco de não comportar o cumprimento da meta, o que coloca, aliás, aumentos de salários no setor público sob uma luz particular.


Valor: Como o governo vai viabilizar a meta de superávit primário de 2% do PIB nos próximos anos?


Levy: Essa é uma excelente questão. A estratégia tem que ser de acelerar o ajuste, dar tranquilidade à economia e ao país para a economia retomar o crescimento e, com isso, haver um aumento cíclico da arrecadação, enquanto avança-se nas questões estruturais e em iniciativas como as concessões. Não se pode descuidar da dinâmica da dívida pública ou a situação do país irá se deteriorar e o investimento ficará muito mais difícil. A aposta é encurtar o tempo de travessia, discutir já agora ajustes estruturais para diminuir o custo para a população. Nenhum ajuste é fácil, mas excluindo 2014 e certa inércia dos gastos obrigatórios, as condições para a retomada do crescimento se apresentam, especialmente havendo rápida e eficaz conclusão das medidas legislativas. É um recomeço, e daí o risco das incertezas, crescendo, paralisarem o processo de planejamento das empresas e aumentarem o custo para o fazer o que precisa. Ninguém quer isso e há mil caminhos para evitar esse cenário. Não há razões econômicas para uma crise no horizonte imediato porque o governo tomou ações decisivas, como no caso da energia elétrica, onde o ministro Eduardo Braga agiu com firmeza e começou a destravar aquela área. Há muitos exemplos onde se confirma a governabilidade do Brasil. Há consenso entre bom número de economistas e empresários de que as políticas atuais são bastante próximas do indispensável para se retomar o crescimento em bases sólidas. Elas têm como objetivo orientar os agentes econômicos nas suas escolhas, diminuindo o ônus sobre o trabalhador.


Valor: Muitos, em uma visão apressada, já querem saber o que vem depois do ajuste, na esperança de que venha logo a prosperidade. Com o Sr vê essa questão?


Levy: Vai exigir trabalho e harmonia de objetivos. Os termos de trocas da economia se alteraram e o mundo está complicado, como se vê com a queda de 30% da bolsa na China e as hesitações da política monetária americana. Logo, vai ser preciso garra e imaginação. Mas há algumas pistas. Primeiro, o país cresceu, e provavelmente vamos ter que "trocar a fiação" em algumas áreas para as coisas voltarem a funcionar. Isso que é reforma estrutural. Segundo, a indústria pode ter uma trajetória muito positiva, se confiar na estabilidade do realinhamento de preços e procurar novos mercados. O ministro Armando Monteiro está dando o exemplo. A agenda dele é fazer nossos produtos terem maior aceitação em grandes mercados, através da harmonização de padrões. É fazer nossa indústria atender os padrões de qualidade dos EUA e o governo de lá reconhecer a qualidade do que fazemos aqui. A ministra Katia Abreu está fazendo a mesma coisa, reforçando a vigilância sanitária e fazendo nossos parceiros comerciais abrirem espaço para nossas frutas, reconhecerem mais frigoríficos e facilitarem a entrada de nossos produtos agroindustriais. E o ministro Jacques Wagner, ao convencer nosso Congresso a votar os acordos de troca de informação, facilita a cooperação de empresas brasileiras com as americanas na área de defesa, abrindo mercados lá e no resto do mundo. A Receita Federal também está correndo para implantar programas para facilitar o comércio exterior. É o que as empresas mais dinâmicas querem que o governo faça. Se as empresas puderem focar no negócio delas, as dúvidas sobre o PIB não escalam.


Valor: Estamos em recessão, inflação resistente, juro alto e desemprego subindo. Há quem diga que no fim do ano estaríamos melhor. Como o governo vê esse quadro?


Levy: Nessas horas é preciso arriscar. Isso é o novo Brasil. Cito ainda o senador Armando Monteiro, que diz que, para exportar não podemos ter medo de abrir a economia. Não necessariamente para aumentar a proporção de componentes importados no que é montado e vendido aqui, em um mercado protegido, mas para trazer insumos, agregar valor e exportar para o mundo todo. E ter acesso a mais tecnologia. A presidente da República, no discurso em Washington na semana passada, citou a Embraer, que importa componentes dos EUA, faz seus aviões, e os vende para os EUA. Por seu lado, a abertura do mercado americano para nossa carne fez-se acompanhar da abertura do mercado local para a carne americana. Esse, ousemos dizer, livre comércio não assusta, até porque hoje já tem frigoríficos brasileiros instalados nos EUA e a abertura vai criar emprego aqui. É assim que vamos ampliar empregos, diminuir o impacto dos ajustes sobre a população, o que é uma prioridade da Presidente e, portanto, nossa. Não podemos deixar passar a hora.


Valor: Qual a solução possível para as empreiteiras cujos principais executivos estão na prisão?


Levy: A solução deverá ser jurídica, favorecendo a concorrência, a transparência, enfim, tudo que se quer para a economia ganhar fôlego e distribuir renda. Há pessoas trabalhando para que uma solução equilibrada e implementável seja encontrada rapidamente, diminuindo as pressões negativas sobre a economia. O país deve sair fortalecido dessa situação que você mencionou, com novos padrões de comportamento e uma economia mais saudável. Isso pode, inclusive, abrir espaço para tecnologias mais eficientes e baratas, essenciais para atendermos melhor a demanda por infraestrutura. As razões para essa mudança são muitas, incluindo concessionários querendo ser mais eficientes, o Congresso ter aprovado normas de troca de informações alinhadas com o programa de controle de impostos no exterior dos EUA-FATCA [lei americana de combate à evasão fiscal], e nossa participação na iniciativa BEPS, contra a erosão da base fiscal e transferência de lucros, no âmbito da OCDE.


Valor: Economistas do mercado financeiro dizem que os juros já subiram demais. Qual sua avaliação?


Levy: Curiosamente, o Banco Central percebeu antes da maior parte dos agentes econômicos que a maré havia começado a vazar para o Brasil em 2011. Por isso, começou a baixar os juros no meio daquele ano, observado o compromisso de disciplina fiscal anunciado à época. Infelizmente, a disciplina fiscal se esgarçou quando os juros chegaram a um piso em 2012, e a experiência teve que ser encurtada. Os aumentos recentes são coerentes com a necessidade de evitar que a mudança de preços relativos crie um processo inflacionário. De todo modo, a Selic ficou abaixo da inflação acumulada até agora em 2015, e é cedo para dizer quão moderada estará a inflação no quarto trimestre desse ano.


"Não há razões econômicas para uma crise no horizonte imediato porque o governo tomou ações decisivas"


Valor: Duas agências de rating podem rebaixar o país sem que se perca o grau de investimento. Mas parece que o governo quer evitar o viés negativo. O risco voltou?


Levy: Não se pode desprezar esse risco, mas temos que trabalhar para que ele não se materialize. Real apoio à política econômica e ausência de grandes focos de insegurança sobre o médio prazo e as instituições podem fazer a diferença.


Valor: Fala-se muito que a crise maior é política e não econômica. É possível executar políticas de aperto monetário e fiscal em um governo que não tem apoio político?


Levy: Políticas de aperto não são nada sem um horizonte. O desafio, onde a questão política é essencial, está nos temas estruturais, aquela "troca de fiação" indispensável. Por exemplo, hoje há um consenso de como se deve mudar o ICMS para destravar o investimento. Temos conversado com os senadores, inclusive para tentar atender o pleito de criar um fundo de infraestrutura que ajude a atrair o investimento com uma visão de desenvolvimento regional. A interlocução tem sido positiva e desejamos apresentar esse plano ainda em julho, dada a sinalização da perspectiva de votação, antes do recesso, da resolução do Senado com a convergência das alíquotas do ICMS como desenhado no Convênio 70. Há coisas ainda mais profundas. Nosso sistema de crédito imobiliário ainda funciona como foi desenhado na época do Dr. Bulhões, há 50 anos. Para a agricultura, insistimos nos depósitos compulsórios, algo que sumiu há 30 anos na Europa. E, como as despesas do FAT cresceram, o BNDES pode ter que reembolsar recursos captados deste fundo. Fica evidente que a dualidade no mercado de crédito, todos esses escaninhos do passado, vai amarrar o crescimento econômico. Será fundamental superar esses arcaísmos, e o apoio político, o fermento intelectual do Congresso e sua capacidade de criar consensos e novos marcos legais, tende a ser indispensável para essas transformações.


Valor: Qual a sua avaliação da visita da presidente aos EUA?


Levy: A abertura do governo americano em relação ao Brasil foi concreta, e a presidente cumpriu uma visita de trabalho, que era o seu objetivo. Foi uma oportunidade de passar a mensagem de que o Brasil vai continuar querendo o investimento estrangeiro e está tomando as medidas para reequilibrar a economia e dar segurança aos investidores. É um desafio, quando a Europa passa por incertezas e comentam-se os sinais da economia chinesa, entre outros riscos. Construir exige esforço, como vimos na década de 1990. Naquela época, havia muito mais o que ajustar, com a herança de 20 anos de inflação, um estado hipertrofiado e uma economia fechada. Hoje o que mais precisamos é construir novas instituições e uma base para o crescimento que reflita o estágio de desenvolvimento que o país alcançou. O presidente Itamar Franco, apesar de talvez não ter tido o maior apoio político da história, começou o trabalho. Os resultados não foram imediatos, mas valeu a pena.


Valor: E qual foi a reação dos investidores nos EUA em relação à infraestrutura?


Levy: De genuíno interesse, especialmente porque o Plano de Investimento em Logística (PIL) tem muitas rodovias que já existem e para as quais é mais fácil determinar demanda e custos de duplicação, reduzindo os riscos das concessões. Em relação aos riscos, estamos falando com o Banco Mundial para ver como eles apoiam formas de melhorar a qualidade dos projetos e contratos, para facilitar as licitações e a oferta, por exemplo, de seguro de construção pelo setor privado, além de mecanismos para aprimorar o financiamento pelo mercado de capitais.


Nenhuma palavra chave encontrada.
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.